domingo, maio 28, 2023

AMOR E MORTE (Love & Death)



Atualmente ando evitando séries e minisséries. Não por falta de coisas muito boas disponíveis nos streamings, mas por falta de tempo mesmo, e por querer privilegiar os filmes no escasso tempo disponível. Mas a circunstância na semana passada de estar em casa adoentado e de atestado me trouxe para esta minissérie que já estava namorando há algumas semanas, talvez pela presença da sempre linda e expressiva Elizabeth Olsen, talvez por ter gostado dos últimos trabalhos do criador e roteirista David E. Kelley, talvez por acreditar no potencial da HBO em seu histórico de séries de sucesso e de qualidade ao longo de algumas décadas. Assim, cheguei a AMOR E MORTE (2023), esta série de crime que começa destacando inicialmente o affair entre duas pessoas casadas de uma igreja metodista de uma pequena cidade americana, a pequena Wylie, no Texas.

Foi lá que aconteceu um crime que abalou as estruturas da sociedade americana: uma aparentemente pacata jovem mulher matou com 41 golpes de machado uma de suas amigas. O que motivou isso? Candy Montgomery, vivida aqui por Olsen, ainda é a única pessoa a saber exatamente o que aconteceu naquela tarde de 13 de julho de 1980, quando foi a única a sair viva da casa. Como a minissérie de Kelley nos conta a história pelo ponto de vista dela, principalmente, é natural que estejamos diante de sua versão dos fatos e da compreensão do que ela considerou como sendo um ato de legítima defesa. O mesmo caso foi recentemente contado por outra minissérie, chamada CANDY, do canal Hulu, e estrelada por Jessica Biel, o que só revela o quanto essa história ainda ressoa e fascina a muitos.

Um dos grandes méritos de AMOR E MORTE é saber aproveitar os seus momentos. Se os primeiros episódios focam na relação extraconjugal entre Candy e Allan Gore (Jesse Plemons), é sobre esse aspecto que ela nos deixa intrigados e interessados. E de certa forma, a relação dos dois faz parecer um pouco um crime os encontros na hora do almoço para transarem e conversarem como bons amigos. Vemos que partiu de Candy a ideia de um caso. Allan era um sujeito muito correto e simples e nunca nem tinha beijado de língua na vida, o que me chamou atenção em determinado momento da intimidade dos dois, no primeiro encontro para o sexo à tarde. A relação deles começa a se solidificar, mas ambos haviam se comprometido a se distanciar se começasse a surgir algo parecido com amor, algo que pudesse magoar seus cônjuges ou comprometer seus casamentos.

Os papéis dos cônjuges cabem a Patrick Fugit, que faz o marido de Candy, Pat, um homem um pouco relapso e que adora ver programas bobos de televisão, para tristeza da esposa; e Lily Rabe, que faz Betty Gore, a esposa às vezes irritadiça de Allan, que costuma ficar enciumada ou chateada quando o marido faz viagens a trabalho. Ambos os atores defendem muito bem seus papéis, principalmente Fugit, e principalmente quando o personagem descobre a traição da esposa.

O começo de AMOR E MORTE me fez lembrar BIG LITTLE LIES (2017-2019), com o crime antecipado num mini-prólogo, acontecido cerca de dois anos depois da história que passará a ser contada, em 1978. Kelley é ótimo na criação de diálogos e em trazer certa naturalidade para a história. Além do mais, há aqui uma recriação muito bonita dos anos 1970, nos carros, nas roupas, nos comportamentos, e até na paleta de cores, que muitas vezes remete ao cinema e à televisão produzidos na época. E há também um dos pontos muito fortes de Kelley, que é o drama de tribunal, bastante valorizado nos episódios finais.

Um dos melhores episódios é o quarto, quando acontece o crime e quando ficamos um pouco perdidos, já que não vemos em detalhes o que aconteceu. É um episódio de muita tensão e com toques hitchcockianos, já que de certa forma torcemos para que a personagem de Olsen consiga se livrar daquela situação desesperadora. Vê-la tentando apagar o ocorrido, comprando cartões do dia dos pais com as crianças e depois saindo para o cinema com elas, é angustiante. Assim como é angustiante o desespero do personagem de Plemons, sem saber, e depois sabendo o que aconteceu com a esposa. Plemons tem a capacidade rara de usar poucas palavras e conseguir transmitir muita coisa com gestos e olhares. E seu personagem tem um quê de hombridade admirável, apesar das circunstâncias e do caso extraconjugal. Como apreciadores de cinema, nos acostumamos a ser pessoas compreensivas com as fraquezas humanas.

