domingo, novembro 30, 2014
SAINT LAURENT
Quanta diferença ver este SAINT LAURENT (2014) e a cinebiografia YVES SAINT LAURENT, dirigida por Jalil Lespert, também lançada este ano. O filme de Lespert tinha uma intenção bem maior de apresentar os fatos de maneira didática para que o espectador totalmente leigo na vida e na obra do estilista francês aprendesse um bocado. Por isso foi bom a versão de Bertrand Bonello ter sido lançada nos cinemas depois, uma vez que não só complementa o filme de Lespert, como também se mostra um trabalho bem mais bonito em todos os sentidos.
Bonello apresenta uma paleta de cores de encher os olhos, que transparece tanto nas cenas nas boates, nos anos 1960, quanto no último e ultracolorido desfile, de 1976, que de certa maneira fecha o recorte do filme, iniciado em 1967. Aqui não há espaço para os pais de Yves (Gaspard Ulliel) e os seus primeiros passos rumo à alta costura. O estilista já é um nome consagrado quando apresentado desde o início. Também há pouco espaço para o relacionamento dele com Pierre Bergé (Jérémie Renier), não apenas amante, mas o homem por trás das negociações da marca Yves Saint Laurent no mundo todo.
O curioso de SAINT LAURENT é o quanto o filme procura se fechar, não apenas não entregando tão facilmente seus personagens, mas também na maneira como a câmera mostra poucos planos gerais, preferindo planos fechados, fugindo do lugar comum de mostrar-se um plano mais aberto para só depois fechar o plano e em seguida mostrar close-ups.
Não há também muita preocupação em deixar o espectador totalmente consciente do que está acontecendo, embora também não seja um filme difícil de acompanhar. Inclusive, há um momento em que Bonello usa o split-screen para mostrar eventos importantes acontecendo no mundo, em paralelo com as passarelas. O uso desse recurso se mostrará ainda mais elegante perto do final.
Uma das cenas mais belas acontece em uma boate, na primeira aparição da beldade Aymeline Valade, que interpreta Betty, uma moça que desfila para um concorrente de Yves, mas que é convidada para trabalhar para ele e se torna uma das amigas queridas. Na referida sequência, Betty se mostra como uma deusa, ao mesmo tempo em que também vemos que ele só a escolhe porque se enxerga nela, numa espécie de transferência que os psicólogos descreveriam melhor. O fato é que a imagem daquela mulher se levantando para dançar na pista é apaixonante.
No entanto, o amor de Bonello pelas mulheres, muito bem mostrado em um de seus melhores trabalhos, L'APOLLONIDE – OS AMORES DA CASA DE TOLERÂNCIA (2011), é um pouco deixado de lado em SAINT LAURENT, já que ele precisa focar naquele personagem e seus relacionamentos afetivos com homens. Além de Pierre Bergé, passa pela vida de Yves também uma grande paixão, Jacques de Bascher, vivido com elegância e entrega por Louis Garrel. Jacques é o homem que ameaça não só a relação com Pierre, mas também a própria grife, já que a relação dos dois também está diretamente ligada ao uso de drogas e álcool.
E isso o filme de Bonello enfatiza bastante, fazendo com que algumas cenas emulem estados de espírito alterados por essas substâncias, bem como o próprio espírito da época – o ano de 1967, embora não seja o ano que os dois se conhecem, é conhecido como o ano mais lisérgico do século XX. Além do mais, o vício de Saint Laurent nas pílulas vêm de muito cedo, lembrando bastante a vida de outro nome importante da cultura pop, Brian Epstein, o empresário dos Beatles, que também era gay, enveredava por lugares sombrios à procura de aventuras e tomou pílulas até perder parte da sanidade mental.
No mais, há uma trilha sonora magnífica, que equilibra tanto as canções do mundo da contracultura ("I put a spell on you" toca em versão do Creedence Clearwater Revival e ouvimos "Venus in Furs", do Velvet Underground, em uma versão alternativa) quanto a música erudita – ouvimos Maria Callas em um dos pontos altos do filme. Além do mais, sair da sessão ao som de "Faithful Man", de Lee Fields & The Expressions, é animador.
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