
Histórias sobre amizades masculinas existem no cinema desde muito tempo. Talvez as mais famosas da primeira fase de Hollywood sejam as contadas por Howard Hawks, especialista nisso. Depois outros diretores e outras gerações viriam a lidar com o assunto também com muito carinho. No caso de TRUMAN (2015), a história de amizade entre Julián (Ricardo Darín) e Tomás (Javier Cámara) tem como principal rival a temática da morte iminente e a consequente despedida.
E certamente por isso é que se trata de um filme que fez tanto sucesso de público, crítica e em festivais e premiações. Só no Goya, o Oscar espanhol, o novo trabalho de Cesc Gay ganhou cinco prêmios, incluindo filme, diretor, ator e ator coadjuvante, apesar de Cámara ser tão protagonista quanto Darín. O que talvez diminua um pouco o seu protagonismo seja a atuação de Darín, um gigante que eclipsa a todos sem fazer o menor esforço. Cámara funciona como o escada das cenas. O que não quer dizer que ele também não esteja muito bem.
Na trama, Tomás é um espanhol que mora no Canadá e que está em Madrid por alguns dias para visitar o amigo Julián, que se encontra muito doente. O motivo da visita é revelada aos poucos, mas logo nos minutos iniciais: Julián rejeitou continuar o tratamento de quimioterapia, já que lhe resultaria inútil, levando em consideração que o mal já havia se espalhado por todo o seu corpo. Assim, mesmo contra o que dizem os amigos e familiares, seus últimos dias serão para aproveitar o pouco que lhe resta da vida e fazer alguns preparativos para a morte, entre eles conseguir alguém para adotar o seu cão de nome Truman.
O amor de Julián pelo cachorro é comovente e há pelo menos três cenas envolvendo o animalzinho que justificam o título do filme. Mas é mesmo a relação com o melhor amigo Tomás que faz toda a diferença. Como Julián está sem dinheiro, ele acaba explorando bastante o amigo, que aceita sem fazer muita questão. É como se o filme estivesse ali nos dizendo o tempo todo que o dinheiro não tem importância diante da falta da saúde e da posterior ausência definitiva de alguém.
Um dos aspectos positivos de TRUMAN é o quanto o filme não se esforça para arrancar as lágrimas do espectador nessa temática um tanto pesada. Não que o trabalho de direção não abrace o melodrama. Mas há uma diferença muito grande entre criar uma história usando tintas mais carregadas a preferir a suave e serena despedida de Julián, com algumas cenas, certamente, com maiores intenções de causar lágrimas, como a do abraço entre pai e filho. E o diretor ainda guarda algumas cartas de grande emoção para o final, o que faz de TRUMAN um presente para muitos.
Claro que o filme só se tornou realmente grande por causa de Ricardo Darín. Mas o trabalho de direção de Gay e sua equipe técnica é também louvável. Em nenhum momento sentimos a hora passar. É como se tudo estivesse no lugar certo, na hora certa, sem nenhum excesso. Como vemos o filme pela ótima de Tomás, é como se nos tornássemos também melhores amigos desse sujeito especial que é Julián, e o seguíssemos nesse processo doloroso de encerrar a existência terrena e dar adeus às pessoas que mais importam. Não é pouco.