Antes de encerrar o texto, quero destacar a excelente performance de Tom Pelphrey, como o advogado de defesa de Candy. Sua participação começa de maneira mais forte depois do crime chocante, e o personagem é rico o suficiente para que o ator consiga desenvolver suas características e sua vontade de ganhar o jogo, mesmo que tenha que agir de maneira pouco nobre. Enfim: eis uma história tão fascinante que merece mesmo a atenção e o carinho do público e de quem se dispõe a trazê-la de volta à tona.

+ TRÊS FILMES

OS FILHOS DOS OUTROS (Les Enfants des Autres)

Talvez OS FILHOS DOS OUTROS (2022), de Rebecca Zlotowski, seja um filme melhor compreendido pelas mulheres, pois trata do desejo da maternidade. E por isso nada melhor do que ser escrito e dirigido por uma. Na trama, Virginie Efira é uma mulher de meia idade que sabe que seu tempo para ficar grávida está se esgotando. Ela namora um homem (Roschdy Zem) que está separado e tem uma filha de cinco anos e se apega bastante a ele e à menina, embora sofra a cada vez que se sente uma intrusa. Gosto de como o filme é todo narrado pelo olhar da personagem de Efira. É ela quem mais importa e talvez por isso o personagem do namorado não seja pintado de maneira tão carinhosa. O fato de ela ser uma professora do ensino médio faz a diferença no modo como ela lida com os mais jovens e é essencial para a sequência final agridoce. Efira confere ao mesmo tempo força e fragilidade a cada vez que está entre quatro paredes, seja só, seja com um homem, como se estivesse no auge de sua vitalidade física, de sua compreensão de vida e de sua feminilidade. De propósito, a atriz aparece sem maquiagem (ou com uma maquiagem que destaca suas marcas de expressão) e isso faz parte da beleza da composição. OS FILHOS DOS OUTROS compôs a programação do Festival Filmelier.

A GAROTA RADIANTE (Une Jeune Fille Qui Va Bien)

O grande trunfo deste primeiro longa-metragem da atriz Sandrine Kiberlain é sua protagonista, Irène, vivida por Rebecca Marder. Até fui checar a filmografia da jovem para saber se já a tinha visto em outros trabalhos e vi alguns, sim, mas não em papéis principais ou muito marcantes, creio eu. Já vi compararem seu papel ao Antoine Doinel de François Truffaut, pela alegria contagiante, mas diria que Irène é mais solar ainda. Afinal, ela vive em plena ocupação nazista na França, em 1943, sendo ela uma judia, num momento em que os judeus estavam sendo privados das possibilidades de se comunicarem e de viverem em sociedade. Em A GAROTA RADIANTE (2021), Irène só tem tempo para se preocupar com sua vida amorosa, e o caso mais bem-sucedido é com o assistente de um médico, um personagem simpático, que combina com a graça da moça. E há as pessoas ao redor da protagonista, principalmente os membros de sua família, que ganham destaque e são bem desenvolvidos o suficiente, por mais que não se expressem de maneira tão explícita. A opção de Kiberlain por uma narrativa que foge com frequência de um cinema mais comercial e com um uso de canções mais modernas na trilha, para destacar a presença da jovem diante daquele momento sombrio, confirmam o fato de o filme estar entre os melhores lançamentos do ano até o momento.

CLOSE

Os filmes batem na gente de maneira muito distinta e acho que um dos problemas que eu tive com CLOSE (2022) foi que, nas cenas mais emotivas, eu não me emocionava - ou não o suficiente, talvez. Por outro lado, em cenas de ação do cotidiano, a lembrança da situação dramática apresentada me trazia mais reflexões e, em consequência, mais emoções. Um dos pontos altos do filme para mim, além do excelente trabalho das crianças, está na maneira como o diretor Lukas Dhont nos faz pensar em relações num plano quase espiritual, como é o caso da relação de amizade entre os dois meninos, só abalada por causa de insinuações dos colegas de escola. É bom ver também o quanto a formação na escola é essencial e delicada para a educação e a visão de mundo de um ser humano. O filme me lembrou os irmãos Dardenne, em especial nos momentos de maior proximidade da câmera com o protagonista, e lá no final me pareceu querer homenagear OS INCOMPREENDIDOS, de François Truffaut, trazendo de volta o vazio, a solidão e um peso da existência, sendo que agora temos uma criança que vai conviver com uma culpa, o que não deixa de ser muito cruel de se pensar.

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