segunda-feira, abril 20, 2020

CASA

Ultimamente tenho voltado a prestar mais atenção à astrologia. Até para entender o que está acontecendo no mundo. O cenário no céu apresenta uma poderosa conjunção em capricórnio dos planetas Plutão, Saturno e Júpiter, algo que não acontece há centenas de anos. A última vez, ao que parece, foi no século XII. E a última conjunção Plutão/Saturno em capricórnio foi em 1914, quando deu início a Primeira Guerra Mundial. No meio disso tudo há também os tais eclipses no eixo capricórnio-câncer, que vêm acontecendo desde 2018. No atual cenário, a casa de câncer, a casa do lar, é fortalecida. Daí tenhamos que ficar em casa em um cenário de completa mudança social, política e econômica. Como não sou astrólogo e não quero me alongar também com o pouco que tenho lido e assistido em lives interessantes, fico por aqui, apenas para fazer um link com um dos melhores filmes brasileiros que tive o prazer de ver neste início de ano, e ainda inédito no circuito comercial.

CASA (2019), de Letícia Simões, lida com a família de uma maneira bastante ousada por parte da diretora. Já havia me tornado um admirador da cineasta quando vi o belo O CHALÉ É UMA ILHA BATIDA DE VENTO E CHUVA (2018), tão sensível ao nos apresentar as cartas do romancista Dalcídio Jurandir, enquanto a diretora atravessa os lugares por onde ele passou no Pará. É uma experiência linda. Uma viagem de barco e uma exploração de lugares e pessoas fantásticos. O trabalho em CASA é mais corajoso pois a diretora se expõe muito mais.

Não se trata apenas de se desnudar de maneira sutil através de trabalhos que dizem muito de si sem escancararem a porta. O que vemos aqui é algo muito intenso. Letícia, a diretora, visita a mãe em Salvador. Sua mãe, Heliana, é uma mulher com características muito próprias. Bipolar, mantém a sete chaves arquivos de fotos, cartas e escritos acumulados ao longo de muitos anos. Essa questão de guardar da mãe é muito forte e muito fascinante também.

Mas o que tornaria as tensões fortes seria a presença de outro personagem central da narrativa, a avó de Letícia, mãe de Heliana. A avó, de nome Carmelita, vive em uma casa de repouso e recebe visitas da filha com alguma frequência. Acontece que Heliana guarda uma mágoa imensa da mãe, pelo fato de ela ter lhe batido muito quando ela era criança e isso ter causado feridas profundas. Assim, Heliana é sempre muito ríspida e agressiva com Carmelita. E nada tão tenso como a reunião das três para um jantar em família. E tudo é flagrado pelas lentes da diretora.

Acompanhar as três gerações de mulheres é também objeto de muito interesse, já que cada uma carrega o espírito de seu tempo, com o que há de positivo e negativo nisso. Heliana deseja muito que Letícia lhe dê um neto, mas a cineasta diz que não pretende ter filhos, o que causa certo desgosto à mãe. Letícia se separou e quer seguir um caminho de liberdade, sem amarras com as convenções sociais, por mais que guarde semelhança com a mãe no que se refere à vontade de deixar algo registrado. No caso, documentários sensíveis e femininos sobre afetos e relacionamentos. Que o tempo esteja do lado de Letícia Simões, para que possamos ter o prazer de ver mais trabalhos seus.

+ TRÊS FILMES

O CHALÉ É UMA ILHA BATIDA DE VENTO E CHUVA

Eu era o único espectador na sessão deste belo filme sobre o paralelo entre as cartas poéticas do romancista Delcídio Jurandir lidas pela diretora e a viagem que ela própria fez ao interior do Pará, com foco na educação. Uma pena que mais gente não está dando o devido valor a essas pequenas grandes obras que aparecem para nos fazer viajar, sentir e pensar no outro. A narração da diretora é linda, alternando sua própria experiência com as palavras do sofrido escritor. As cenas nas escolas públicas também são tocantes. Direção: Letícia Simões. Ano: 2018.

BIXA TRAVESTY

Não conhecia o trabalho de Linn da Quebrada e por isso é muito importante ter o cinema como elo de ligação com a arte que dialoga mais com uma pequena parte do público. As cenas de que eu mais gosto no filme são as que apresentam Linn e sua amiga Jup apresentando um programa de rádio e desconcertando as visões quadradas de gênero, dando seu recado para machistas e falando com seu público também. As cenas de performance também são boas, além de imagens do passado, que servem para dar ainda mais profundidade a essa personagem fantástica. É um filme que também trabalha bastante com a relação com o corpo, especialmente o corpo nu. Direção: Claudia Priscilla e Kiko Goifman. Ano: 2018.

RESSACA

Um dos mais tristes e ao mesmo tempo mais bonitos filmes sobre o cenário político brasileiro recente. Aqui vemos o quanto os artistas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro sofreram quando se viram sem receber seus salários, mas bastante apegados àquilo que sabem e gostam de fazer. RESSACA não é só mais um filme sobre a dura realidade brasileira (e mais especificamente no Rio), mas principalmente uma declaração de amor à arte. Ao apresentar o filme no Cine Ceará 2019, a diretora fez um discurso muito emocionado sobre a necessidade de políticas de apoio à cultura. Muito bem construída também a divisão do filme em capítulos/personagens. Uma surpresa e tanto. Direção: Patrizia Landi e Vincent Rimbaux. Ano: 2019.

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