domingo, setembro 11, 2016

ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO (Last Days in the Desert)























Quem acompanha a carreira de Rodrigo García no cinema desde COISAS QUE VOCÊ PODE DIZER SÓ DE OLHAR PARA ELA (2000), passando pela excelente série EM TERAPIA (2008-2010), sabe que ele é um cineasta bastante afeito à palavra, e tem nela um aliado forte na construção de obras de intensidade dramática. Por isso ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO (2015) parece um trabalho atípico na obra de García, por ser mais contemplativa, mais centrada nas imagens do que nas palavras.

Apesar de mostrar de maneira respeitosa e séria parte dos momentos em que Jesus esteve jejuando e orando no deserto, antes de iniciar seu ministério de pregações e milagres, ÚLTIMOS DIAS NO DESERTO não tem teor panfletário ou doutrinário. Até toma algumas liberdades. Afinal, toda a história da relação que Ele constrói com uma família que encontra no deserto é totalmente fictícia.

Vale destacar também o modo inventivo como o filme mostra Satanás, interpretado pelo mesmo Ewan McGregor que interpreta Jesus, como se fosse a parte dele que tenta negar a fé e a própria ideia de que ele é o filho de Deus, escolhido para salvar a humanidade. As artimanhas do inimigo se mostram ainda mais interessantes quando Jesus está dormindo em uma cabana ao lado de uma mulher moribunda, mas muito bonita (a israelense Ayelet Zurer, de BEN-HUR). Também merece destaque o jovem Tye Sheridan como o filho da família, um rapaz que não deseja seguir os mesmos passos do pai e ficar naquela região árida, mas conhecer Jerusalém e o mundo.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que a relação de Jesus com esta família é o principal eixo da trama, ela também se mostra o ponto mais frágil, comprometendo às vezes o ritmo e o aspecto contemplativo do filme. Ainda assim, trata-se de uma obra que tem brilho próprio e evita colocar palavras já conhecidas dos evangelhos na boca de Jesus e de Satanás, já bastante explorados em outros filmes. Só por isso, já merece ser tratada de maneira respeitosa.

A Bíblia, aliás, conta muito pouco desses 40 dias e 40 noites de Jesus no deserto. Portanto, trazer uma história imaginária do que pode ter acontecido não deixa de ser interessante, à luz de uma visão mais humanista de Jesus. Ficamos constantemente nos perguntando, inclusive, o porquê de Ele não curar a mulher doente, mas estaríamos caindo na mesma armadilha que ele enfrentou em um dos desafios de Satanás, isto é, ter que provar que é capaz de fazer um milagre e mudar a ordem natural dos acontecimentos.

Em um dos primeiros momentos do filme, inclusive, Jesus se mostra bastante desconfortável com o fato de não obter respostas de Deus, de se sentir completamente sozinho naquele lugar, a não ser pela figura do demônio que o tenta, mas que pode muito bem ser fruto de sua imaginação, cheia de dúvidas e temores. O final desconcertante deixa perguntas no ar e justamente por isso não é dessas obras que ficam no esquecimento. Pode até ter as suas fragilidades, mas elas parecem menores diante dos desafios estéticos e morais que o cineasta apresenta ao longo de sua narrativa.

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