domingo, setembro 28, 2025

UMA BATALHA APÓS A OUTRA (One Battle after Another)



Ando um pouco carente de ver filmes. Nesta semana foram apenas dois vistos no cinema, e ainda no esquema de tentar lutar contra um tipo de sonolência que vem mais de algum problema na garganta, creio eu, do que de cansaço ou de privação de sono. Vou buscar saber o que está acontecendo. Para ver UMA BATALHA APÓS A OUTRA (2025), o novo e aguardado trabalho de Paul Thomas Anderson, me muni de uma série de coisas: uma soneca de cerca de uma hora antes de ir ao cinema, um expresso duplo antes da sessão e um outro grande durante, sendo que antes disso tomei um suco verde que supostamente teria gengibre. Enfim, consegui ficar consciente durante a sessão, ainda que sempre com aquela sensação de que rever o filme num futuro próximo seria muito interessante.

Gosto muito de PTA, mas nem sempre seus filmes me “pegam”. O anterior, LICORICE PIZZA (2021), me traz algumas boas recordações de certas sequências, mas não me encantou por completo. Assim como foi o caso de VÍCIO INERENTE (2014), mas este ainda acredito que pode melhorar numa revisão. Achei-o confuso, mas talvez seja por causa da adaptação do romance de Thomas Pinchon, de seu texto original, que dizem ser um pouco mais complicado para traduções para o cinema.

A boa notícia para quem não curtiu muito VÍCIO INERENTE é que esta segunda adaptação que Paul Thomas Anderson faz de um romance de Pinchon é muito mais animadora e bem-sucedida. Talvez por ser uma adaptação mais livre, inspirada no romance Vineland (1990) do celebrado escritor. Então o cineasta pôde tomar mais liberdades e trazer a história e seus personagens para um país muito mais próximo de um regime fascista, como são os Estados Unidos da era Trump, em que se mascara menos a supremacia branca e em que certos absurdos são normalizados por mais pessoas.

O caos que impera na história também é algo abraçado por PTA e o humor é muito bem-vindo, em especial para destacar o jeito desastrado de ser do personagem de Leonardo DiCaprio, alguém que já foi membro de um grupo de combatentes revolucionários, mas que, passados 16 anos, não sabe como voltar ao ritmo. Falando em caos, eu lembro de quando saí com dor de cabeça da sessão de EMBRIAGADO DE AMOR (2002) e de quando saí atordoado, mas também muito feliz, na época que vi no cinema MAGNÓLIA (1999). Então, o caos é um lugar ou um ambiente em que o cineasta se sente em casa. Por isso, é interessante já ir ao cinema esperando uma experiência divertida, mas nesse sentido. Mas claro: é um caos controlado, já que tudo que filma é muito bem pensado e planejado.

No caso de UMA BATALHA APÓS A OUTRA, por mais que vejamos o filme como uma obra muito mais de esquerda, há também uma crítica àquilo que deu errado no comportamento da geração da contracultura e no modo como suas lutas foram perdendo espaço para um esvaziamento de utopias. Não que seja isso exatamente o que o filme se propõe dizer, mas é algo que pode ser lido, assim como também podemos vê-lo simplesmente como um misto de thriller de ação e comédia feito por um dos cineastas mais sofisticados da atualidade, e, só por isso, só pela forma, já vale a pena ser visto. Já é o suficiente para agradar os fãs do cinema de gênero.

Paradoxalmente, por mais que seja o filme de PTA com mais ação e dinamismo de sua carreira, talvez seja o que mais convida a reflexões políticas e sociais de seu país e do mundo. Lembrei em alguns momentos dos filmes de Quentin Tarantino: do não ter medo de matar ótimos personagens (KILL BILL), de tirar sarro de nazistas (BASTARDOS INGLÓRIOS) ou de usar o gore na estrada (À PROVA DE MORTE). Tanto que em diversos momentos consegui visualizar Tarantino adaptando este romance, mas ao mesmo tempo me sentindo muito grato por ter um cara como PTA comandando um projeto dessa envergadura, com essa vontade de retomar ao Vistavision.

