O giallo é um subgênero que depende um pouco do gosto adquirido para ser apreciado em sua totalidade. Não é um giallo, mas acredito que o exemplo vá servir. Certa vez, emprestei, todo entusiasmado, para um amigo do trabalho, SUSPIRIA, o incrível terror de Dario Argento, achando que ele ia ter a mesma impressão de maravilhamento que eu tive quando vi o filme pela primeira vez, e o comentário que ele fez no dia seguinte foi: “Ailton, mas que filme ruim!”. Ou seja, os filmes de gênero italianos dos anos 1970 ainda são obras muito diferentes e cujo estranhamento causa às vezes até um pouco de repúdio por parte do espectador pouco interessado em novas formas narrativas e estéticas.
Recentemente, ao pegar um dos boxes da Versátil dedicados ao giallo a fim de ver A MORTE CAMINHA À MEIA-NOITE, de Luciano Ercoli, fui checar os extras do disco 2 e havia um comentário de apresentação sobre o outro filme desse disco, OS ASSASSINOS SÓ MATAM AOS SÁBADOS (1970), o único dos quatro títulos que não havia visto do box. E o comentário do rapaz foi tão instigante que nem pensei duas vezes e dei play. As primeiras imagens com a câmera fazendo uma viagem num bonde, enquanto os créditos são apresentados na tela ao som de uma canção triste, já me ganharam. E eu sabia que estava diante de uma obra diferente do subgênero. Dizem que o filme, de certa forma, antecipa HARDCORE – NO SUBMUNDO DO SEXO, de Paul Schrader, que até hoje eu me devo ver.
Talvez por ser do mesmo ano de O PÁSSARO DAS PLUMAS DE CRISTAL, do Argento, ele não tenha surfado nas influências como tantos títulos a partir de 1971. É um poliziottesco com uma carga dramática muito forte, se diferenciando muito dos gialli autoconscientes e às vezes leves. OS ASSASSINOS SÓ MATAM AOS SÁBADOS nos apresenta ao caso de uma moça de 25 anos que é sequestrada e o pai está desesperado à sua procura, pedindo urgência na atuação da polícia. Como a moça tem a mentalidade de uma criança e é bem alta (cerca de 1,80 m), isso talvez seja um elemento que facilite o trabalho dos tiras.
O americano Frank Wolff está ótimo como o detetive de polícia responsável por investigar o crime, assumindo as rédeas do caso com muita vontade, enquanto o italiano Raff Valone é o pai desesperado. Gabriele Tinti é o assistente do policial meio cético, mas que atua com muito afinco no trabalho. O filme se destaca dos demais dramas criminais de investigação, pois a conclusão é uma pedrada. Quando a gente pensa que o filme vai ser concluído com uma tradicional explicação do que aconteceu com a garota, alguns flashbacks reveladores são apresentados de maneira psicologicamente intensa. Não sei se o filme bebeu da fonte do cinema policial americano da época, que estava numa fase bem melancólica, ou se apenas é um exemplo do espírito de seu tempo.
Fiquei curioso para conferir o trabalho seguinte de Duccio Tessari no subgênero, UMA BORBOLETA COM AS ASAS ENSANGUENTADAS (1971), até para ver se ele foi mais influenciado pelas fórmulas do giallo. Lembrando que Tessari tem mais experiência como diretor de alguns westerns spaghetti, como UMA PISTOLA PARA RINGO (1965) e RINGO NÃO DISCUTE....MATA (1965).
Filme visto no box Giallo Vol. 6.
+ DOIS FILMES
UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER (Una Lucertola con la Pelle di Donna)
Com o sucesso, inclusive internacional, dos gialli, Lucio Fulci entra de vez no filão com este cultuado UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER (1971). O filme é confuso, mas as imagens oníricas e lisérgicas são tão recompensadoras que cada minuto vale a pena. Aquela cena de Florinda Bolkan sendo perseguida pelo homem com a faca, ao som da música vibrante de Ennio Morricone, é linda demais! E o cineasta ainda aproveita para homenagear o Hitchcock de UM CORPO QUE CAI e OS PÁSSAROS. Incrível. Na trama, Bolkan é uma mulher que se vê ao mesmo tempo incomodada e fascinada com a vizinha, que vive dando festas regadas a ácido em seu apartamento, enquanto ela leva uma vida pacata - sem falar que está sendo traída pelo marido (Jean Sorel). O whudunit não é algo que me interessa tanto nos filmes, mas gostei bastante da conclusão deste. O que mais importa nos melhores trabalhos de Fulci é sua criatividade em criar imagens únicas de tal modo que elas ficam guardadas em nossa memória, mesmo que naquele cantinho reservado às lembranças dos sonhos. Filme presente no box Giallo Vol. 2.
