segunda-feira, agosto 04, 2008

EN LA CIUDAD DE SYLVIA (Dans la Ville de Sylvie)



A coincidência de eu ter recebido um dvd-r do Renato contendo EM LA CIUDAD DE SYLVIA (2007) com o fato de o filme estar entre os 21 títulos hitchcockianos que o Filipe selecionou para a seção "tops" da Revista Paisà contribuiu e muito para eu dar uma apressada na apreciação desse magnífico filme. E como sou fã do velho Hitch, fiquei bem curioso para conferir essa obra do cineasta espanhol que tem uma carreira curta, mas que já ganhou a fama de ter uma característica intinerante. Nesse trabalho, bastante celebrado nos festivais, José Luis Guerín viaja para Estrasburgo, na França, e foca a sua atenção na história de um homem que retorna à cidade na tentativa de reencontrar uma mulher que conheceu há seis anos. O filme não dá muitos detalhes sobre o rapaz, sobre sua vida pregressa, sobre sua natureza. Nem mesmo nome ele tem. Só quem tem um nome é a mulher que ele procura: Sylvia ou Sylvie.

Sabemos que ele (Xavier Lafitte) está hospedado num hotel da cidade e freqüenta um café, desses bem agradáveis, cheio de gente bonita. Sabemos com o tempo o nome da moça que ele procura. E sabemos que ele é muito observador, principalmente de belas mulheres. Pelo que a intrigante câmera mostra, uma série de dúvidas surge na mente do espectador. As cenas seguem sem pressa, apesar de o filme ter menos de uma hora e meia de duração. Inclusive, uma das cenas cruciais, a da "perseguição", leva cerca de meia hora. No café, ele olha os rostos e os gestos de belas mulheres, talvez enxergando em cada uma delas a sua Sylvie. Antes, eu até achava que ele estava apenas à procura da primeira moça bonita que lhe desse mole e não de alguém em especial. E como havia moças bonitas naquele café, hein! Ele desenha esboços dos rostos de variadas mulheres, esboços incompletos. Em seu bloco de anotações, há também escritos dele, do qual não temos idéia do que se trata. A busca parece ter fim quando ele sai do café às pressas e segue uma bela jovem (Pilar López de Ayala), que logo percebe que um estranho está em seu encalço e tenta disfarçadamente despistá-lo. As ruas são estreitas, as esquinas, freqüentemente, circulares, às vezes com becos onde não se passam carros.

De Hitchcock, o filme que mais guarda semelhança é sem dúvida o obsessivo UM CORPO QUE CAI, mas EN LA CIUDAD DE SYLVIA tem algo bem peculiar, que o diferencia dos demais filmes mais explicitamente hitchcockianos. O silêncio e a percepção do que está em volta, por exemplo, me lembrou um pouco trabalhos de Visconti (MORTE EM VENEZA) e até de Coppola (A CONVERSAÇÃO). Falando em silêncio, o filme começa mudo, como que para afinar o ouvido do espectador. Até achei que meu player não estava rodando por causa da falta de algum codec e por via das dúvidas adiantei cinco minutos para me certificar. O uso do som é um dos pontos fortes e mais importantes do filme, seja nas poucas seqüências noturnas, seja durante o dia, que é onde a maior parte da ação transcorre. Interessante que, apesar de esses eventos ocorrerem principalmente durante o dia, o diretor optou por dividir o filme em noites: primeira noite, segunda noite etc. E é à noite que vemos uma interessante cena em que ele se senta ao lado de uma moça, um pouco "alta" por causa da bebida, e toca no bar "Heart of Glass", do Blondie, e "Voyage, Voyage", sucesso oitentista muito conhecido de uma banda pouco conhecida chamada Desireless.

Como se trata de um filme enigmático, ao final, restam mais perguntas do que respostas, o que eu acho ótimo, pois promove uma reflexão e abre um leque de opções para o espectador. Seria a memória que engana o rapaz ou estaria ele delirando? Será que se trata de um filme sobre a memória ou do quanto o amor por uma pessoa pode transcender o aspecto físico? Mas se o amor era tão grande assim, por que ele demorou tanto para voltar para a mesma cidade? Assim como na seqüência da perseguição, vamos nos perdendo nesse labirinto da memória e do amor, dois temas muito caros a mim. O fato de as pessoas do filme não ganharem nomes só mostra o quanto EN LA CIUDAD DE SYLVIA vai além do mundo material. Afinal, quem sabe o nome da própria alma?

Ah, e por falar na lista do Filipe para a Paisà, ela acabou aumentando ainda mais a minha vontade em ver dois filmes que já tenho comigo há um tempão e ainda não vi: TRÁGICA OBSESSÃO, de Brian De Palma, e CHARADA, de Stanley Doney. Além disso, pretendo rever o filme do Truffaut citado por ele, que na época não gostei ou não assimilei direito.

Agradecimentos ao amigão Renato pela cópia preciosa!

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