sábado, abril 01, 2023

MISSÃO: IMPOSSÍVEL (Mission: Impossible)



Acho que preciso dar um gás na minha peregrinação pelo cinema de Brian De Palma. Comecei a (re)ver seus filmes em 2021 e já estou há dois anos nessa brincadeira. E não há um grande motivo para isso, levando em consideração que os filmes do realizador são uma delícia de ver, embora eu saiba que o motivo é tanto o cansaço, quanto a minha incrível capacidade de me dispersar. A revisão de MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996) acabou coincidindo com o novo filme da franquia que está para chegar em julho. MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS: PARTE 1 (2023) já é o sétimo filme com Tom Cruise no papel de Ethan Hunt e muita coisa mudou de lá para cá. Quando De Palma aceitou dirigir um blockbuster de espionagem, ele teve que fazer algumas concessões, mas também chegou a agir como uma espécie de “traidor” dentro da grande corporação que é Hollywood. No fim das contas, na batalha entre o filme de produtor (Tom Cruise e Paula Wagner) e de diretor, o autor venceu, eu diria.

É a primeira vez que revejo este filme desde que o vi no cinema, se não me engano no Cine São Luiz. Uma das coisas que mais chamou a atenção foi a tecnologia de meados dos anos 1990, em comparação com a dos dias de hoje. Também chama a atenção a menor quantidade de cenas de ação, que aumentariam bastante a partir do segundo filme, quando a franquia foi ganhando mais status de espetáculo. Dentro da filmografia do De Palma parece uma de suas obras menos pessoais, mas só aparentemente, já que sua poética está lá nos duplos, nas traições, na figura paterna pouco confiável, nas preferências formais. Lembrava-me da cena do cofre, uma das mais antológicas de toda a franquia, mas havia me esquecido da ótima cena no trem-bala, mais perto do final. Meu interesse em rever o filme foi mais pelo De Palma, mas não nego que bateu vontade de rever todos os demais.

Em geral, eu não quebro muito a cabeça para entender filmes de espionagem. Na maioria das vezes, aceito o conceito de mcguffin e relaxo. Mas, lendo sobre este primeiro MISSÃO: IMPOSSÍVEL, soube que parte da crítica reclamou bastante do quanto a trama era confuso, de como era difícil entender o que estava acontecendo. Acredito que hoje em dia esse tipo de comentário seria menos comum. Não achei o filme tão difícil de compreender e logo no início fica muito claro que o personagem de Jon Voight, o líder da IMF Jim Phelps, é o traidor, e que Ethan Hunt (Cruise) é responsabilizado pela morte de toda sua equipe. Ou de quase toda. A esposa de Jim, Claire (Emmanuelle Béart) reaparece viva para confundir ainda mais a cabeça de Ethan, que se encontra numa posição de não confiar em ninguém, nem mesmo no chefe Kittridge (Henry Czerny).

O interessante da primeira cena de missão do grupo inicial, que traz também no elenco Emilio Estevez, Kristin Scott Thomas e Ingeborga Dapkunaite, é que temos uma boa parte de atores famosos que seriam vítimas fatais das ações do traidor do grupo. Mais à frente, uma outra equipe é montada, mas também com chances de traição – Jean Reno é o traidor; Ving Rhames é a pessoa de confiança (Rhames permaneceria na franquia até os dias de hoje).

A missão inicial é impedir que um diplomata roube a chamada lista NOC, que contém os nomes de agentes americanos infiltrados, de uma embaixada em Praga. Porém, o chefe da CIA já sabia do traidor infiltrado no grupo da IMF e já havia montado uma segunda equipe de espiões. As cenas das mortes do primeiro grupo trazem uma situação geralmente comum nos filmes de Brian De Palma, que é o engano através da imagem. A ilusão lembra UM TIRO NA NOITE (1981) e DUBLÊ DE CORPO (1984), por exemplo.

Uma coisa que é a cara do De Palma é a angústia provocada pelo adultério – lembremos do quanto a cena do sexo seguido da morte de Angie Dickinson em VESTIDA PARA MATAR (1980) é impactante. E isso é colocado de maneira ao mesmo tempo sutil e incômoda neste thriller, no momento em que Hunt sente atração pela esposa do supostamente falecido Jim, uma figura paterna que ele até então respeitava. O próprio filme deixa dúvidas se há uma consumação da relação carnal entre Hunt e Claire, através de cortes para outras cenas após um momento sensual dos dois – a escolha de uma atriz como Béart definitivamente não é em vão: ela vinha de filmes que exploravam sua beleza, como A BELA INTRIGANTE, de Jacques Rivette, e CIÚME – O INFERNO DO AMOR POSSESSIVO, de Claude Chabrol. Por isso, Ethan teme que Claire tenha usado seu corpo para seduzi-lo.

Ao fazer um filme de espionagem com traição, De Palma faz referência a um outro título de seu mentor Alfred Hitchcock, INTRIGA INTERNACIONAL, que contém uma situação semelhante entre homem e mulher, com o personagem de Cary Grant atraído por uma Eva Marie Saint que é amante do vilão. E ao fazer um filme de espionagem com traição ele mais uma vez faz lembrar do De Palma adolescente, que procurou filmar a traição do próprio pai. Ou seja, pode não parecer dentro de um blockbuster de 80 milhões de dólares (e que renderia mais de 450 milhões em bilheteria mundial), mas com De Palma, tudo pelo visto é pessoal.