Só que, diferentemente de O BRUTALISTA, PTA usa muito mais close-ups, valorizando mais as expressões faciais e as performances de seus atores: destaque, claro, para DiCaprio e Sean Penn, mas também para Benicio Del Toro e duas atrizes que roubam as cenas, que interpretam mãe e filha, Teyana Taylor e a estreante Chase Infinity, respectivamente. E falando em elenco, soube que por pouco Leonardo DiCaprio não trabalhou com PTA em BOOGIE NIGHTS – PRAZER SEM LIMITES (1997), um de meus favoritos do diretor, e só não o fez pois acabou indo fazer TITANIC, de James Cameron. Mas a admiração mútua dos dois permaneceu ao longo dos anos e finalmente tiveram a chance de trabalhar juntos. E com a vantagem de ter agora um DiCaprio muito mais maduro, com experiências distintas com diretores como Martin Scorsese, Quentin Tarantino e Steven Spielberg.

O resultado da soma do trabalho dos dois é um dos melhores filmes do ano, desses que dá vontade de ver de novo (as 2h40min de duração, mal se sente). Além do mais, vale destacar também a trilha sonora de Jonny Greenwood, colaborador de PTA desde SANGUE NEGRO (2007).

+ TRÊS FILMES

A ESPIÃ (Zwartboek)

Rever A ESPIÃ (2006) com a Giselle me fez redescobrir aquele que considerei o melhor lançamento nos cinemas de 2008. Nunca tinha revisto e ver no BluRay caprichado da Versátil foi de dar gosto. Além do mais, é sempre bom retornar ao cinema controverso e sensual de Paul Verhoeven. A ESPIÃ é um retorno ao tema de SOLDADO DE LARANJA (1977), só que muito mais vigoroso e com uma produção maior (até hoje é a produção cinematográfica mais cara dos Países Baixos). Revê-lo também ajuda a torná-lo mais claro: uma trama de espionagem costuma ser um pouco confusa, mas aqui o diretor opta pela clareza, por mais que haja surpresas o bastante ao longo da narrativa. Na trama, jovem mulher judia troca de nome depois de sobreviver a um ataque violento a sua família e amigos e tenta sobreviver numa Holanda sob o domínio dos nazistas, nos anos de 1944-45. Sobreviver e também atuar numa célula da resistência do país, chamada pelos nazistas de grupo terrorista. Nessa sua atuação, o principal destaque é seu envolvimento com um oficial nazista, por quem ela nutre um sentimento forte. Gosto de como Verhoeven foge das obviedades e do preto no branco, além de tocar na ferida do povo neerlandês. Carice van Houten está incrível como a heroína e o filme passa voando: são 2h20min que não são sentidos. Pelo visto foi uma ótima escolha para que a gente inaugurasse o nosso cinema em casa.

RUAS SELVAGENS (Savage Streets)

Este é, muito provavelmente, o patinho feio do box Cinema Exploitation 3. Seu chamariz é a presença de Linda Blair, famosa por ser a garota possuída de O EXORCISTA, mas que não teve uma carreira muito boa no cinema. Uma produção como a de RUAS SELVAGENS (1984) já foi muito difícil, por mais barata que tenha sido. Foi interrompida com três dias de filmagens para depois ser retomada com um novo produtor. Hoje se diz ser um filme antiviolência em sua mensagem, mas obviamente o apelo à nudez e às cenas de violência são feitas com o objetivo de divertir, o que gera sentimentos ambíguos. Trata-se de um rape & revenge cuja vingança não é feita pela moça violentada, mas por sua irmã (a personagem de Blair). O filme de Danny Steinmann começa a ficar melhor em sua terça parte, quando essa vingança toma forma e ela sai à caça da gangue de delinquentes, tão malvados quanto caricatos. Aliás, talvez seja por causa desse teor de interpretações ruins (só escapa o ator John Vernon, que faz o diretor da escola) que o filme foi ganhando também certo culto ao longo dos tempos. Na época, eram de produções de baixo orçamento que surgiam obras mais ousadas do ponto de vista da nudez e da violência gráfica. São obras como essas que têm a coragem de mostrar brigas de mulheres em banheiro feminino, por exemplo. Além do mais, ao que parece, não havia tantos filmes com mulheres encabeçando o papel de vigilantes naquela época. E esse detalhe foi algo que chamou a atenção de Blair para abraçar o projeto. Ela aparece nos extras do DVD se mostrando muito orgulhosa de ter trabalhado em RUAS SELVAGENS.

