O primeiro plano de THE ROVER – A CAÇADA (2014) ajuda a preparar o espectador para um thriller de narrativa um pouco mais lenta, trazendo o rosto ainda difícil de decifrar do personagem de Guy Pearce em close-up. Diferente do que dizem, que uma imagem vale mais do que mil palavras, no que se refere ao íntimo dos personagens, a literatura possui mais ferramentas que facilitam esse tipo de descrição. Mas o cinema escolhe ser assim. É bom que o protagonista seja misterioso e que só saibamos um pouco mais sobre o seu passado ao longo do filme.
Até então, esse momento de contemplação e também de apresentação inicial de um mundo desolado e destruído após dez anos de um colapso global não demora a ser interrompido quando surgem mais três personagens dentro de um carro, discutindo entre si. A discussão complica a partida deles no mesmo carro, e como eles já haviam cometido um crime antes, fogem no carro de Eric, o personagem de Pearce.
Em seguida, a busca frenética e aparentemente exagerada do próprio carro por Eric segue em um ritmo mais acelerado e tenso, o que só comprova o talento de David Michôd na construção narrativa, que acaba por se transformar numa espécie de road movie pós-apocalíptico quando entra em cena Rey, o personagem de Robert Pattinson, que aparece com um ferimento de bala na barriga.
A partir de então, THE ROVER passa a ser também um filme sobre a relação desses dois homens até o destino final. Talvez nem seja um exagero dizer que se trata de um filme sobre amizade, embora seja bem mais um filme sobre perda. Aos poucos, vamos conhecendo mais o passado de Eric, ao mesmo tempo em que também sentimos o remorso e a confusão mental de Rey. Isso, claro, se não analisarmos o filme de um ponto de vista mais global, como crítica da sociedade atual, como disse Michôd.
O fato de ambos os personagens carregarem consigo o peso das mortes de determinadas pessoas fazem do filme um drama cheio de dores, angústias e um sentimento de autodestruição. Há um diálogo especialmente brilhante que acontece entre Eric e um policial, e que dá a THE ROVER uma pesada aura niilista, que, junto com as cenas de violência gráfica, tornam a experiência de apreciação um misto de prazer e dor. Prazer por estar testemunhando um dos mais brilhantes filmes dos últimos anos de um cineasta em início de carreira. Isto é, ainda é possível que ele venha a fazer filmes melhores do que este. Um belo motivo para continuar vivo.
THE ROVER foi realizado em Super 35 mm, formato que dizem ser ideal para captar imagens de deserto e muito sol. A fotografia em scope é também um show à parte, valorizando tanto os corpos quanto a paisagem desolada, que também remete ao western. Há também uma espécie de circo de horrores no que se refere à aparência de boa parte dos coadjuvantes, especialmente os que são encontrados em casas e estabelecimentos comerciais ao longo da jornada do herói.
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