domingo, maio 04, 2025

PROIBIDO! (Verboten!)



“At the most basic level, Fuller’s films revolve around the themes of war and marriage, reciprocity of hate and reciprocity of love”.
Peter Wollen em
Samuel Fuller (editado por David Will e Peter Wollen)

Curioso que só agora, lendo esse trecho acima do livro-ensaio de Wollen sobre Samuel Fuller, que comecei a perceber o quanto o casamento também é um tema caro ao cineasta. No caso de PROIBIDO! (1959), isso fica mais evidente. Afinal, a trama é sobre um soldado americano que, durante um tiroteio na Alemanha ainda não vencida pelos aliados, se abriga numa casa e é salvo por uma mulher alemã, por quem se apaixona e deseja se casar, apesar de todo o tabu existente entre relacionamentos entre americanos e alemães na época. A opinião geral é que todo alemão seria necessariamente um nazista. Outros filmes de Fuller que tratam do casamento de forma mais explícita: O BARÃO AVENTUREIRO (1950), CASA DE BAMBU (1955), NO UMBRAL DA CHINA (1957) e RENEGANDO O MEU SANGUE (1957).

O que chama a atenção logo de cara em PROIBIDO! é que se trata de um filme de guerra de Fuller que se passa na guerra que ele próprio lutou, a Segunda Guerra: em seus trabalhos de guerra anteriores, ele optou por lidar com outros conflitos, como a Guerra da Coreia (CAPACETE DE AÇO e BAIONETAS CALADAS, 1951), da Indochina (NO UMBRAL DA CHINA), a guerra fria dentro de um submarino (TORMENTA SOB OS MARES, 1954) ou a situação de um país dominado por outro no pós-guerra, retratado no excelente CASA DE BAMBU (1955).

Assim, temos agora Fuller, que por mais que tenha feito muitos filmes de guerra era contrário à política armamentista americana e considerava a guerra uma espécie de insanidade organizada, falando sobre um tema que o distanciaria um pouco das acusações de ser um fascista. A história se passa nos dias finais da guerra, e depois no período de ocupação americana na Alemanha, quando líderes da resistência nazista ainda tentaram fazer um grupo para incitar um novo levante, a organização Werwolf. De certa forma, acaba sendo mais confortável para Fuller lidar com essa relação entre americanos e alemães do que lidar com o comunismo ou com a simpatia a um soldado confederado, como é o caso de RENEGANDO MEU SANGUE.

A primeira trama de PROIBIDO! gira em torno do relacionamento entre um soldado (e depois ex-soldado) americano com uma mulher alemã, o que era algo considerado "verboten", ou seja, proibido. Para os americanos, aquela mulher só queria se aproveitar das boas condições do jovem americano, não seria um relacionamento nascido do amor. E em determinado momento também passamos a pensar assim também, o que é curioso pois tira o filme de uma aparente simplicidade de abordar uma paixão proibida. Tanto que depois essa questão é deixada de lado na segunda metade do filme, mais focada na política e nesse grupo de neonazistas.

Gosto de como Fuller utiliza cenas reais enxertadas em seu filme, dando tanto um ar de realismo e um tom documental, quanto deixa claro a produção modesta do filme, já que Fuller havia deixado a Fox e também age como produtor aqui. PROIBIDO! é menos virtuoso do que DRAGÕES DA VIOLÊNCIA (1957), seu trabalho anterior, mas tem uma cara muito própria. Além do mais, PROIBIDO! é um dos primeiros filmes a tratar do Julgamento de Nuremberg, inclusive trazendo imagens de arquivo do próprio julgamento e dos campos de concentração nazistas.

+ TRÊS FILMES

ANTÔNIO BANDEIRA – O POETA DAS CORES

Um caso de filme que adota uma estrutura tradicional de documentário e que por isso fica refém de seu conteúdo. E acaba fazendo com que gostar ou não dependa de nosso interesse por artes plásticas, pela história do artista ou até mesmo pelo contexto histórico em que seu drama acontece. Eu não conhecia Antonio Bandeira de ouvir falar; muito por minha ignorância em pintura, e por isso o filme preenche uma boa lacuna. Mas ANTÔNIO BANDEIRA – O POETA DAS CORES (2024), de Joe Pimentel, chega a incomodar um pouco o excesso de tom laudatório em torno do artista, como se fosse um vídeo institucional. Gosto das partes em que vemos (ouvimos, melhor dizendo) sobre sua chegada na França do imediato pós-guerra, assim como acho curioso seu trabalho artístico, ainda que não tenha simpatizado muito com os textos do artista, talvez por serem muito conscientes de sua grandeza.

SEM CHÃO (No Other Land)

Eu diria que SEM CHÃO (2024), do coletivo formado por Yuval Abraham, Basel Adra e Hamdan Ballal, é mais um filme necessário do que exatamente bom em seus aspectos formais e artísticos. E é necessário não apenas por mostrar as atrocidades que o Estado genocida de Israel faz com o povo palestino, mas por trazer visibilidade quando há tão pouca. Não adianta os telejornais falarem de guerra quando o que existe nem é uma guerra, mas um extermínio cruel. O filme vencedor do Oscar de melhor documentário (e isso sim foi bom para dar visibilidade ao trabalho) nem chegou a mostrar o horror dos últimos anos em Gaza, já que o que é apresentado é de filmagens até 2023 e em um território de nome Masafer Yatta, que consiste num habitado (ou que era habitado) por vilarejos palestinos. Ao lado deles, alguns colonos israelenses do outro lado de uma cerca, vendo e depois "participando" do massacre de famílias, que são primeiro desprovidas de casa e depois de outras necessidades básicas. SEM CHÃO pode até não mudar a realidade do que está acontecendo, mas pode ajudar a somar ao tanto de indignação que já existe diante de tanta desumanidade.

AS CORES E AMORES DE LORE

Acho que os momentos que mais me interessaram em AS CORES E AMORES DE LORE (2024) foram aqueles em que a pintora Eleonore Koch, em entrevista ao diretor Jorge Bodanzky, busca, como numa sessão de terapia, encontrar respostas nem sempre fáceis para as perguntas, como por exemplo, a escolha por não ter casado ou suas confidências sobre os amores da juventude ou da vida anterior à velhice. Gostei mais da vida do que da arte, a pintura em si, embora ter explorado esse aspecto também seja fundamental, já que a pintura foi a razão de viver da mulher. Também gosto de como Bodanzky faz um cruzamento da vida de Koch com a vida de sua mãe, que foram contemporâneas e viveram na Alemanha, sendo que ambas tiveram que fugir e se exilar no Brasil por causa da caça aos judeus pelos nazistas. É um filme que parece incompleto, que demorou tanto a ser feito que é como uma pintura cujo artista resolve finalizar depois de muito olhar para ela, muito mexer nela. O que não quer dizer que não tenha um bom epílogo.