A ARTE DO CAOS (Verbrannte Erde)

Este já é o décimo longa de Thomas Arslan e talvez o primeiro que chega ao circuito brasileiro. Trata-se da sequência de NAS SOMBRAS (2010), o filme que apresentou o personagem Trojan, vivido pelo ator alemão de ascendência croata Mišel Matičević. Trojan é um ladrão que vive nas sombras e de vez em quando sai para executar um roubo bem planejado e que lhe ajude a se manter por uns seis meses ou um ano. A ARTE DO CAOS (2024) lembra muito o polar, o cinema policial francês dos anos 1950-70, como também lembra o cinema de Michael Mann. Ou seja, é um filme que se preocupa muito com a cenografia e como os personagens se dispõem na tela, muitas vezes escondidos nas sombras, como que para enfatizar um tipo de vida amaldiçoada pelas escolhas e pelo próprio dinheiro. Aqui Trojan recebe um convite de integrar um bando que irá roubar um quadro valioso para um milionário misterioso, mas as coisas não saem como o planejado. Gosto muito de como Trojan é um personagem de aspecto físico pouco expressivo, mas que talvez por isso mesmo esteja tão bem no papel, ainda que muitas vezes seja eclipsado pelo maior vilão, um capanga que não hesita em matar, vivido por Alexander Fehling. Gosto do tom bastante sério do filme, e de como a música, ouvida apenas pontualmente, pois os silêncios também são importantes, de como essa música enfatiza tanto o mistério quanto o ar trágico que se constrói ao longo da narrativa - confesso que até lembrei de alguns trabalhos de Angelo Badalamenti para David Lynch em certos momentos. A violência, até por ser econômica, é intensa quando surge, trazendo mais realismo e aspereza para as cenas, mas sem deixar de lado a beleza plástica da fotografia e da direção de arte. Só peço que venham mais filmes de Thomas Arslan. Por favor. Agradecimentos a Luiz Soares Júnior por dar o toque sobre o filme.

quinta-feira, setembro 11, 2025

O SEGREDO DAS JOIAS (The Asphalt Jungle)



Mais de um mês depois da publicação anterior, consigo uma brechinha para escrever para o blog. Mas posso dizer que tenho boas razões para isto: minha mudança com a Giselle para um apartamento só nosso (ainda que tenha que ficar revezando com minhas irmãs na casa de minha mãe em alguns dias). Então, está uma delícia, mas mexeu com toda a rotina, o que é natural. Então, estamos numa fase de adaptação e de retomada de uma nova rotina, além de ser uma fase também de realização pessoal muito boa. Como não quero deixar este espaço abandonado, vou fazer o possível para atualizá-lo sempre que puder.

O filme brindado dentre tantos que eu tenho para falar a respeito, filmes ótimos que não ganharão espaço aqui com um texto maior, já que o trabalho em escola de tempo integral cada vez me é mais cansativo e cada vez mais suga minha energia, é o clássico O SEGREDO DAS JOIAS (1950), de John Huston. Aliás, é quase uma coincidência eu ter visto esse filme no mesmo ano que vi pela primeira vez também o ainda mais melancólico OS DESAJUSTADOS (1961), que também traz Marilyn Monroe no elenco, agora uma estrela consolidada, mas, infelizmente, prestes a deixar este mundo pouco tempo depois das filmagens.

Huston, depois de ter criado o que talvez tenha sido a base do que se passou a chamar film noir com RELÍQUIA MACABRA (1941), aqui ele cria a base para os heist movies, os filmes de roubo previamente planejados, arquitetados. Devido à cadência mais lenta do estilo de Huston, eu até fiquei surpreso com o quanto se inicia até que rapidamente a cena do roubo à joalheria. Que é uma cena muito empolgante e cheia de suspense, em que nos vemos torcendo pelos ladrões, já que são eles os pobres coitados desesperados por uma chance na vida. Talvez seja difícil sentir dó apenas do aristocrata falido que contrata, por assim dizer, os serviços, mas não dos demais. Isso porque o aristocrata é um sujeito que usa de má fé com os colegas e não tem uma moralidade íntegra como os demais.

