segunda-feira, setembro 22, 2008

LINHA DE PASSE



Interessante observar como o tema da paternidade/maternidade é tão importante na filmografia de Walter Salles, que - se eu não me engano - cresceu em berço esplêndido e sem problemas de ordem familiar. Se bem que eu não conheço a sua história de vida; faço apenas suposições. De todo modo, não deixa de ser bonito quando se percebe que Salles não é apenas um rapaz rico e mimado que se meteu a fazer filmes, mas um sujeito que realmente conhece e ama o cinema. Não custa lembrar que Salles foi um dos poucos que lançou filme brasileiro durante a crise braba que foi a Era Collor – A GRANDE ARTE (1991) -, e depois ainda fez questão de registrar esse momento negro de nossa História recente no ótimo TERRA ESTRANGEIRA (1996). A solidão e a dificuldade de encontrar o próprio caminho também são temas recorrentes na obra de Salles e podem ser vistos até num remake de um terror japonês, ÁGUA NEGRA (2005), filme praticamente renegado por seu autor, mas que tem o seu valor dentro de sua filmografia. Não se trata apenas de um filme de encomenda.

Filmes sobre meninos em busca do pai, como CIDADE DOS HOMENS e este LINHA DE PASSE (2008) são reflexo de uma sociedade em que cresce cada vez mais o número de famílias onde a mãe exerce as duas funções: de pai e de mãe. Em entrevista a uma revista, li Salles discorrendo sobre o fato de o Brasil ser também um país sem pai. Diferente dos Estados Unidos, que foi verdadeiramente colonizado pela Inglaterra, o Brasil foi explorado, sugado e muitas vezes abandonado por seu "pai", Portugal. Mas prefiro não estabelecer metáforas entre o drama dos personagens mostrados no filme e o Brasil.

O maior risco de Salles em LINHA DE PASSE era mostrar seus personagens, principalmente o evangélico e o jogador de futebol, de maneira estereotipada. No caso do aspirante a jogador de futebol, acredito que ele foi bastante feliz, já que houve quatro anos de preparação para que Vinícius de Oliveira (o nome mais conhecido do elenco) treinasse o esporte. No caso do rapaz evangélico, porém, achei que ele não obteve um resultado que fugisse dos estereótipos, embora eu tenha achado bem respeitadora e bonita a seqüência em que o rapaz recita um dos salmos de Davi, enquanto a montagem mostra as dificuldades que cada um dos cinco personagens está enfrentando no momento.

O prêmio de melhor atriz em Cannes para Sandra Corveloni foi uma bela surpresa e pode abrir as portas da fama para essa ótima atriz, que se despe de glamour para interpretar uma mãe pobre que cuida de quatro filhos de pais diferentes e ainda está grávida do quinto. Salles talvez tenha atingido o seu ápice criativo em LINHA DE PASSE e isso se deve não apenas à sua habilidade na direção e ao ótimo roteiro de Daniela Thomas, George Moura e Bráulio Mantovani, mas também à excelente edição, que torna o filme fluido, mesmo lidando com cinco realidades distintas, representadas pela mãe e seus quatro filhos. Salles acertou em ter escolhido um grupo de atores desconhecidos para o seu filme, dando mais credibilidade à trama. Até o próprio Vinícius de Oliveira, o único conhecido, não tem perfil de ator global e se mostra bem diferente, agora adulto, dez anos depois de CENTRAL DO BRASIL (1998). E que sorte a dele, de ter trabalhado justamente nos dois melhores filmes da carreira de Salles.

Num filme onde desgraça pouca é bobagem e que guarda semelhanças óbvias com ROCCO E SEUS IRMÃOS, de Luchino Visconti, Salles, como uma mãe, tem a sensibilidade de tratar todos os personagens com a mesma importância, embora o título dê a entender que o personagem de Vinicius de Oliveira se destaque dos demais. Pode até ser que se destaque um pouco mesmo, mas acredito que a todos foi dado praticamente o mesmo tempo de cena. Nesse caso, a mãe vivida por Corveloni seria algo mais próximo de uma protagonista no filme, pois está mais presente. A montagem final é o ápice. Brilhante e orquestrada com habilidade, junto com a trilha sonora de Gustavo Santaolalla, deixa para o espectador o privilégio de levar um pouco do filme para casa, imaginando o possível rumo dos personagens.

Meu top 5 Walter Salles:

1. LINHA DE PASSE
2. CENTRAL DO BRASIL
3. TERRA ESTRANGEIRA
4. ÁGUA NEGRA
5. DIÁRIOS DE MOTOCICLETA

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