domingo, junho 15, 2025

A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA



Certa vez, de posse do livro de contos Sagarana, de Guimarães Rosa, me dispus à tarefa de ler o conto de "A Hora e Vez de Augusto Matraga", para, em seguida, assistir à adaptação fílmica, que é algo que me dá muito prazer. Meu mestrado se deu em torno de adaptações/traduções da literatura para o cinema e esse prazer de pensar o filme à luz da obra literária, ou vice-versa, acontece desde a aurora de minha cinefilia: lembro de quando vi no cinema A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO SER, de Philip Kaufman, tendo ainda fresquinho na memória o romance homônimo de Milan Kundera; ou quando li O Cemitério, de Stephen King, meses depois de ter visto no cinema CEMITÉRIO MALDITO, de Mary Lambert. Ou seja, o caminho inverso também é muito interessante, embora possa atrapalhar quando pensamos nas feições do ator ou da atriz do filme enquanto lemos o texto literário.

Pois bem. Acontece que tive uma tristeza ao pegar a cópia então disponível na internet de A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA (1965), de Roberto Santos. A cópia existente até então tinha um som muito ruim, quase indecifrável. E foi isso que me fez desistir de ver o filme. Não entender o que os personagens estão dizendo, mesmo que em português, me incomoda bastante. (Aconteceu o mesmo quando tentei ver A ILHA, de Walter Hugo Khouri.) Eis que neste ano, um fórum de compartilhamento de filmes disponibilizou a versão restaurada em 2K do filme, uma versão que até tem algumas falhas no áudio, mas é por causa do master em 35 mm presente nos arquivos da Cinemateca Brasileira, que já estava danificado em alguns poucos trechos. Foi ele que serviu de base, já que os negativos originais estavam em pior estado. Assim, essa remasterização é o que há de mais próximo da beleza da fotografia original, a cargo de Hélio Silva, o mesmo de O GRANDE MOMENTO (1958), um dos títulos anteriores (e muito celebrados) de Santos.

A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA é um dos mais belos filmes que já vi na vida. Sem dúvida alguma. E ainda sonho em poder vê-lo na telona, quando for possível um relançamento nessa nova cópia, que está, ao que parece, no limbo da distribuição. Roberto Santos faz uma obra tão à altura do conto de Guimarães Rosa que é de deixar a gente de queixo caído. Dizem que o próprio Guimarães amou o filme e que considerou várias partes até melhor que seu conto.

A obra fílmica já impressiona desde as primeiras imagens, quando percebemos o trabalho incrível de mise-en-scène e a música de abertura cantada por Geraldo Vandré, que diz "Se alguém tem que morrer que seja pra melhorar". E isso é representativo da trajetória do herói, Augusto Matraga, antes um homem com a maldade na alma, mas não tão diferente assim dos demais homens de mais posses daquele sertão mineiro violento. É preciso que ele "morra" (e uma morte muito cruel, muito dolorosa de se ver, e muito impressionante para um filme de 1965) para que renasça num novo homem.

É tudo tão perfeito no filme de Santos que é quase um milagre sua existência, uma dessas coisas que parecem ter nascido de uma conjunção astral muito particular. Leonardo Villar está em estado de graça como o personagem-título e Jofre Soares está incrível como o pistoleiro Joãozinho Bem-Bem. A luta na igreja entre Augusto e João é de tal beleza épica que me fez lembrar do confronto entre Heitor e Aquiles no clássico Ilíada, de Homero. O sorriso no rosto dos dois homens, mesmo que ensanguentados, ao estarem enfrentando adversários por quem têm muito respeito, chega a ser tocante.

E para que se chegue até esse momento, toda a trajetória de renascimento de Augusto é cheia de beleza, entrega, indignação, consternação, dor, alegria, compreensão da própria força, como na cena da disputa de força física entre Augusto e um burrinho selvagem. Quando Augusto monta o burrinho sem ter que segurá-lo é como se ele soubesse naquele instante que seu lado animal estava não apenas domado, mas também pronto novamente para enfrentar. Mas agora ele é um outro Augusto, um Augusto que encontrou Deus, que foi salvo por um casal de agricultores muito humildes que cuidou dele como a filho, e por isso mesmo sua visão de mundo passa a ser mais espiritual, ainda que também mais conflitiva. Por isso na cena que ele se aproxima da igreja que está sendo invadida pelo bando de Joãozinho Bem-Bem, sua presença representa uma espécie de resposta às preces de quem está dentro da igreja. Melhor ainda: da definição de seu papel no mundo.

