sábado, julho 23, 2016

MÃE SÓ HÁ UMA



Na época de É PROIBIDO FUMAR (2009) muitas críticas citavam o aspecto lado A e lado B presente no filme, algo que aparecia de maneira mais clara em DURVAL DISCOS (2002), o longa-metragem de estreia de Anna Muylaert. Do mesmo modo, tem se buscado uma associação entre QUE HORAS ELA VOLTA? (2015) e o novo MÃE SÓ HÁ UMA (2016). Em comum, logo de cara, o tema da maternidade está novamente presente na obra desta que já se apresenta como um dos cineastas mais interessantes do Brasil atualmente.

A comédia que dava mais o tom em QUE HORAS ELA VOLTA? desta vez aparece de maneira mais discreta, dando mais espaço para o absurdo drama da perda da mãe e da busca de identidade de Pierre (Naomi Nero), um rapaz que costuma ter uma vida tranquila com a mãe (Daniela Nefussi) e sua irmã pequena (Lais Dias). Seu mundo cai quando ele descobre que foi roubado na maternidade, que sua mãe está presa por isso, e que ele será obrigado a se adaptar ao novo lar, o lar de seus pais biológicos, vividos por Matheus Nachtergaele e também pela mesma atriz que faz a outra mãe de Pierre, o que ajuda a acentuar a confusão mental do rapaz, bem como a enfatizar o próprio título do filme.

Interessante o modo como Muyalert constrói sua narrativa, com umas elipses interessantes e necessárias, já que a intenção é contar a história de convivência de Pierre com sua nova família em um intervalo de tempo não determinado, mas que passa a impressão de ser no mínimo de um mês. Tudo isso em enxutos 82 minutos de duração. Aliás, a edição é tão acertada que MÃE SÓ HÁ UMA é daqueles filmes que passam voando, que poderia ter se esticado mais um pouco, mas que, por outro lado, termina no momento certo. E dessa vez seguindo uma cartilha menos clássico-narrativa do que o trabalho anterior da diretora.

Outra coisa muito importante para o filme é a construção do personagem Pierre/Felipe. Seu mundo vira de cabeça pra baixo justo quando ele está em processo de descoberta de sua identidade de gênero, que, aliás, o filme trata de fazer questão de não simplificar. Desde o começo, ele é mostrado como um rapaz que gosta de usar calcinha e maquiagem, mas que não deixa de transar com garotas por isso. Ele até faz muito sucesso com elas. Uma das cenas mais interessantes do filme acontece quando ele vai provar uma roupa com seus pais biológicos, que querem moldá-lo à maneira deles. Em determinado momento, ele fala: "é só uma roupa!", ao procurar fazê-los entender a bobagem que é discutir sobre aquilo.

Uma coisa que pode incomodar um pouco os espectadores é o modo como Muylaert, mais uma vez, coloca alguns personagens quase como caricaturas, como é o caso dos pais biológicos de Pierre, o que lembra um pouco os pais de Fabinho em QUE HORAS ELA VOLTA?. Porém, esse tipo de representação pode ser visto também como uma provocação da diretora com o modelo tradicional da família brasileira, em uma continuação do que havia sido visto em seu trabalho anterior. O que importa é que estamos diante de mais uma obra sólida e consistente de uma diretora que tem ajudado a enriquecer a nossa cinematografia nacional.

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