E que cena mais linda e mais triste, a da despedida de Sterling Hayden em cena, hein. Que plano magnífico! Acontece algo ali que faz com que o filme saia do ambiente urbano e entre no rural, que simboliza uma espécie de paraíso, de fuga da “selva de asfalto” do título original. Essa cena ganha uma conotação espiritual, em especial com os movimentos de câmera e com o distanciamento que essa mesma câmera dá de seu corpo. Huston mais uma vez se mostra um artista que se solidariza com os perdedores, com os marginalizados, com os espíritos que caíram, mas que ainda lutam contra os obstáculos imensos para atingirem seus objetivos, para alcançarem seus sonhos.

Nesse sentido, os personagens que mais amamos são os de Sterling Hayden, que faz o papel de Dix Handley, um brutamontes de bom coração que sonha voltar para o campo, logo depois que conseguir um serviço bom o suficiente para que ele saia desse círculo vicioso de precisar fazer pequenos bicos e ainda dever à máfia; e o de Jean Hagan, que faz Doll, a mulher de coração partido e sem ter onde morar que vai parar no apartamento de Dix. As cenas em que os dois personagens conversam ou estão juntos são particularmente devastadoras, em especial as cenas de fuga, quando ela se revela disposta a ser também procurada pela polícia para ficar com ele.

A trilha sonora é outra belezura, a cargo de Miklós Rózsa, que já havia trabalhado no fundamental PACTO DE SANGUE, de Billy Wilder. Quanto a Marilyn Monroe, seu papel é bem pequeno, mas já antecipa o que ela faria a seguir, com muita sensibilidade, inclusive na parceria futura com Huston  na pedrada que é OS DESAJUSTADOS. Ainda assim, seu papel também é brilhante. A cena que ela é encurralada pela polícia ajuda e muito a perceber o quanto ali estava uma grande estrela.

Vale destacar também a fotografia de Harold Rosson, que foge um bocado ao estilo comumente adotado nos noirs da época, com muita utilização de sombras e muita estilização. Rosson e Huston optam por um estilo mais cru, mais realista, o que ajuda a conferir um pouco mais de intensidade dramática à obra, uma vez que não estamos ficando deslumbrados com algum jogo de sombras. O que não quer dizer que Huston também não impressione na direção, em especial no uso dos close-ups, que conferem mais urgência ao drama desses personagens. Sobre Rosson, é bom lembrar que ele é um diretor de fotografia de filmes tão distintos quanto CANTANDO NA CHUVA e EL DORADO.

Na trama de O SEGREDO DAS JOIAS, Sam Jaffe interpreta um velho especialista em grandes assaltos, que conseguiu a liberdade depois de um tempo atrás das grades. Sua primeira ação é consultar uma pessoa que possa financiar seu próximo trabalho: um roubo a uma joalheria. Para isso, ele precisará de certo capital, mas também de alguém especialista em cofres, um homem forte para o caso de enfrentar a polícia e um motorista, além de um sujeito que forneça o dinheiro necessário. O filme valoriza cada um desses atores da ação. Os atores-personagens da ação e os atores em si – suas interpretações. E Huston faz isso abrindo mão de um elenco estelar. Não há nenhum ator de fato de primeiro escalão nessa sua obra, e foi sua escolha. E não é porque é um filme B: Huston já havia trabalhado com astros classe A, como Humphrey Bogart, Bette Davis, Edward G. Robinson, Jennifer Jones e Lauren Bacall. Ele escolhe seus atores não por seu currículo em grandes produções, mas por eles se encaixarem nos personagens do romance de W.R. Burnett, mesmo autor do livro que seria traduzido no cinema em SEU ÚLTIMO REFÚGIO, de Raoul Walsh. 

Filme visto no box em BluRay Clássicos Noir.

