terça-feira, abril 20, 2021
LAÇOS DE TERNURA (Terms of Endearment)
E vamos falar de filme de Oscar. Não do Oscar deste ano. O ano está triste e os indicados, por mais que sejam bons, não me entusiasmam, em sua maioria. Talvez seja uma relação que criei com o estado das coisas, não sei. Por isso, foi muito bom rever nesse sábado passado LAÇOS DE TERNURA (1983), de James L. Brooks, o grande vencedor do Oscar 84, faturando os prêmios de melhor filme, melhor direção, melhor atriz (Shirley MacLaine), melhor ator coadjuvante (Jack Nicholson) e melhor roteiro, escrito também por Brooks, adaptado do romance homônimo de Larry McMurtry.
Na época que o vi pela primeira vez, na televisão - não lembro ao certo o ano, talvez tenha sido no fim dos anos 1980 - a cena mais dramática do filme me arrancou muitas lágrimas. E não foi diferente desta vez. Curiosamente, Brooks, que atualmente tem se dedicado mais a roteirizar os episódios de OS SIMPSONS, foi diminuindo a carga sentimental dos seus trabalhos seguintes na direção, e se concentrando mais na comédia e nas histórias de amor, que são aspectos que ele sabe lidar muito bem.
Já em LAÇOS DE TERNURA, o seu primeiro e mais bem-sucedido filme do ponto de vista das premiações - ainda que MELHOR É IMPOSSÍVEL (1997) quase tenha chegado lá -, ele mostrou ter uma mão muito boa para contar sua história com fluidez e leveza. Tanto que a relação muitas vezes complicada entre mãe (Shirley MacLaine) e filha (Debra Winger) é vista mais com bom humor do que com mal estar - é totalmente o oposto, por exemplo, de um SONATA DE OUTONO, do Bergman, que mete o dedo na ferida das relações humanas cercadas de traumas.
No caso de Emma (Winger) e Aurora (MacLaine), elas nutrem um tipo de relação bastante afetuosa. A mãe é claramente muito apegada à filha. Desde Emma criança, Aurora queria ficar próxima dela, tinha medo de perdê-la, seja no berço, achando que a criança poderia estar morta e não dormindo, seja na infância, quando a mãe fazia questão de dormir na cama da filha. Por isso, a decisão de Emma de se casar não foi facilmente aceita por Aurora, que tenta dizer para a filha de que o rapaz, Flap (Jeff Daniels), não é a melhor escolha.
E talvez a mãe tivesse razão, embora o filme não vilanize o personagem do marido de Emma, que parece só um pouco bobo e facilmente levado a cometer deslizes no casamento, como ter um caso com alguém da escola onde trabalha. A narrativa vai apresentando um tempo que passa rapidamente, com Emma tendo três filhos e não se preocupando em exercer outra atividade além de mãe e esposa. Esse passar rapidamente do tempo não interfere na condução narrativa, não fica aquela impressão de roteiro correndo para poder dar conta de um romance adaptado. Por incrível que pareça, conseguimos nos apegar e a perceber certos detalhes importantes, como a maneira diferente com que os filhos pequenos de Emma a veem. Inclusive, isso é um ponto crucial para a cena mais emotiva do filme, a conversa dela com os garotos na cama do hospital.
Mas há algo que foi um impulso muito forte para que eu quisesse rever o filme, além de querer me emocionar novamente: a presença radiante de Debra Winger. A atriz era um caso raro na época de estrela que conseguia equilibrar um encanto e beleza com algo muito próximo de uma naturalidade de pessoa comum. Ao que parece houve atrito entre ela e MacLaine durante as filmagens, mas nem fui atrás disso, pois o que importa é o quanto ficou presente do lado de cá da tela. E o que ficou presente foi uma das representações mais bonitas de amor entre mãe e filha, sem nunca deixar de lado o que há de complicado na relação. Assim, a cena das duas deitadas na cama falando sobre o novo amor da mãe é lindíssima.
