segunda-feira, maio 29, 2017

FACES DE UMA MULHER (Orpheline)

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Eis um filme que cresce à medida que pensamos nele. FACES DE UMA MULHER (2016), de Arnaud des Pallières, apresenta quatro estágios da vida de uma mesma mulher, mas de maneira desconcertante e um tanto confusa a princípio. Até que o espectador perceba que determinada atriz representa a mesma pessoa demora um pouco, embora essa estranheza e esse desconforto sejam bem-vindos e provoquem no espectador um interesse em unir as pontas.

A confusão se dá muitas vezes pelo fato de as personagens aparecerem com diferentes nomes, embora o filme, logo no início, desmascare uma delas com um nome falso. Trata-se de Renée (Adèle Haenel, de A GAROTA DESCONHECIDA), que tem sua rotina de vida (como professora de crianças) perturbada pela chegada de uma mulher recém-saída da prisão (Gemma Arterton). A chegada daquela mulher representa o fim de seu sossego.

Do ponto de vista formal, percebe-se, logo de cara, a fotografia que destaca os rostos com seus detalhes ressaltados: as olheiras nos olhos de Haenel; as sardas de Arterton; mais à frente os hematomas, feridas e uma maquiagem com um exagero no uso do vermelho dos lábios, como na tentativa de restaurar a beleza dessas mulheres maltratadas. E haja maus tratos. As mulheres do filme de des Pallières recebem porrada a todo instante. E isso dói também no espectador ver tais atos de violência, sempre praticados quase sempre por homens mais velhos.

Logo em seguida, somos apresentados a Sandra (Adèle Exarchopoulos, de AZUL É A COR MAIS QUENTE), uma jovem em seus 18-20 anos que está em busca de dinheiro, seja através de um emprego normal, seja através da "adoção" por um homem mais velho. Essa oferta, ela recebe de um senhor viciado em jogos e corridas de cavalos. A vida de Sandra cruzará com Tara (Arterton) também. Quem não perceber de início, mais à frente perceberá que estamos diante de um flashback da personagem anteriormente apresentada.

Mas o filme vai mais longe e nos apresenta a outras duas interessantes atrizes/personagens: Karine, a garota de 13 anos rebelde e que sai em festas noturnas para adultos e é violentada/castigada pelo pai; e a garotinha de 6 anos Kiki (Veja Cuzytek), que tem uma vida normal até que um evento envolvendo seus amiguinhos de infância muda sua forma de ver o mundo. Ou parece ser essa a intenção de o filme procurar dar motivo para o comportamento posterior da personagem, em suas diferentes encarnações.

Algumas situações ficam pouco claras, mas isso não chega a ser um grande problema. Ao contrário: só dá ao filme um charme todo especial. Os personagens masculinos, em sua maioria, são egoístas, violentos ou pouco compreensivos, mas dois deles fogem a essa regra, os personagens de Sergi Lopez e Jali Lespert. Este último é parte fundamental de um dos momentos mais especiais do filme, envolvendo a gravidez da protagonista.

Às vezes parece faltar em FACES DE UMA MULHER um pouco mais de coesão nas histórias dessas personagens, mas esse aspecto fragmentado pode ser visto como um ponto positivo em um filme que valoriza não apenas a narrativa, mas também a construção de climas tensos e sensuais e de um visual que sabe lidar muito bem com a vida sofrida dessa mulher múltipla, quebrada e fugidia.

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