quarta-feira, maio 03, 2017

VERMELHO RUSSO























É interessante esse aspecto seletivo da memória. Costumamos nos lembrar de coisas aparentemente sem muita importância, mas que acabam ficando, por algum motivo, registradas em nosso banco de dados com muito mais vivacidade do que certas ações e situações supostamente mais importantes. O trabalho que as meninas de VERMELHO RUSSO (2016) fizeram foi muito de resgatar momentos marcantes e reencená-los fazendo uma nova viagem à Rússia, dessa vez parar interpretar elas mesmas.

A primeira viagem ocorreu em 2009, quando Maria Manoella e Martha Nowill foram a Moscou para estudar teatro, em particular o celebrado método de atuação de Constantin Stanislavski. E do jeito que o filme mostra deve ter sido tudo muito interessante, com um professor que não fala nada de português comandando os ensaios que as duas amigas fazem de Tio Vânia, de Anton Tchekov. A vida passa a interferir na arte e no modo como as duas interpretam cada personagem. Uma delas precisa se mostrar feliz e radiante; a outra precisa ser triste e com autoestima baixa.

A viagem de Manu e Marta, que são os nomes adotados para elas nessa encarnação no cinema, como personagens de ficção, acaba sendo uma sucessão de situações e momentos muito bons mas também muito angustiantes e aflitivos, seja porque elas estavam em uma terra distante, seja por terem que enfrentar suas próprias inseguranças, pondo em xeque a própria amizade, que no começo do filme parece inabalável.

Interessante notar que o trabalho do diretor Charly Braun, de ALÉM DA VIAGEM (2010), acaba se tornando quase invisível. O filme parece ser um projeto feito e comandado por Manoella e Martha, até por terem sido elas quem vivenciou tudo aquilo, além de serem donas de cada cena e da evolução de suas personagens, mesmo com a aparição de alguns rostos conhecidos em cena, como Michel Melamed e Fernando Alves Pinto. De todo modo, o filme anterior de Braun era também o relato de uma viagem e o novo trás o protagonista do anterior como algo próximo de um alter-ego do diretor, como o cameraman que acompanha as duas moças.

Algumas cenas fogem da linha narrativa principal e funcionam como achados durante a viagem, como a velhinha que elas encontram no corredor do hotel e que trabalhou durante muitos anos na Mosfilm, ou a conversa com os embaixadores do Brasil e de Portugal na Rússia, vistos em uma festa, além da própria beleza gélida da cidade, que funciona como uma terceira personagem. Essa brincadeira entre verdade e ficção não deixa de ser interessante e nos deixa curiosos para saber detalhes das filmagens e de ter a oportunidade de conversar com as atrizes e o diretor. Principalmente com as atrizes, na verdade, que além de tudo são encantadoras. Aliás, se não fossem o filme não teria ganhado tão facilmente a nossa simpatia.

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