sábado, agosto 28, 2021

A FÚRIA (The Fury)



Seguindo a peregrinação pelo cinema de Brian De Palma, chego a esta espécie de continuação espiritual de CARRIE, A ESTRANHA (1976). A FÚRIA (1978) também lida com personagens com capacidades paranormais sendo vistos como monstros dentro do universo em que vivem. Na verdade, aqui eles são vistos mais como armas poderosas e perigosas em tempos de guerra fria. Amy Irving sai de CARRIE para este filme como uma das personagens com esse tipo de poder. No caso, ela consegue visualizar a mente das pessoas e até fazê-las sangrar.

Mas o filme se inicia em tom de thriller de espionagem com uma ótima cena de ação com a presença do veterano Kirk Douglas ainda em forma e de um John Cassavetes mais uma vez interpretando um vilão (funcionou muito bem em O BEBÊ DE ROSEMARY, de Polanski). Há alguns problemas de ritmo no filme e talvez a ambição da produção e a falta de mais cuidado no roteiro tenham prejudicado um pouco o resultado final. Ainda assim, De Palma imprime sua marca e nos oferece alguns ótimos momentos. No mais, é curioso como nos anos 1970 havia um forte interesse pela paranormalidade.

O filme, embora mal visto pelo próprio diretor, funcionou muito bem como uma forma dele praticar o entrecruzamento de histórias. Ao contrário de CARRIE, que é mais linear e se passa em apenas um espaço, uma escola de uma cidadedinha e seus habitantes, aqui temos um filme que já começa em um outro país, com um agente secreto do governo americano chamado Peter (Kirk Douglas), passando as férias com seu filho adolescente Robin (Andrew Stevens) em um resort no Oriente Médio. Presente também está o suposto amigo de Peter, Childress (Cassavetes), que se revelaria um sujeito disposto a matar Peter e a capturar Robin para usar sua capacidade de telecinese em um projeto secreto.

O entrelamento de histórias se dá quando o filme passa a nos apresentar a Gillian (Irving), uma jovem atormentada por seus próprios poderes. A presença de Gillian é o que mais aproxima o filme de CARRIE, até por ser seu aspecto mais feminino, por assim dizer. Novamente há o sangue, tão presente no filme anterior de De Palma, bem como a citação à menstruação.

A FÚRIA passa a impressão de ser uma obra mais convencional, do ponto de vista do tom, se comparado com CARRIE mas também com as outras obras, com algum apelo para a comédia. Os momentos de humor aparecem mais em algumas cenas com o personagem de Douglas, como quando ele foge de seus algozes usando apenas um calção, invadindo um apartamento e levando umas roupas frouxas “emprestadas”. Em seguida há uma divertida cena de perseguição de carros.

Um dos pontos fracos do filme é a interpretação de Andrew Stevens. O rapaz é bem ruim e chega a incomodar sempre que entra em cena. Isso é potencializado nos instantes finais, quando Robin, envenenado psicologicamente por Childress, e enlouquecido por uma espécie de síndrome de deus, passa a mostrar seu poder de levitação e de destruição em pessoas. Destaque para a cena em que ele mata a mulher com quem estava dormindo por ciúme, rodopiando-a em pleno ar, tão rapidamente que seu corpo é dilacerado. A ideia é boa e a cena poderia ser assustadora se melhor executada e com um intérprete mais talentoso.

Falando em ator talentoso, impressionante como Cassavetes está bem como o grande vilão da história, por mais que apareça pouco. Seu olhar transmite um ar de malignidade suficiente para trazer uns pontos positivos para o filme. A cena final, um tanto brusca, dele sofrendo a vingança de Gillian, não deixa de ser memorável, além de antecessora de SCANNERS – SUA MENTE PODE DESTRUIR, de David Cronenberg.

Do ponto de vista da vida privada de De Palma, o filme traz a questão do inveja do irmão. Em A FÚRIA, Robin tem ciúme de Gillian, a moça que apareceria e, muito provavelmente, o substituiria. Esse interesse do diretor pelos perigos do orgulho e do excesso de competitividade vem de seu relacionamento com os irmãos Bruce e Bart. Da sua família, Bruce era o dotado de inteligência, de ter uma mente extraordinária para a ciência, e Brian se sentia isolado pelos pais por não conseguir acompanhá-lo.

A FÚRIA veio de um sucesso gigante de CARRIE e acabou desapontando as expectativas. Custou bem mais e rendeu cerca de um terço do filme anterior. Talvez tenha sido por causa de um boca a boca negativo ou mesmo porque as pessoas esperavam algo mais próximo do terror adolescente de CARRIE e não uma trama de espionagem com elementos fantásticos.

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