quinta-feira, abril 15, 2004

VERDADES E MENTIRAS (F for Fake / Vérités et Mensonges)



Andava meio relapso com os filmes de Orson Welles. Há tempos não via nada dele. O problema é que freqüento pouco as videolocadoras. Estou com uma pilha de fitas gravadas da tv, uma outra pilha de filmes em divx, bem como alguns dvd's ainda não vistos. A minha vontade era arranjar um emprego decente (por decente, digo para ganhar pelo menos uns 1.200 por mês) de regime de 6 horas para eu ter tempo de ver os filmes que tenho vontade, ouvir os discos que eu quero, ler os livros e revistas que se acumulam sem eu ter tempo. Mas, em vez disso, estou cada vez mais sem tempo, tendo que trabalhar full time para conseguir pagar menos da metade das dívidas. Pelo menos, tenho como arranjar tempo aqui no trabalho pra escrever para o blog e para as listas, ainda que de maneira corrida, entre os afazeres da empresa e da escola.

Mas vamos a Welles. Minha relação com os filmes dele é bem variável. Vou comentar brevemente meus sentimentos e impressões com o que eu pude ver de sua filmografia.

*CIDADÃO KANE (1941), eu assisti duas vezes, mas nunca consegui ver o filme todo de uma só sentada. Acho cansativo, ainda que genial. Pretendo revê-lo nessa edição dupla em dvd um dia.
*SOBERBA (1942) é o meu preferido. E não tô nem aí se o próprio Welles quase renega o filme, dizendo que ele foi mutilado pelos produtores. O fato é que o filme desce melhor pra mim.
*A DAMA DE SHANGAI (1947) não gostei muito, achei confuso. Vi no Senses of Cinema que o filme ficou essa bagunça toda por culpa da montagem. E isso, em se tratando de filme de mistério, pode ser fatal. Mas gostaria de revê-lo um dia.
*OTHELLO (1952) é o meu segundo favorito. Na minha opinião, é simplesmente a melhor adaptação de uma peça de Shakespeare de todos os tempos. A tragédia do final do filme é avassaladora, sentimos na pele o sofrimento do mouro. É quase como se arrancassem o nosso coração.
*A MARCA DA MALDADE (1958) é sensacional. Aquele travelling no começo do filme é foda, hein.
*O PROCESSO (1962) é um dos filmes mais angustiantes que vi. Tem algo nesse clima kafkiano que me deixa perturbado. A sensação que tive vendo O PROCESSO é similar ao que senti com THE NAKED LUNCH, do Cronenberg. Uma sensação muito ruim, equivalente a uma tortura psicológica.

Com isso, chegamos a esse VERDADES E MENTIRAS (1973), o filme-ensaio de Welles, que foi lançado em dvd no Brasil numa cópia tosca pela Continental. A imagem está ruim, mas o filme é ótimo. O cara que bancou o filme, o francês François Reichenbach, deu liberdade para Welles realizar esse tratado sobre a arte da mentira, da falsificação. O próprio Welles conta no filme um pouco sobre sua famosa experiência no rádio, quando apavorou o país inteiro com a mais célebre das pegadinhas.

Mas o filme centra, principalmente, na história de Elmyr D'Hory. O cara era um falsificador de quadros de primeira linha. Ele fazia cópias tão perfeitas de quadros de pintores consagrados, que nem mesmo os experts sabiam distinguir se o quadro era falso ou não. O que ele fazia colocava em xeque a real competência dos especialistas em arte.

Agora, vejam só: fui procurar saber no IMDB se o Elmyr já tinha morrido e soube que ele foi encontrado morto em sua casa, em 1976. Aparentemente, foi suicídio por ingestão de pílulas. Mas o barato da coisa é que, na época de sua morte, estavam especulando que seu funeral era uma farsa, que ele tinha fingido sua própria morte. Que coisa, hein.

No filme, há também a história de Clifford Irving, que criou uma biografia falsa para o milionário excêntrico e produtor e diretor de Hollywood, Howard Hughes. (Bastou falar em Hughes que me deu uma vontade de saber como ficou/ficará a biografia que o Scorsese fez dele, com Leonardo DiCaprio no papel do milionário.) Uma seqüência das mais belas é aquela em que Welles, contrastando com o tom alegre do filme, faz uma triste reflexão sobre a vida. (Droga, devia ter gravado pelo menos essa cena pra mim.)

Precisaria rever o filme pra entender melhor aquela história da mulher que seduziu Picasso (me dispersei nessa hora), mas no geral, esse é um dos mais agradáveis filmes de Welles que eu tive o prazer de assistir. Fiquei querendo ver agora o TUDO É VERDADE, que mostra o homem visitando o Ceará. Recentemente Firmino Holanda, um dos mais respeitados críticos de cinema de Fortaleza, lançou o livro "Orson Welles no Ceará". Deve ser um bom título, que vai engrossar a longa lista de livros que estudam Welles.

O nosso Rogério Sganzerla ficou tão obcecado por Welles, que chegou a dirigir vários filmes em sua homenagem. NEM TUDO É VERDADE (1986), o curta A LINGUAGEM DE ORSON WELLES (1990), TUDO É BRASIL (1997) e o seu último filme O SIGNO DO CAOS (2003), todos têm ligação com Welles. Quer dizer, quando um diretor de gabarito como o Sganzerla, em vez de fazer outros trabalhos pessoais, se debruça sobre a obra de outro cineasta durante tanto tempo, é sinal de que Welles é realmente merecedor de todo esse culto.

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