Muito da leveza que o filme possui e das risadas que ele provoca está na presença de Jack Nicholson, no papel do interesse amoroso de Aurora. Nicholson é Garrett, um astronauta aposentado e solteirão, vizinho de Aurora, que tem por hábito beber bastante e tentar a sorte com moças mais jovens. De alguma maneira, ela resolveu tentar a sorte com ele, e por mais difícil que o sujeito pareça, é justamente por isso que algumas situações são bem divertidas, como a cena em que Aurora o convida para ver o Renoir dela (o pequeno quadro do pintor francês que ela tem na parede do quarto).
Mas a leveza também vem de Winger, de seu sorriso contagiante, de sua espontaneidade - é bem marcante a cena da noite de núpcias em que ela está gripada, com o nariz escorrendo. Sua personagem também ganha força quando, depois de descobrir que está com câncer, vai com a amiga Patsy (Lisa Hart Carroll) passear em Nova York e descobre que ela é uma pessoa estranha àquela realidade. Também muito bonitas as cenas dela com o amante (John Lithgow, também indicado ao Oscar). Ou seja, embora Shirley MacLaine àquela altura já fosse uma gigante do cinema (atuando desde os anos 1950), a alma do filme está em Winger.
Houve uma continuação para LAÇOS DE TERNURA: Shirley MacLaine e Jack Nicholson se juntaram para contar a história de Aurora, agora criando os filhos de Emma, no fracasso de bilheteria O ENTARDECER DE UMA ESTRELA (1996), dirigido por Robert Harling. Confesso que tenho curiosidade para ver esse filme, mas imagino que não deve ter um décimo do brilho do filme de Brooks.
Agradecimentos à Paula pela companhia durante a sessão.
+ DOIS FILMES
JUDAS E O MESSIAS NEGRO (Judas and the Black Messiah)
Daria uma ótima sessão com INFILTRADO NA KLAN, de Spike Lee, embora o assunto aqui seja diverso e o protagonismo dos negros seja muito maior. É uma obra que nos apresenta ao universo dos Panteras Negras e à figura do carismático líder Fred Hampton (Daniel Kaluuya), mas também à do traidor (Lakeith Stanfield), um ladrão que aceita a proposta do FBI de ser um rato nas reuniões e nos atos do grupo revolucionário. Nesse sentido, JUDAS E O MESSIAS NEGRO (2021), de Shaka King, foca menos no líder e mais no traidor. Estamos sempre acompanhando suas ações, mas também suas angústias em efetuar certos atos. Achei Stanfield tão bom ou até melhor que Kaluuya. Precisamos de mais filmes assim, centrados na história negra. No caso desse filme, senti falta de uma maior ênfase na ideologia do grupo, que atacava o capitalismo e se identificava com o socialismo. Indicado ao Oscar nas categorias de filme, ator coadjuvante (Kaluuya), ator coadjuvante (Stanfield), canção ("Fight for You"), trilha sonora original e fotografia.
UMA NOITE EM MIAMI... (One Night in Miami...)
Belo registro de um momento de 1964 que reverbera em 2020, ano marcadamente importante também para uma nova evolução nas conquistas dos direitos dos negros nos Estados Unidos. UMA NOITE EM MIAMI... (2020) se baseia em uma peça e faz isso de maneira muito bonita e respeitosa com seus homenageados (Malcolm X, Muhammad Ali, Jim Brown e Sam Cooke) e cria conversas fictícias, mas a partir de situações verídicas e também a partir da personalidade de cada um deles. Gosto muito do ator que faz o Malcolm X (Kingsley Ben-Adir, que nem foi o indicado ao Oscar dos quatro), mas os quatro estão ótimos, a direção da Regina King é correta e o filme é cuidadoso nos belos tons de cores dos interiores. Há uma das primeiras cenas que já dá o tom do que era ser negro nos Estados Unidos naquele ano de 64, que é a cena de Jim Brown visitando a fazendo de um conhecido. Teve três indicações ao Oscar, nas categorias de ator coadjuvante (Jim Brown), roteiro adaptado e canção ("Speak now").
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