Ver A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA é perceber a beleza dos planos e o cuidado com os travellings. Adoro aquele em que o homem que cobiça Dionóra (Maria Ribeiro), a esposa de Matraga, passeia pela casa enquanto a mulher está à janela. E o que dizer do gesto do servo de Matraga, vivido por Flávio Migliaccio, ao lutar contra os inimigos do patrão, mesmo sabendo que não terá a menor chance? E tudo isso em cortes perfeitos a cargo do montador Silvio Renoldi, poucos anos antes de montar clássicos do cinema brasileiro, como O BANDIDO DA LUZ VERMELHA, AS DEUSAS e LÚCIO FLÁVIO, O PASSAGEIRO DA AGONIA, entre tantos outros.

Essa junção da direção acertada de Santos, com o texto sobrenatural e fabuloso de Guimarães, do roteiro de Santos com Gianfrancesco Guarnieri que completa com sabedoria o texto literário, da fotografia em preto e banco de Hélio Silva que destaca as sombras dos interiores e dos momentos mais sombrios e a luz intensa do sol do sertão, das interpretações inspiradas do elenco, da música de Vandré, tudo isso faz com que queiramos rever o filme, saboreando cada momento com atenção: cada frame, cada detalhe, cada olhar e cada gesto. Não é todo dia que se vê algo assim, não.

+ TRÊS FILMES

MANAS

Usam muito o termo "coming of age" para descrever histórias que apresentam o processo de amadurecimento de um menino ou uma menina. Mas ao ver agora, rapidamente, alguém descrevendo MANAS (2024) desta forma vi o quanto não vi o filme dessa maneira, de tão porrada que ele é. Pra começar, não é nada fácil ver filmes sobre abusos cometidos a menores, mas também vejo o quanto um trabalho como este é importante e necessário. Mas a grande vantagem deste terceiro longa-metragem de Marianna Brennand é que não se trata apenas de um filme-denúncia, mas que também tem seus valores estéticos que saltam aos olhos: há uma cena, por exemplo, em que Marcielli (Jamilli Correa), a menina protagonista, é abordada pelo pai e um jogo de sombra faz lembrar M – O VAMPIRO DE DÜSSELDORF, de Fritz Lang. E há muitas sequências brilhantemente pensadas para na posição da câmera e no essas mesmas cenas aparecem de forma mais impactante por causa dessas escolhas, como nas cenas na casa onde a família mora, uma casa simples em que todos dormem num mesmo lugar, com apenas uma cama e várias redes. Além de tudo tem isso: a apresentação de um universo que é novo para a maioria dos brasileiros, a Ilha de Marajó. MANAS é um daqueles filmes que chamam de "slow burn", mas quando pega fogo mesmo mexe muito com a gente. Adorei o papel de Dira Paes, como a policial federal que procura ajudar Marcielli.

UM OUTRO FRANCISCO

"Partiu Cannes!" Sabia que ia ter a oportunidade de dizer, mas pelo menos agora a Cannes que visitei, com este filme, foi a cidade romeira de Canindé, no Ceará, onde se passa a maior parte da jornada de dois fotógrafos italianos dispostos a usar a arte e a técnica da fotografia para flagrar e compreender a festa de São Francisco que acontece na cidade, com demonstrações de fé dos fiéis, além de outros espaços da cidade, como um parque de diversões ou até um abatedouro. Em UM OUTRO FRANCISCO (2022) discute-se questões éticas do fotógrafo ao registrar alguém que está doente ou em situação de miséria moral ou financeira. E também discute-se diferenças culturais quando se compara o culto a São Francisco na cidade de Assis, na Itália, e como se dá em Canindé. A diretora Margarita Hernández, no que parece ser seu primeiro longa para cinema, consegue entrevistas com personagens carismáticos, como a mulher que adora fotografar, ou os meninos que confundem a câmera com uma arma, ou a adolescente que se vê mãe tão cedo. Um belo trabalho.

RITAS

Gosto muito de sair de uma cinebiografia gostando mais ainda do biografado. Então, por mais que eu já admirasse Rita Lee, já achasse linda e talentosa, neste doc a gente passa a ver Rita também como uma mulher linda por dentro: corajosa e ousada na construção de suas canções, defensora dos animais, uma capricorniana sábia e sensível. RITAS (2025), de Oswaldo Santana, é costurado a partir do relato da própria cantora e compositora, inclusive com imagens inéditas dela falando para a câmera como se já deixasse aquilo de registro para ser visto postumamente, como se já soubesse que era uma despedida: não à toa, ela dizer "Hello, goodbye" no prólogo não é apenas uma citação aos Beatles. E em outro momento ela também se refere à vida dela no passado. Mas o filme é cheio de vitalidade, cheio de energia: a energia do sol (dos cabelos vermelhos) e da luz (dos cabelos brancos), como ela destaca. Há poucos momentos na fase com os Mutantes, mas foi melhor assim: até para que o filme centrasse na tão rica carreira solo dela, e também em várias aparições da artista em programas de televisão, filmes e em shows de artistas de alto gabarito, como Maria Bethânia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina e João Gilberto. As entrevistas que ela dá revelam sempre uma pessoa muito feliz e muito disposta a enfrentar o establishment, principalmente na época da censura, na ditadura militar, mas não apenas. Ela sabia que vivia numa sociedade extremamente conservadora, e ela insistia em desafiar essa sociedade com sua arte, tão cheia de sensibilidade e também com uma sexualidade lindamente aflorada. Hoje também posso dizer que tive muita sorte de ter ido a um show da Rita Lee, nos meus tempos de faculdade, nos anos 1990, na turnê de Santa Rita de Sampa (1997). E foi incrível.