A MORTE CAMINHA À MEIA-NOITE (La Morte Accarezza a Mezzanotte)
Incentivado pela interessante discussão (praticamente uma aula) no podcast Detour (de Filipe Furtado e Guilherme Martins), peguei para ver este A MORTE CAMINHA À MEIA-NOITE (1972), primeiro trabalho que assisto de Luciano Ercoli e seu terceiro giallo. O que achei mais interessante foi que o ponto de partida deste filme é, de certa maneira, parecido com o de UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER, de Lucio Fulci, do mesmo ano. Se em Lagartixa, o sonho da protagonista é o pontapé para o mistério, neste é a visão que a heroína tem de um assassinato por ocasião de uma experiência com LSD. É muito interessante a cena da visão, aliás, com uma espécie de janela que se abre para ela, causando um efeito psicodélico que combina com o tom do filme e daquele momento. E o fato de o assassino usar uma arma bem original acaba trazendo uma novidade ao subgênero. Outro aspecto muito interessante é o cuidado do diretor com a sincronização com a dublagem (acho isso raro). Também gosto (embora ache curioso) o tom leve da trilha sonora em cenas que supostamente deveriam ser mais pesadas, ou encaradas como pesadas. Ajuda a pensar o filme como uma obra bem autoconsciente. O final, com o vilão explicando todo o mistério, fica parecendo meio Scooby-Doo, e não sei se curto muito, mas não dá para negar que é divertido. Para terminar de acompanhar o podcast, agora quero rever TENEBRE, do Argento. Filme visto no box Giallo Vol. 6.
+ DOIS FILMES
UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER (Una Lucertola con la Pelle di Donna)
Com o sucesso, inclusive internacional, dos gialli, Lucio Fulci entra de vez no filão com este cultuado UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER (1971). O filme é confuso, mas as imagens oníricas e lisérgicas são tão recompensadoras que cada minuto vale a pena. Aquela cena de Florinda Bolkan sendo perseguida pelo homem com a faca, ao som da música vibrante de Ennio Morricone, é linda demais! E o cineasta ainda aproveita para homenagear o Hitchcock de UM CORPO QUE CAI e OS PÁSSAROS. Incrível. Na trama, Bolkan é uma mulher que se vê ao mesmo tempo incomodada e fascinada com a vizinha, que vive dando festas regadas a ácido em seu apartamento, enquanto ela leva uma vida pacata - sem falar que está sendo traída pelo marido (Jean Sorel). O whudunit não é algo que me interessa tanto nos filmes, mas gostei bastante da conclusão deste. O que mais importa nos melhores trabalhos de Fulci é sua criatividade em criar imagens únicas de tal modo que elas ficam guardadas em nossa memória, mesmo que naquele cantinho reservado às lembranças dos sonhos. Filme presente no box Giallo Vol. 2.
A MORTE CAMINHA À MEIA-NOITE (La Morte Accarezza a Mezzanotte)
Incentivado pela interessante discussão (praticamente uma aula) no podcast Detour (de Filipe Furtado e Guilherme Martins), peguei para ver este A MORTE CAMINHA À MEIA-NOITE (1972), primeiro trabalho que assisto de Luciano Ercoli e seu terceiro giallo. O que achei mais interessante foi que o ponto de partida deste filme é, de certa maneira, parecido com o de UMA LAGARTIXA NUM CORPO DE MULHER, de Lucio Fulci, do mesmo ano. Se em Lagartixa, o sonho da protagonista é o pontapé para o mistério, neste é a visão que a heroína tem de um assassinato por ocasião de uma experiência com LSD. É muito interessante a cena da visão, aliás, com uma espécie de janela que se abre para ela, causando um efeito psicodélico que combina com o tom do filme e daquele momento. E o fato de o assassino usar uma arma bem original acaba trazendo uma novidade ao subgênero. Outro aspecto muito interessante é o cuidado do diretor com a sincronização com a dublagem (acho isso raro). Também gosto (embora ache curioso) o tom leve da trilha sonora em cenas que supostamente deveriam ser mais pesadas, ou encaradas como pesadas. Ajuda a pensar o filme como uma obra bem autoconsciente. O final, com o vilão explicando todo o mistério, fica parecendo meio Scooby-Doo, e não sei se curto muito, mas não dá para negar que é divertido. Para terminar de acompanhar o podcast, agora quero rever TENEBRE, do Argento. Filme visto no box Giallo Vol. 6.
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