segunda-feira, setembro 26, 2016

SEM DENTES – BANGUELA RECORDS E A TURMA DE 94























Quem viveu com intensidade os anos 1990 sabe o quanto foi empolgante acompanhar o surgimento de bandas como Raimundos, Planet Hemp, Chico Science & Nação Zumbi, Pato Fu, Skank, mundo livre s/a, Maskavo Roots, Little Quail and the Mad Birds, Graforréia Xilarmônica, entre outras. SEM DENTES – BANGUELA RECORDS E A TURMA DE 94 (2015), de Ricardo Alexandre, fala justamente deste momento em que o rock brasileiro chegou com uma mistura maior de ritmos e de preferência com muito peso e barulho, pois era o espírito daquela época em que o grunge ainda definia muito do que se fazia no campo mundial.

Vendo o documentário, tendo ido a shows de algumas dessas bandas, tendo comprado alguns de seus discos e sendo leitor da Bizz, ficamos sabendo o quanto a revista foi fundamental para o surgimento até um pouco tardio dessa nova geração de bandas da década de 90. Graças, principalmente, a Carlos Eduardo Miranda, que resolveu ir atrás de coisas novas e empolgantes naquele período de entressafra, quando a maior parte dos críticos da revista já estavam cansados das bandas dos anos 80, chegando a chamar os Titãs de dinossauros.

O documentário já começa dando uma ideia de como era o Brasil no começo daquela década, com o Collor derrubando muita coisa de nossa cultura e Daniela Mercury tocando no rádio junto com muita música sertaneja. Era o que estava no gosto popular naquele momento tenebroso. Mas, por outro lado, uma série de bandas independentes começou a surgir por todos os lugares do Brasil.

Naquela época, sem internet e telefone celular, o contato do artista com as grandes gravadoras era muito complicado. E conseguir que uma das grandes (a Warner) desse carta branca para a produção de um disco como o primeiro dos Raimundos foi quase um milagre. Miranda teve que inventar uma matéria mentirosa para a Folha de S. Paulo para que a major finalmente aceitasse a criação do famoso selo Banguela, que trouxe também o mundo livre s/a, o Maskavo Roots e o Little Quail and The Mad Birds, embora essas duas bandas não tenham acontecido de maneira tão intensa quanto os Raimundos.

De outro lado, outras gravadoras lançavam artistas como Pato Fu, Skank (que chegou um pouco antes dessa turma), Planet Hemp, Chico Science & Nação Zumbi e O Rappa (que é injustamente ignorada no documentário, mesmo sendo de vital importância para aquela época). Até entendemos que algumas dessa bandas não sejam devidamente exploradas, mas isso acontece porque elas não fizeram parte ativa do selo Banguela. Porém, deixar totalmente de fora O Rappa foi um vacilo dos realizadores.

Sobre o Planet Hemp, há um pouco da história da polêmica da banda e seu tema espinhoso; sobre o Chico Science, há o impacto de sua música e da força de seu líder; sobre o Skank, há pouco, mas há Samuel Rosa filosofando do começo ao fim sobre o que foi aquela época. Dos Titãs, as falas de Nando Reis e Charles Gavin são fundamentais para entender aquele momento. Como os Titãs foram também responsáveis pela criação do selo, nada mais justo que dois dos melhores pensadores da banda, mesmo não estando mais na banda, contem suas histórias e até um pouco de suas indignações, como quando Nando Reis fala de se sentir incomodado com as acusações de eles (os Titãs e a geração dos anos 80) serem menos brasileiros que a nova geração que surgia.

No mais, há tanta coisa que o documentário fala que não vai caber nesse espaço: o surgimento da MTV, o quanto o Sepultura foi uma banda que impulsionou outras a tentarem um caminho em inglês, o surgimento do Abril pro Rock, entre outras coisas. Mas o principal foco do filme é mesmo a gravação dos discos de três bandas do selo: Raimundos, mundo livre s/a e Little Quail and the Mad Birds. As demais ficam em segundo plano.

Mas o que mais me deixou empolgado foi poder relembrar alguns momentos especiais, como quando ouvi “Puteiro em João Pessoa” pela primeira vez, na Biruta, em 1994; quando ficava animado com os videoclipes que passavam na MTV daquelas bandas novas; de como era bom se sentir meio guerrilheiro e roqueiro em um momento em que as rádios só tocavam sertanejo, axé e pagode; das dicas de ouro da Bizz, que traziam resenhas tão boas que faziam a gente dar aquele pulinho na loja de discos, mesmo sendo tão difíceis aqueles tempos. Foi uma época gloriosa que durou poucos anos. A década seguinte já chegou com uma cara diferente – nem melhor, nem pior –, mas certamente bem menos empolgante que a catártica década final do século XX.

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