+ TRÊS FILMES

LADRÕES (Caught Stealing)

É interessante ver Darren Aronofsky fazendo um filme menos pretensioso na temática, já que é um diretor que gosta de abordar, com frequência, diferentes tipos de religiosidade, mas sem deixar de lado sua solidariedade a pessoas vivendo infernos pessoais. Foi assim com RÉQUIEM PARA UM SONHO (2000), com O LUTADOR (2008) e mais recentemente com A BALEIA (2022). Em LADRÕES (2025), ele até busca um tipo de humor que torna as desventuras do personagem de Austin Butler um pouco mais leves. Butler é um homem que trabalha como barman, e que vive a frustração de não poder ser um jogador de beisebol profissional por causa de um traumático acidente na juventude. Certo dia, ao tomar conta do gato do apartamento vizinho, apanha feio de um grupo de criminosos, e isso vai mudar sua vida, uma vida que até então tinha como prioridade as campanhas de seu time de beisebol do coração. Aronofsky constrói aqui um personagem cativante e outros personagens secundários igualmente bons, como é o caso do interesse amoroso do herói, a jovem vivida por Zöe Kravitz. Mas o que salta aos olhos deste filme é sua dinâmica narrativa, sua montagem e o quanto um roteiro de certa forma simples, mesmo com os plot twists, ganha força com a condução. Gosto muito da última cena do herói, bem representativa da mudança que se opera em sua vida e de seu crescimento pessoal depois de tanto sofrimento, tantas perdas. No mais, adorei a trilha sonora anos 90.

OS ENFORCADOS

Um tempo atrás estreou um filme que muita gente resolveu jogar pedras, A FLORESTA QUE SE MOVE, de Vinícius Coimbra, baseado na tragédia Macbeth, de Shakespeare. Eu achei bem interessante e talvez até mais do que este trabalho de um outro diretor com Coimbra no sobrenome, o homem por trás do ótimo O LOBO ATRÁS DA PORTA (2013). Em OS ENFORCADOS (2024) ele repete a parceria bem-sucedida com Leandra Leal e muda um bocado o registro: sai o realismo mais cru e violento e entra um outro tipo de violência, igualmente grotesca, mas com um toque de humor mórbido, como que para suavizar um pouco para o espectador. Além do mais, Coimbra usa diversas referências, do corpo preso numa parede de um conto de Poe a um banho de sangue de filmes como os de Brian De Palma e horror europeu. Talvez o que eu mais tenha gostado foram as cenas interiores de Leandra Leal andando pela casa reformada e com ares de assombração, com imagens que remetem aos filmes noir americanos clássicos. Já Irandhir Santos, é o homem que herda a fortuna do tio por meios nada recomendáveis. Assim como a própria peça shakespeariana e tantos outros filmes que tratam de matar para obter dinheiro ou poder, OS ENFORCADOS é um conto moral, que às vezes funciona muito bem, mas que carece de mais personalidade. Irandhir Santos está gigante na cena em que demonstra sua psicopatia na quadra da escola de samba, logo após a confirmação da morte do tio (por ele, a partir da ideia de sua Lady Macbeth, Regina). 

MILÃO CALIBRE 9 (Milano Calibro 9)

Nos extras do box Eurocrime, da Versátil, ao ver Fernando Di Leo falando sobre a influência do filme noir para os poliziotteschi, e mais precisamente para seus filmes, só então, quando repensei a estrutura de MILÃO CALIBRE 9 (1972), vi que realmente tem tudo a ver. E não só pela femme fatale (aqui vivida por Barbara Bouchet), mas pela figura do herói solitário, que no caso é também um criminoso (o parrudo Gastone Moschin). Ele é Ugo, um homem recém-saído da prisão, depois de uma estadia de três anos, após um assalto a banco. Todos acreditam que ele esconde 300 mil dólares, tanto a polícia quanto a máfia para quem ele trabalhava, mas ele nega de forma bem convincente. O que se destaca de diferente neste filme, se compararmos com os policiais americanos, mesmo os da década de 70, é o grau de violência, que não se apresenta apenas nas ações de seus personagens, como num PERSEGUIÇÃO IMPLACÁVEL, por exemplo, mas na própria poética, na própria maneira de usar a câmera, nos cortes, na sonoplastia, nos closes. O murro que é desferido contra a câmera, é como se o próprio espectador sentisse a agressão. Ainda assim, quando penso no nome de Fernando Di Leo, o que ainda vou recordar com mais intensidade, carinho e terror é de VINTE ANOS (1978), seu trabalho marcante com Gloria Guida e Lilli Carati.