domingo, novembro 20, 2011

GEORGE HARRISON – LIVING IN THE MATERIAL WORLD



Só depois desse documentário que fui me tocar que "Long, long, long", presente no Álbum Branco dos Beatles, é uma canção religiosa, espiritual, dedicada a Deus, Jesus ou Krishna, que para George Harrison se misturavam, como já se pode sentir em "My Sweet Lord", a mais explícita de suas canções espirituais. Em GEORGE HARRISON – LIVING IN THE MATERIAL WORLD (2011), até mesmo "Something" é cogitada como uma canção de amor ao divino, disfarçada de canção de amor sensual.

E depois do final do documentário, ao tentar mentalizar o que a esposa de George dizia enquanto o seu espírito deixava o seu corpo, não tive como não ligar a SHINE A LIGHT (2008). Não ao show dos Rolling Stones filmado por Scorsese, mas ao próprio título escolhido, que acredito não ter sido em vão. Como se o próprio Scorsese estivesse, ele também, em busca da luz, agora que ele tem mais momentos para lembrar do que para viver. Mas claro que todos nós esperamos que ele viva muito e que faça tanto grandes filmes de ficção como documentários essenciais como este.

Seu documentário sobre George Harrison só perde o impacto na primeira metade da segunda parte. A primeira parte é totalmente excitante, já que tudo que mostra os Beatles parece mágico. Já a segunda parte é longa e irregular e começa mostrando Harrison prestes a deixar a banda. Aliás, interessante como já nos últimos momentos dos Beatles uma de suas esposas disse que ele, à procura de aperfeiçoar o seu espírito em técnicas de meditação e em contato com gurus indianos, já considerava a companhia dos três como sendo um tanto maléfica. E se pensarmos, por exemplo, numa canção "diabólica" como "Revolution 9" e ver que no mesmo disco tem "Long, long, long", não deixa de ser um paradoxo, ou um pêndulo que se balançava entre o bem e o mal.

Na parte em que George é entrevistado para falar sobre a morte de John Lennon, a repórter diz: "mas ele não era um anjo", ao se referir à persona um tanto ácida e agressiva de Lennon. George diz que não, mas depois diz que, em certo sentido, ele era sim. Depois do fim dos Beatles, enquanto John ficava afastado de todos, os demais de vez em quando se encontravam. Especialmente Ringo, o mais companheiro de todos, o mais amado, provavelmente, já que todos os três participaram de seus discos solo, nem que fosse para dar suporte moral, para compensar o talento menor do baterista, em comparação ao dos demais. E é de Ringo que vem um dos depoimentos mais emocionantes do filme.

Um dos grandes méritos do filme é não ser didático. Muitas vezes nem o nome dos entrevistados aparece. Quem o assiste geralmente é quem já conhece bastante da história dos Beatles e da carreira solo de George e pode ir preenchendo as lacunas com seu próprio conhecimento. Assim, Scorsese vai apenas costurando cenas importantes com depoimentos diversos. Novos e velhos. Imagens de arquivo do próprio George e imagens de arquivo de televisão ou de cinema mesmo, que é quando vemos imagens do Concerto para Bangladesh e quando vemos uma cena de A VIDA DE BRIAN, do grupo Monty Python, filme produzido por George.

E no final, com o filme naturalmente mostrando os últimos momentos da vida de George, eu instantaneamente fiz uma comparação com José Saramago, que no documentário JOSÉ E PILAR mostrou ter uma vontade muito grande de continuar vivendo mais tempo neste mundo, tanto pelo aspecto afetivo quanto pelo intelectual, pela sede de ler e de escrever. Ao contrário, George, já com câncer, falou que não tinha muitos motivos para se apegar e continuar neste mundo. São duas pessoas totalmente distintas na forma de ver o mundo e de ver ou não a espiritualidade. George estava preparado. Deve ter sido muito boa e pacífica para ele a passagem. Pelo menos é essa a impressão que fica.

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