domingo, abril 26, 2020

METRÔ DE NOVA YORK (SUBWAYStories: Tales from the Underground)

Curioso como eu escrevi sobre A NOITE DO DESEJO, de Fauzi Mansur, e esqueci de mencionar uma cena que muito me incomodou: a de um dos protagonistas se aproximando de mulheres no ônibus para se aproveitar sexualmente delas. Não que o filme e seu diretor sejam a favor de tal ato: apenas era algo presente na característica machista e abusiva do personagem, que mais à frente teria suas máscaras postas no chão. Na década de 1970, inclusive, essa coisa de se roçar nos ônibus seria sucesso imenso de público com A DAMA DO LOTAÇÃO, de Neville d'Almeida.

E por que falei sobre isso? Porque o melhor segmento de METRÔ DE NOVA YORK (1997) é o dirigido por Abel Ferrara, "Love on the A Train", no qual um homem (Michael McGlone) começa a ter um tipo de relação silenciosa com uma mulher (Rosie Perez) no metrô. No primeiro dia do encontro, ela, uma total estranha, toca a mão dele e lentamente a escorrega até encostá-la em seu sexo. A princípio, ele chega a imaginar que pode ser algum tipo de coincidência ou algo vindo da mente dele, mas todos os dias, no mesmo horário, os dois repetem e ampliam esse contato silencioso e extremamente sensual. Curiosamente, Ferrara já havia se mostrado adepto de situações eróticas dentro do metrô em uma cena de O REI DE NOVA YORK (1990).

O que temos aqui é um exemplar bem mais leve do que estamos acostumados a ver de Ferrara, por mais que o conto seja sobre um homem que se vê dividido entre a esposa, vivida por Gretchen Mol, que trabalhou com Ferrara em OS CHEFÕES (1996), e aquela mulher misteriosa e que poderia significar a ruína de seu casamento. Então, há a pulsão erótica, mas há também o homem dividido e profundamente tentado pelo pecado, se formos ver o curta por um viés católico, como é o cinema de Ferrara.

METRÔ DE NOVA YORK foi um projeto da HBO que contou com a colaboração de dez diretores. O canal fez um concurso solicitando a cidadãos nova-iorquinos a escreverem histórias reais sobre suas experiências no metrô da megalópole. As histórias vencedoras seriam adaptadas para um filme. Soube no IMDB que Spike Lee chegou a dirigir um segmento, mas que não chegou a uma edição final. Uma pena. Até porque os nomes mais ilustres da lista de diretores são apenas os de Ferrara e de Jonathan Demme, que abre e encerra o filme, em tom alegre.

Entre as outras boas histórias, destaco "The Red Shoes", dirigida por Craig McKay, em que um cadeirante entra em um vagão pedindo esmola e afirmando ser um veterano de guerra e que acaba por se desentender com uma mulher; "The 5:24", de Bob Balaban, com a participação brilhante de Jerry Stiller, como uma espécie de misterioso conselheiro para um jovem executivo; e "Sax Cantor Riff", de Julie Dash, que tem uma bela cena de uma moça cantando lindamente em um orelhão.

Enfim, por mais que o resultado seja bem irregular, o que já é de se esperar de um filme de segmentos com tantos diretores, vale a conferida, principalmente, claro, pelo ótimo material entregue por Ferrara.

+ TRÊS FILMES

AS FÁBULAS NEGRAS

O filme que escolhi para homenagear o nosso querido José Mojica Marins no dia do seu falecimento foi este seu último trabalho na direção, ao participar desta produção a oito mãos com outros três nomes mais recentes do horror brasileiro. Nos créditos finais, o Mojica diz que até preferia ter a história do Saci contada com um menino de uma perna só apenas, mas, sendo um projeto do Aragão, a criação de um monstro mais aterrorizante para o papel do habitante da mata até que foi uma boa ideia. Das cinco histórias (duas são do Aragão), a que eu mais gosto é a do Petter Baiestorf, sobre a maldição de um lobisomem nos pampas. Gosto do andamento, do sangue jorrando e de sua bela conclusão. No mais, temos Loira do Banheiro (Joel Caetano), um monstro do esgoto e a Iara (ambos por Aragão). Bom compilado com aquela cara de produção feita por amigos para se divertir e exaltar o gênero horror com muito gore. Direção: Rodrigo Aragão, Petter Baistorf, José Mojica Maris e Joel Caetano. Ano: 2015.

O ÚLTIMO TRAGO

Não é um filme fácil, mas com um pouco de boa vontade para ver algo mais experimental e menos óbvio é possível apreciar a beleza de O ÚLTIMO TRAGO, do coletivo Alumbramento. Gosto especialmente do segundo e mais longo ato, em janela scope, que se passa quase todo em um bar abandonado em um sertão. Há duas cenas cantadas muito boas e há um cuidado com a direção de arte e com pequenos detalhes que chama a atenção. E temos os recortes de literatura que pontuam várias falas dos personagens, como que para enfatizar seus posicionamentos ideológicos, nem sempre fáceis de compreender, mas que são um convite à reflexão. Ainda gosto bem mais de COM OS PUNHOS CERRADOS (2014), como obra política, mas este aqui também me ganhou. Direção: Pedro Diogenes, Luiz Pretti e Ricardo Pretti. Ano: 2016.

HISTÓRIAS DE ESTOCOLMO (Stockholm Stories)

O único filme que pude ver (com sono, depois de um dia cansativo de trabalho) da Mostra de Cinema Nórdico acabou não me agradando muito. Me pareceu uma série de histórias bobas com potencial para serem boas. A maioria dos personagens ou é chato ou é desinteressante. Ainda assim, a sala do Cinema do Dragão estava lotada, teve apresentação de dois cônsules (um da Suécia e outro da Dinamarca, o mais engraçado) e uma embaixadora da Noruega (acho). Todos muitos simpáticos e dispostos a usar o português para se comunicar com a plateia. Bem legal. Direção: Karin Fahlén. Ano: 2013.

Nenhum comentário: