quinta-feira, janeiro 04, 2024

PROMÈNE-TOI DONC TOUT NU!



Tenho tanto filme badalado para comentar, mas escolho justamente um que nunca foi lançado no Brasil e pouca gente vai lembrar. Na verdade, seria um filme que ficaria esquecido se seu diretor não se tornasse um dos mais queridos da atualidade. Emmanuel Mouret foi aquele diretor que me encantou lá em 2010 com FAÇA-ME FELIZ (2009) numa das edições do Festival Varilux de Cinema Francês. E o resto é história, uma história que fui contando ao longo dos anos aqui no blog. Em busca de filmes inéditos do realizador, ainda no entusiasmo causado por seu mais recente trabalho, CRÔNICA DE UMA RELAÇÃO PASSAGEIRA (2022), comecei a ir atrás de obras que nunca foram lançadas no Brasil, nem em cinema, nem em mídia física. E talvez nem mesmo em exibições na televisão. 

Curiosamente, acabei de ler uma matéria sobre a queda da popularidade da mídia física versus o aumento do uso dos serviços de streaming, e alguém que é entrevistado comenta sobre a questão da pirataria, que seria responsável pelo fim da mídia física etc. Mas há uma diferença entre pirataria e buscar filmes que você não veria em lugar algum, que muito dificilmente será lançado no Brasil e, portanto, não será comercializado. Claro que não dá para prever e ficaria feliz da vida se alguma dessas distribuidoras independentes lançassem um box com filmes de Mouret, especialmente trazendo os mais raros, mas por enquanto não há. Sem falar que existem também os curtas do realizador, que existem em quantidade maior do que eu imaginava – inclusive recentemente ele dirigiu, entre os anos de 2017 a 2019, quatro deles.

PROMÈNE-TOI DONC TOUT NU! (1999) é o primeiro (quase) longa-metragem do diretor. Com 50 minutos de duração, trata-se de uma síntese do que ele trabalharia em suas obras futuras. É possível, inclusive, fazer uma associação direta com o título mais recente do realizador, já que o protagonista é também um homem com dificuldade de dar o próximo passo, no que se refere ao relacionamento com a namorada. O título destaca uma dificuldade que o personagem tem em relação à namorada (e algo que ela cobra dele): andar nu diante dela com naturalidade.

E o interessante dos trabalhos de Mouret está no quanto ele destaca um suave e envolvente erotismo a partir de certo acanhamento do herói. No início do filme, inclusive, ele está todo de branco e chama atenção para o fato (de estar de branco), tanto para o pai, quanto para a namorada. Ele está de branco e, no entanto, não se suja, enfatiza o rapaz. Há aqui, talvez, algum tipo de moralismo ligado ao sexo, mas há também, posteriormente, um gosto escondido por brincadeiras sexuais, como quando a amiga oferece a irmã para ele fazer um experimento. E até brincam com um “cara ou coroa” para ele saber com qual das duas ele "dormirá". Lembrei, inclusive, da cena deliciosamente erótica de SÓ UM BEIJO POR FAVOR (2007), que também lida com esse lado mais tímido do protagonista.

O beijo é algo geralmente bastante valorizado na obra de Mouret e aqui não é diferente. Claro que neste é tudo ainda muito cru diante do que ele trabalharia nas obras seguintes, mas é muito bom de ver o filme com o olhar do futuro, como numa máquina do tempo, sabendo do grande cineasta que ele se tornaria, a partir de uma influência, principalmente, do cinema de Éric Rohmer, especialmente as comédias de verão, como os deliciosos PAULINE NA PRAIA e CONTO DE VERÃO.

Em breve, verei e comentarei por aqui sobre alguns curtas de Mouret. Não duvido que sejam uma beleza.

+ DOIS FILMES

ESCAPE (L'Échappée)

Basta uma imagem de Pénélope Lévêque para chamar atenção para ESCAPE (2009), terceiro curta-metragem da cineasta Katell Quillévéré, disponível na Mubi. Saber que se trata de uma obra que lida com muita sensibilidade dos desejos secretos de uma jovem por seu professor de piano é mais um motivo. Nos 16 minutos de duração, com a história se passando basicamente no quarto da jovem, o foco principal está nos olhares, explícitos por parte da moça, nem tanto assim por parte do professor. É impressão minha ou os cineastas franceses (inclusive as cineastas mulheres) são os que mais estão lidando com temas mais espinhosos? Lembrei-me do controverso ENORME, de Sophie Letourneur, que não tem nada a ver com ESCAPE no tema, mas que parece ser uma obra perigosa, por assim dizer. Um filme como ESCAPE, vejo como essencial: a arte existe também para explorar e deixar aflorar o que se passa nos corações e mentes.

CIDADE RABAT

Uma mulher na casa dos quarenta anos conquista sua liberdade depois da morte da mãe. É mais ou menos essa a trama de CIDADE RABAT (2023), de Susana Nobre, se fosse um filme de trama. Aqui importam mais as pequenas coisas, as ações ordinárias, como botar o saco de lixo na lata do outro lado da rua ou verificar com a irmã o andamento dos processos burocráticos da herança. Talvez o momento em que o filme mais traz algo um pouco mais extraordinário seja na cena da abordagem da polícia rodoviária. No mais, talvez por eu estar sonolento, me faltou uma conexão maior tanto com certa poesia do cotidiano quanto com as perdas e as vitórias da protagonista. Há também uma relação com a filha adolescente que é pouco explorada, talvez para não tirar tanto a luz da heroína.

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