sábado, setembro 20, 2008

DELIRANTE (The Crowd Roars)



E é com prazer que chego a uma segunda peregrinação pela obra de Howard Hawks. Na verdade, são apenas uma meia dúzia de filmes que consegui, das décadas de 30 e 40, mas que me darão mais gosto de ver do que a grande maioria desses filmes novos de Hollywood. Vendo DELIRANTE (1932), que nem é da melhor safra do cineasta, ainda assim senti um gostinho todo especial de estar curtindo um autêntico Hawks, que, sendo o "cineasta da velocidade", encontra num filme de corridas um equivalente muito justo ao seu ritmo. Ele voltaria ao tema em FAIXA VERMELHA 7000 (1965). Hawks já antecipava essa loucura que é o mundo da velocidade de hoje, onde não se tem tempo para nada e onde tudo passa rápido demais. E essa angústia ou essa vontade de viver cada minuto como se fosse o último transparece tanto na fala rápida e ansiosa dos personagens, como em seus atos. E no caso de DELIRANTE, também na velocidade dos carros. Reabrir a peregrinação pelo cinema de Hawks também significa reler os trechos da entrevista relativas aos filmes em questão do livro "Afinal, Quem Faz os Filmes", que pelo visto, vai render ainda muitos anos nas minhas mãos, já que em vez de seguir em frente na leitura, dedicando-me a outros cineastas, eu estou voltando. Mas faço isso com prazer, para descobrir detalhes sobre a produção dos filmes, a reação do diretor ao seu próprio trabalho, entre outras coisas.

1932 foi um ano bem ocupado para Hawks, que teve três trabalhos seus lançados nos cinemas americanos, sendo os outros dois SCARFACE - A VERGONHA DE UMA NAÇÃO e O TUBARÃO. Falando especificamente de DELIRANTE, é impressionante como naquela época as pistas não eram asfaltadas, então era poeira pra todo lado, facilitando os riscos de acidentes fatais. Até porque, ainda que os carros não tivessem a mesma velocidade que os carros de Fórmula 1 ou Fórmula Indy têm hoje em dia, havia bem menos dispositivos de segurança. Mas esse é o mundo dos heróis de Hawks, mundo do perigo e da coragem. DELIRANTE talvez possa ser considerado o avô dos filmes de corrida. Na entrevista a Peter Bogdanovich, Hawks conta que também gostava muito de correr em carros de corrida e que já experimentou correr com a poeira na vista, sem saber direito para onde estava indo, perdendo o controle e saindo fora da pista. O filme, inclusive, já começa com uma seqüência documental, mostrando um acidente feio durante uma corrida em Indianápolis. Esses acidentes eram bem freqüentes na época e as pessoas compareciam mais para ver a carnificina do que por gostarem do esporte. Aposto que se as corridas de Fórmula 1 ou Indy ainda fossem assim, o número de espectadores cresceria exponencialmente. Acho que até eu seria um desses espectadores. Vejam como o ser humano é cruel e carente de cenas de mortes como espetáculo. Sorte que hoje temos o cinema e dá pra brincar de faz de conta. Melhor do que ir para uma praça pública para assistir a um enforcamento, um apedrejamento, uma morte na cruz ou na guilhotina, ou assistir a uma batalha até a morte de dois gladiadores num coliseu.

Em DELIRANTE, a família ainda aparece como centro da trama, como havia sido mostrada no anterior SCARFACE - A VERGONHA DE UMA NAÇÃO. Apesar disso, em ambos os filmes, a família é vista de maneira problemática. Nos trabalhos posteriores de Hawks, a família tradicional, sangüínea, seria substituída pela ausência da família ou pela preferência por um grupo de amigos com interesses em comum como família. Em DELIRANTE, James Cagney é um famoso piloto de corridas que depois de um longo tempo longe da famíla parte para uma visita, deixando em Indianápolis sua noiva (Joan Blondell), cada vez mais disposta a se casar com ele, enquanto ele foge do casamento como o diabo foge da cruz, e fica empurrando com a barriga o relacionamento, chegando até a evitar uma apresentação formal da moça para a família, provavelmente para que não se firme um compromisso. Ao chegar em sua cidade natal, ele se surpreende ao encontrar seu irmão mais novo todo entusiasmado e já pronto para se tornar também um famoso piloto de corridas como ele. Interessante como a trama lembra SPEED RACER. Aliás, eu não duvido nada que o desenho japonês tenha se inspirado um pouco nesse filme para construir seus personagens. E a maneira rude como os homens hawksianos tratam as mulheres - também hawksianas, no sentido de irem em busca do que querem até o fim - encontra um intérprete perfeito na figura de James Cagney, com toda aquela pinta de malvado e durão.

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