quinta-feira, fevereiro 03, 2022

OS GRANDES VULCÕES



Um dos maiores prazeres que tive neste mês de janeiro deste ano que inicia foi/tem sido a Mostra Retroexpectativa do Cinema do Dragão (que continua neste início de fevereiro). Não tenho palavras para expressar a minha gratidão a Pedro Azevedo, o curador, ao Governo do Estado, que tem possibilitado financiamento ao projeto, e a todos os envolvidos. Como se já não bastasse dispor da melhor programação de cinema da cidade de Fortaleza e qualidade de imagem e som impecáveis, o Cinema do Dragão ainda traz surpresas dentro dessa mostra.

Entre essas surpresas, quem diria que algo tão próximo de uma experiência que funcionaria mais em um teatro me agrasse tanto, me empolgasse tanto. OS GRANDE VULCÕES (2021), de Thiago B. Mendonça (direção do vídeo e edição) e Fernando Kinas (direção geral, roteiro e pesquisa musical), é dessas obras que impressionam por diversos aspectos. Antes de mais nada, há a performance genial de Fernanda Azevedo. Ela comanda o monólogo/palestra/interpretação de forma brilhante. Admiramos seu talento ao mesmo tempo em que ouvimos e prestamos atenção ao que é dito: em grande parte, o discurso do escritor inglês Harold Pinter, quando recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 2005.

Seu discurso é intitulado “Arte, Verdade e Política” e tece fortes críticas aos Estados Unidos e a seu parceiro, o Reino Unido. Os americanos, após a Segunda Guerra Mundial, e principalmente após a queda do muro de Berlim e dos fins de regimes comunistas em diversos países da Europa, se fantasiou de grande mocinho do mundo civilizado enquanto atacava de maneira muito sutil muitos países. Inclusive o nosso, o Brasil, já que a ditadura civil-militar que durou 21 anos foi patrocinada pelos americanos.

Este filme/discurso nos incita a nos indignarmos com a política descarada do governo dos Estados Unidos em seu processo de dominação cultural e genocídio mundial, especialmente de países que são quase invisibilizados por serem tão pobres ou tão desgraçados por guerras internas ou religiosas. O maior exemplo que Pinter dá talvez seja o caso do Iraque, que foi atacado após o 11 de setembro com a desculpa de que estaria de posse de armas de destruição em massa.

Há um senso de humor muito particular na atuação de Azevedo, assim como é afiado o discurso de Pìnter. Como o documentário utiliza imagens de longas-metragens (muitos brasileiros, como OS CAFAJESTES, FILME DEMÊNCIA e O HOMEM DO SPUTNIK), de arquivos jornalísticos e também canções (destaque para "Comentários a Respeito de John", de Belchior, em momento arrepiante), acaba sendo muito mais do que um teatro filmado ou uma experiência a ser vivenciada em algum tipo de museu. Ao contrário, funciona como cinema muito bem.

Outra coisa muito curiosa é que o discurso de Pinter, que é de 2005, se mostra atualizado ainda mais nos dias de hoje, em tempos de pós-verdade, e é atualizado inclusive nas fotos grandes que Fernanda Azevedo expõe, como as de Jair Bolsonaro e do general Augusto Heleno. Tristemente, a crítica de Pinton, para nós brasileiros, se apresenta ainda mais feroz e digna de atenção.

Torço para que um dia este filme entre em cartaz comercialmente, pois quero vê-lo novamente. OS GRANDES VULCÕES merece ser visto pela maior quantidade de pessoas possível, merece ser apresentado em escolas e universidades. E servirá para despertar a raiva, inclusive, dos lambe-botas do governo norte-americano, como é o caso deste atual desgoverno brasileiro.

+ DOIS FILMES

O DIA DA POSSE

Um filme confortável em um momento desconfortável do Brasil e do mundo este O DIA DA POSSE (2021). Allan Ribeiro, que sempre faz umas experiências muito interessantes, aqui se permite usar sua criatividade para fazer um filme durante a pandemia com seu amigo Brendo Washington. Ele sabe que tem um personagem interessante e os assuntos abordados também são interessantes, embora não necessariamente profundos. Ao que parece, Ribeiro tem a intenção de documentar tanto as aspirações do amigo quanto suas rápidas conversas pelo celular com a família num momento em que os números de vítimas da covid-19 registravam cerca de mil mortes por dia.

ESTAMOS TE ESPERANDO EM CASA

Um filme que tem menos de uma hora de duração, mas que certamente ativa muitos gatilhos emocionais para quase todo mundo. Em ESTAMOS TE ESPERANDO EM CASA (2021), de Cecília da Fonte e Marcelo Pedroso, vemos imagens colhidas na primeira onda da covid-19, em 2020, e a personagem principal, por assim dizer, é irmã de um dos diretores, a terapeuta ocupacional Poliana, que tem o trabalho de entrar em contato pelo celular com os familiares de pessoas que estão na UTI, muitas delas às portas da morte; outras, conseguindo se recuperar. A maioria das imagens é feita pela câmera de celular, exceto as que apresentam a intimidade de Poliana, casada com um professor e mantendo contando à distância com os pais, idosos. É triste voltar no tempo, aos tempos de lockdown, mas é mais triste lembrar dos nossos amigos queridos que se foram pela doença, que ainda não acabou, que segue na terceira onda, na verdade.

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