quinta-feira, junho 23, 2011

O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (Il Vangelo secondo Matteo)



Dois Pasolinis em menos de uma semana é coisa rara por aqui. Até porque o último deles (MEDÉIA, 1969) não foi muito do meu agrado. Mas aproveitando os incentivos que o amigo Marcelo V. pôs nas caixinhas de comentário e o feriado de Corpus Christi, me pareceu conveniente ver o até então inédito para mim O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (1964), um dos filmes mais reverenciados de Pier Paolo Pasolini, estando até na famosa lista dos preferidos pelo Vaticano. E realmente trata-se de uma bela obra. Mas bem diferente do que se costuma ver nos filmes sobre Jesus produzidos nos Estados Unidos.

Como o próprio título indica, o recorte de Pasolini veio exclusivamente do evangelho de Mateus, que apresenta um Jesus mais humano do que o de João, por exemplo, que o mostra mais divino e até esotérico, ou o de Lucas, que dá mais ênfase à Maria no início. O evangelho de Mateus é mais fragmentado, trazendo uma série de eventos e milagres que se fossem todos filmados por Pasolini teriam deixado o filme bem monótono. Ele fez bem em escolher alguns poucos milagres, que se apresentam de uma maneira tão natural, que sequer parecem milagres. O registro é um tanto seco e há o tradicional uso de não-atores e pessoas de aspecto humilde como extras. Os próprios discípulos, aliás, pouco esboçam algumas palavras, exceto Pedro e Judas, por razões óbvias.

A sequência do sermão da montanha valoriza bastante a palavra, com Jesus sendo apresentado em close com a imagem se alternando ao fundo para mostrar a mudança do tempo, enquanto ele profere palavras que já ficaram fincadas na moral universal. Das bem-aventuranças, passando pela oração mais famosa do mundo e pelas palavras tranquilizadoras sobre as inquietações do dia de amanhã, muita coisa é dita. É talvez o momento mais belo do filme, pela simplicidade e pelas palavras.

E como o evangelho de Mateus tem uma narrativa fragmentada em diversos episódios, o filme também utiliza essa mesma estrutura, sem haver muita coesão entre uma cena e outra. A montagem ágil torna o filme leve e não se sente as mais de duas horas passando. Do momento em que o anjo aparece para José para lhe revelar que sua esposa está grávida do Espírito Santo até o momento da crucificação, acontece tudo muito rápido, ainda que em vários momentos o filme descanse com as palavras e se mostre mais contemplativo, aproveitando a música de Bach e Mozart ao fundo. Enfim, é um belo filme, embora eu tenha sentido falta da catarse, tão comum nas obras que retratam a paixão de Cristo.

P.S.: Está no ar a edição de junho da Revista Zingu! E com o aniversário de 30 anos de COISAS ERÓTICAS, a revista destacou e resenhou alguns dos mais importantes filmes de sexo explícito produzidos na Boca do Lixo. O dossiê do mês é do montador Gilberto Wagner, com entrevista do próprio Gilberto e depoimento de pessoas que trabalharam com ele. Entre as tradicionais colunas do mês, gostei da musa eterna escolhida: Soledad Miranda, em texto de Felipe Guerra. Coisa fina.

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