sexta-feira, fevereiro 08, 2019

BOY ERASED - UMA VERDADE ANULADA (Boy Erased)

Os dias estão cada vez mais sombrios em nosso país e no mundo. Por isso que certos filmes que uma década atrás teriam um peso menor adquirem um gesto político muito mais intenso e cheio de fúria. BOY ERASED - UMA VERDADE ANULADA (2018) ganhou os holofotes recentemente por ter tido sua estreia nos cinemas cancelada no Brasil pela Universal, sua distribuidora, que não quis se arriscar com um filme menor e que não recebeu nenhuma indicação ao Oscar - Lucas Hedges havia recebido uma indicação de ator no Globo de Ouro.

Não é a primeira vez que Hedges, 22, interpreta um jovem gay tendo que esconder do mundo o que ele é - pudemos ver em menor escala no ótimo LADY BIRD - A HORA DE VOAR, de Greta Gerwig um papel parecido, quase uma prévia do que ele faria no filme de Joel Edgerton.

O impacto de BOY ERASED para o espectador, principalmente o espectador de linha progressista, é de raiva mesmo, a cada sessão que o protagonista tem que passar na terrível terapia de reorientação sexual. Há igrejas que não chegam ao cúmulo de fazer ou criar tais terapias, mas acabam por também fazer com que as pessoas vivam em negação e auto-enfrentamento de seus desejos, ao pensar que tudo o que pensam e querem é fruto do pecado, de tentações demoníacas.

Na trama, Jared Eamons (Hedges) é um jovem que inicia a vida universitária e é quase estuprado por um colega. O tal colega, passando por um momento difícil, deseja se confessar para Eamons, mas depois começa a achar que o rapaz será um perigo para ele. Por isso, o garoto prefere dizer mentiras sobre Eamons aos pais dele, que começam a questionar o filho sobre sua orientação sexual. Detalhe: o pai de Jared, vivido por Russell Crowe, é um pastor evangélico.

Na mesma noite, Jared resolve contar aos pais que tem pensamentos com homens, e que acredita ser homossexual. A mãe (Nicole Kidman) também fica muito transtornada. A solução que o pai encontra é chamar homens da igreja para orar e tomar medidas que possam "ajudar" o filho. A ajuda, então, vem na forma da terapia de reorientação sexual. Cada cena que se passa nesse lugar é carregado de uma aura tão pesada que é impossível não ficar com raiva de tudo aquilo.

Jared Eamons é o alter-ego de Garrard Conley, autor do livro de memórias que deu origem ao filme. Pelo que vemos, ele chegou a testemunhar pouca coisa. Poderia ter ficado mais tempo para contar mais detalhes dos bastidores terríveis desse lugar. Mas o que viu foi suficiente para escrever um artigo para o The Times e depois um livro.

Há uma cena em BOY ERASED, de diálogo entre pai e filho, que dá para fazer uma paralelo com o diálogo do pai do garoto de ME CHAME PELO SEU NOME, de Luca Guadagnino. A diferença é que aqui a realidade dói mais, pois temos um pai com uma dificuldade muito grande de aceitar o filho como ele é, devido à sua formação moral e religiosa.

+ TRÊS FILMES

A ROTA SELVAGEM (Lean on Pete)

Do mesmo diretor de 45 ANOS (2015), este filme segue a tortuosa vida de um jovem adolescente que mora só com o pai que não tem dinheiro para lhe sustentar. É então que ele resolve trabalhar como ajudante de um homem que cuida de cavalos de corrida. O elenco é bom e o rapaz que faz o protagonista é ótimo. Há pelo menos três cenas muito boas e fortes. Pena que eu estava muito cansado no dia. Direção: Andrew Haigh. Ano: 2017.

EU NÃO SOU UMA BRUXA (I Am Not a Witch)

Depois de ver PERSONA, de Bergman, ver este filme aqui é um balde de água fria. Não que não tenha sua importância no quesito de denúncia sobre um caso absurdo. Mas é tão absurdo que parece surreal o que é mostrado na tela. Ainda não tive a chance de ver se o que apresentam na trama acontece de fato na Zâmbia. Acho que me incomodei também com o país. Mesmo o Brasil de hoje fica parecendo um paraíso. Direção: Rungano Nyoni. Ano: 2017.

MEU QUERIDO FILHO (Weldi)

O filme, pela temática, lembra um pouco OS COWBOYS, de Thomas Bidegain, mas tem menos força na hora de nos colocar no lugar dos personagens. Mesmo o personagem do pai parece um tanto bobo em sua busca pelo melhor para o filho. E o filho, do modo como é pintado, acaba sendo visto por nós como digno de nosso desprezo e do destino ruim que ele escolheu. Embora haja esse pano de fundo da situação na Síria, o filme é até bem universal, na questão de pais e filhos. Direção: Mohamed Ben Attia. Ano: 2018.

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