MISSÃO: IMPOSSÍVEL desagradou a muitos fãs da série de televisão dos anos 1960/70, por ter colocado o chefe da IMF justamente como o traidor e ter matado seu time logo no começo do filme. Porém, a julgar pela bilheteria e pelo sucesso longevo da franquia, levada com muito seriedade por Cruise, o grande público não se importou com isso. Ou então, não sabia. Além do mais, releituras de outras obras não precisam ser fiéis às originais. Ainda mais em se tratando de uma história que lida com traições.

+ TRÊS FILMES

O ÚLTIMO PESADELO (Curtains)

Eis um filme que merece ser avaliado de maneira muito peculiar. Afinal, não se pode negar que é uma bagunça, que o próprio diretor se recusou a colocar o nome nos créditos, que demorou anos para ser terminado e teve várias cenas refilmadas para tentar fazer sentido e ter uma duração de longa-metragem; enfim, talvez tudo isso contribua para que ele tenha alcançado o status de cult e ganhado o coração de muitos fãs de horror e slashers. Na verdade, um dos pontos positivos de O ÚLTIMO PESADELO (1983) é ser um slasher bem atípico: há sim muitas mortes e a figura de um assassino misterioso, que inclusive usa uma máscara assustadora, mas trata-se de uma obra que se apresenta explicitamente como uma luta entre as intenções do autor e do produtor. O diretor Robert Ciupka, no caso, queria fazer um filme mais sutil e psicológico, enquanto o produtor queria algo mais rasteiro e pronto para ser consumido como fast food e fazer sucesso nos cinemas. Acabou sendo lançado em poucas salas e sendo redescoberto na era do videocassete e das várias exibições na televisão. Acho que ter algumas cenas muito boas ajuda a guardar na memória afetiva, como a cena da boneca na estrada, que é horripilante. Ou a cena da moça de patins no gelo. Aliás, o elenco de atrizes se destaca, mesmo com toda a bagunça que nos deixa confusos sobre quem já morreu e quem continua viva dentro da casa do dramaturgo vivido por John Vernon, que é uma espécie de predador sexual e um sujeito pra lá de escroto. Já Samantha Eggar, ela surpreende bastante no início do filme, mas parece mal aproveitada no desenvolvimento. Ainda assim, sua presença é um ganho e tanto para a produção. Filme visto no box Slashers V.

MORTE AO VIVO (Tesis)

Este é um daqueles filmes que era bastante comentado na segunda metade da década de 1990, mas que, (talvez) por não ter sido exibido nos cinemas locais e eu não ter encontrado nas locadoras, acabei não vendo. O livrinho da Versátil sobre horror (o dos spin-offs) funcionou como um empurrãozinho para que eu finalmente o visse. Trata-se da estreia de Amenábar na direção de longas-metragens, com apenas 23 anos de idade. Ainda no ritmo da faculdade, o diretor faz um filme com atores jovens e estudantes e sobre um tema que é relativamente pouco explorado no cinema: o dos snuff movies. Em MORTE AO VIVO (1996), Ana Torrent é a estudante que pretende fazer uma tese sobre a violência no audiovisual e que acaba encontrando uma fita que descobre ser da morte real de uma moça que fora estudante da mesma universidade. Gosto bem mais da primeira metade do filme, enquanto prevalece o mistério, do que de seu final, mas a conclusão é muito divertida, por mais que se pareça com um filme americano. O jogo hitchcockiano sobre em quem se deve confiar se estende muito bem até o final, que é bem acertado. Adoro o trio de atores principais, especialmente Ana Torrent e Fele Martinez. Entre as cenas memoráveis, destaco as primeiras cenas da protagonista com Eduardo Noriega, o principal suspeito. Um começo exemplar para o diretor Alejandro Amenábar que faria em poucos anos uma obra-prima, OS OUTROS (2001). Filme visto no box Obras-Primas do Terror - Horror Espanhol.

AUDIÇÃO (Ôdishon)

No início dos anos 2000, estava rolando um hype muito interessante em torno do cinema de Takashi Miike. Na lista de discussão Cannibal Holocaust, seus filmes eram muito citados, e eu cheguei a ver um punhado deles na época. No caso de AUDIÇÃO (1999), até comprei o DVD importado de uma loja de Hong Kong. E chegou a hora de rever o filme depois de 20 anos da primeira vez. Na segunda vez é possível aproveitar melhor as propostas de Miike em desenvolver um filme lento e muito interessado na questão do protagonista de encontrar uma esposa e de marcar encontros com uma das moças das audições. É só perto de uma hora de metragem que Miike vai revirando sua obra do avesso. Eu consigo ver AUDIÇÃO como uma espécie de materialização do medo que os homens sentem das mulheres. Isso é até comentado brevemente pelo filho do protagonista (tenho medo das mulheres, ele diz). O filme poderia muito bem ser um exploitation bem sem-vergonha, mas a opção por um tom mais sóbrio fez com que se tornasse a obra mais celebrada do prolífico diretor. É também um belo exemplar de como o narrador opta pela crueldade da vida (a vida que pode ser maravilhosa, nas palavras do protagonista), em vez do acordar para uma vida confortável. Filme visto no box Obras-Primas do Terror 5.

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