sexta-feira, junho 16, 2017

FRANTZ


Às vezes achamos que ver uma adaptação de certa obra que será refilmada pode atrapalhar um pouco sua apreciação, diminuir bastante suas surpresas, por exemplo. Felizmente, não é o que acontece com FRANTZ (2016), do prolífico François Ozon. Isso porque, mesmo depois de se ter visto recentemente NÃO MATARÁS (1932), de Ernst Lubitsch, as surpresas não param de saltar em inúmeros plot twists, ora feitos para nossa diversão, ora feito para machucar ainda mais os personagens e também a nós, espectadores.

No filme de Lubitsch, sabemos desde o início quem é o francês que está naquela cidadezinha alemã que está em luto logo após o fim da Primeira Guerra Mundial. Sabemos que ele está ali para conhecer e pedir perdão à família de Frantz, o rapaz que ele matou no front, durante a guerra. No drama de Ozon, porém, as motivações do jovem francês se constituem um mistério durante boa parte da narrativa.

Ozon, muito habilmente, manipula as expectativas do espectador, ao mesmo tempo que também brinca com subtextos homoeróticos, uma vez que há claramente uma tendência a se acreditar que Adrien (Pierre Liney) tinha algo mais do que uma amizade com Frantz, a partir de imagens em cores que surgem como possíveis flashbacks que mostram alguns bons momentos que os supostos amigos de países inimigos tiveram na França. O jogo de cores, aliás, é muito bonito, e geralmente elas surgem quando há algum momento de paz na trama.

E se não temos um patriarca tão amoroso quanto Lionel Barrymore em NÃO MATARÁS, é porque o cineasta francês opta por enfatizar ainda mais a relação dos jovens: o atormentado Adrien e a moça que casaria com Frantz, Anna (Paula Beer). Há uma cena que traz uma carga gay que torna mais complexa a relação entre Adrien e Anna: Adrien tem a ideia de tirar a roupa para nadar em um lago ali perto, durante uma caminhada com Anna. Sendo Ozon um cineasta que costuma integrar elementos queer em seus filmes com certa frequência, esse não seria o único momento em que poderíamos pensar em Adrien como um rapaz apaixonado não por Anna, mas pelo falecido Frantz.

Ozon, tendo já transitado por diversos gêneros e sabendo lidar tão bem com sentimentos e personagens mais profundos em títulos como O AMOR EM 5 TEMPOS (2004), O TEMPO QUE RESTA (2005) e O REFÚGIO (2009), mais uma vez nos coloca no lugar de uma personagem especialmente atraente. E não é Adrien, mas Anna. Afinal, é pelos olhos dela, principalmente, que vemos o filme. E é pelos olhos dela apenas que o ato final coloca este trabalho como um dos mais brilhantes e mais tocantes da carreira do cineasta francês.

O caminho que a heroína percorre na meia hora final diferencia o trabalho de Ozon completamente do filme de Lubitsch, que até se torna muito mais alegre e simples na comparação com a nova adaptação da peça de Maurice Rostand. No mais, vale deixar registrado: ouvir "A Marselhesa" cantada pelos franceses com sangue nos olhos é de arrepiar. Assim como o destino final dos atormentados personagens. Grande filme.

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