quinta-feira, julho 31, 2014

ESTRANHO ENCONTRO























Uma prova de que o talento de Walter Hugo Khouri já nasceu praticamente no início de sua carreira, ESTRANHO ENCONTRO (1958) é uma obra que deve muito à cinematografia americana, especialmente aos filmes noir, mas que também carrega aquela aura que iria percorrer toda a filmografia khouriana. O filme serve até mesmo para provar aos detratores do diretor o quanto o cineasta domina a narrativa cinematográfica com esmero e que preferiu entrar no campo das experimentações em obras posteriores por vontade própria, cada vez mais se aproximando de um cinema autoral.

Seguindo um registro de suspense, ESTRANHO ENCONTRO já começa com o protagonista Marcos encontrando numa estrada deserta uma moça frágil. Ele para o carro e ela, Júlia, é levada por ele até uma casa de campo. Ela não explica a razão de estar fugindo, a não ser mais tarde, num interessante flashback. Enquanto a relação dos dois vai se estreitando a ponto de aumentar o sentimento de cumplicidade para uma paixão, o caseiro começa a achar estranho o comportamento de Marcos, que consegue esconder a moça o quanto pode. Como ele é casado e a mulher (rica e de quem ele depende economicamente) não está em casa, ele procura fazer tudo às escondidas, mas as circunstâncias só atrapalham seus planos.

Um dos pontos altos de um filme já cheio de pontos altos é o já citado flashback, no qual Julia conta seu horror em relação ao marido, que é mais psicológico do que puramente físico. O próprio marido, durante o flashback, não tem o seu rosto totalmente mostrado. A câmera sempre está num ângulo que o evita, tornando-o um personagem vilanesco. Mas não tanto quanto o caseiro, que se mostra a pior das ameaças.

A trilha sonora de Gabriel Migliori acentua os climas de horror ou de desespero mostradas no filme, combinando harmonicamente com os travellings ou close-ups, tão bem utilizados para que esses sentimentos se tornem próximos do espectador. E se a maior parte da filmografia de Khouri parece ser influenciada pelo cinema europeu, em especial por Bergman e Antonioni, ESTRANHO ENCONTRO mostra as suas influências hollywoodianas, até também por ser uma política da companhia Vera Cruz, de tornar o filme brasileiro próximo do cinema americano.

A bela fotografia em preto e branco de ESTRANHO ENCONTRO é de uma beleza singular e que é valorizada pela cópia em DVD, mais limpa do que a de filmes mais recentes do cineasta, que carecem urgentemente de uma restauração e de um lançamento digital. Um diretor tão importante e tão querido como Khouri não merece ter sua obra vista sempre em cópias ruins. Aguardemos a iniciativa da família ou dos produtores para que sua filmografia possa ser apreciada da melhor maneira possível.

Texto originalmente publicado em 27 de setembro de 2011 na Revista Zingu!.

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