Assisti a esse filme de estréia de Lucrecia Martel na mesma época que vi O ESPELHO, de Tarkovski, e apesar de serem filmes totalmente diferentes um do outro, ambos me deixaram bastante desconsertado. Se já na época que vi o filme (final de janeiro), eu já não sabia o que escrever a respeito, agora que já se passou todo esse tempo é que fica difícil mesmo. Seria necessário, então, rever o filme para procurar absorver mais e entender mais. Mesmo assim, vou tentar descrever minhas confusas impressões sobre essa intrigante obra.
Uma das principais dificuldades que senti vendo O PÂNTANO (2001) foi por causa do grande número de personagens e da ausência de uma linha narrativa convencional, de não se enxergar um objetivo nas ações desses personagens, que agem feito zumbis. Também não estava preparado para ver uma Argentina totalmente diferente do que eu estava acostumado. A exemplo de HISTÓRIAS MÍNIMAS, de Carlos Sorin, que nos apresentou o Deserto da Patagônia, em O PÂNTANO, passamos a conhecer a cidade de Salta, no nordeste da Argentina, um lugar que mais parece o Brasil ou a Bolívia - até o Carnaval de lá parece com o Carnaval do Nordeste brasileiro.
Logo no início do filme vemos um grupo de velhos bebendo e tomando sol à beira de uma piscina suja. Uma das senhoras do grupo levanta-se bêbada e cai, ferindo-se com o copo de vidro quebrado. O marido age de maneira estranha, praticamente ignorando o acidente da esposa e entrando calmamente para dentro de casa, enquanto nuvens negras no horizonte parecem prenunciar a chegada de uma tempestade. Nessa cena e em algumas outras, o filme adquire um ar surrealista. Interessante o cuidado visual do filme, tanto pelo uso de filtros na fotografia, quanto pela posição pouco usual da câmera.
A sensação de calor, umidade e preguiça impregna o ambiente, com os personagens freqüentemente deitados ou encostados na cama dos outros, se escorando pelos cantos, sem fazer nada de produtivo. Mesmo as pequenas tragédias parecem ser quase que ignoradas pelos familiares, como se não valesse a pena se preocupar, ou então as angústias são suavizadas pelo torpor. Mas as preocupações existem, como a da mulher que se cortou na piscina e teme não poder mais usar roupas decotadas, do garoto que perdeu um olho, do rapaz que levou porrada numa briga no carnaval, ou do garotinho que cai da escada, de longe a cena que mais mexeu comigo de todo o filme, e nesse caso, a preocupação parte do próprio espectador, que fica sensibilizado com a situação.
Durante o filme, vê-se com freqüência a notícia e a repercussão do aparecimento da Virgem Maria num determinado lugar da cidade. Isso é, com certeza, um dos pontos chave do filme, principalmente por ser o assunto da última linha de diálogo do filme, o que dá a entender que seja o assunto que resume o filme.
Lucrecia Martel é considerada hoje, ao lado de Pablo Trapero, um dos principais nomes da chamada nova onda do cinema argentino. Aguarda-se a estréia de MENINA SANTA (2004), o segundo filme da diretora, no circuito comercial.
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