sábado, junho 07, 2025

MISSÃO: IMPOSSÍVEL – O ACERTO FINAL (Mission: Impossible – The Final Reckoning)



A franquia Missão: Impossível nasceu num momento em que Tom Cruise estava construindo uma carreira perfeita, a partir da parceria feita com grandes cineastas autores. Nesse período, que vai dos anos 1980 até os anos 2000, ele trabalhou com gigantes como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Ridley Scott, Tony Scott, Oliver Stone, Neil Jordan, Steven Spielberg, Michael Mann, Stanley Kubrick e Paul Thomas Anderson. Por isso que os três (ou quatro?) filmes da franquia Missão: Impossível foram dirigidos por gente como Brian De Palma, John Woo, J.J. Abrams e Brad Bird. A ideia, até então, era que cada filme tivesse a cara de seu diretor.

Eis que tudo muda com MISSÃO: IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA (2015), dirigido por Christopher McQuarrie, que dirigiria também os próximos três filmes da cinessérie. Tom Cruise havia gostado de trabalhar com McQuarrir em JACK REACHER – O ÚLTIMO TIRO (2012), mas na verdade McQuarrie já era um roteirista presente em vários outros filmes estrelados pelo astro – desde OPERAÇÃO VALQUÍRIA (2008). E essa parceria acabou dando muito certo num momento em que Cruise assumiu de vez a posição de astro de filmes de ação, e não mais aquele cara que quer ganhar o Oscar ou ficar “à sombra” de um grande autor. Agora ele é dono de seus filmes, o produtor. E um produtor muito exigente, que faz questão até de, ele mesmo, estar presente em cenas bem perigosas, quando poderia usar um dublê.

MISSÃO IMPOSSÍVEL – NAÇÃO SECRETA também foi o filme que trouxe pela primeira vez a belíssima atriz sueca Rebecca Ferguson no papel de Ilsa Faust, uma personagem moralmente ambígua, uma ex-agente de inteligência empregada pelo MI6. Infelizmente Ilsa morre em MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS: PARTE UM (2023) e pra mim fez muita falta no último filme da série, sua continuação direta, mas uma obra mais ambiciosa, MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO FINAL (2025), que não conta com o mesmo ritmo frenético do anterior e que traz temas mais sérios e exige um pouco mais de concentração por parte do espectador, por mais que a maior parte da informação repassada possa ser relevada, como acontece em muitos filmes de espionagem, quando o que importa é conseguir concluir a missão, muitas vezes só compreendida quando ela já está sendo executada – esse recurso é até inteligente, pois evita repetições e mais blá-blá-blá e até traz algumas boas surpresas na hora da ação.

No sétimo e no oitavo filmes da franquia, Tom Cruise e seu fiel escudeiro, o diretor Christopher McQuarrie, sentiram o desejo de fazer um grande épico, a mais longa aventura de Ethan Hunt, e isso acabou beneficiando mais a primeira parte, de 2023. Nesta segunda, há uma intenção de tornar a ameaça cibernética, uma inteligência artificial chamada A Entidade, como algo maior que um mero mcguffin, e por isso há longos e confusos diálogos a respeito, alguma tentativa de estabelecer certo vínculo com o atual momento geopolítico e certa crítica à dependência que temos do mundo digital e da internet, por mais que no fim das contas saibamos que Missão: Impossível é mesmo sobre obstáculos extremamente difíceis a ser superados.

Inclusive para o próprio Tom Cruise, que até já quebrou o tornozelo uma vez, nas filmagens de um dos mais festejados títulos da cinessérie, MISSÃO: IMPOSSIVEL – EFEITO FALLOUT (2017). O ACERTO FINAL tem o problema de se levar a sério demais e entregar uma quantidade menor de cenas empolgantes, diferente do anterior – além de terem matado uma personagem muito querido no filme passado. A sorte é que, ainda assim, este aqui ainda tem duas atrizes bem carismáticas, Hayley Atwell, a ladra, e Pom Klementieff, a assassina, ambas apresentadas no filme anterior.

As duas cenas de ação mais importantes são a do submarino (bem longa, mas também bem tensa e marcante) e a dos bimotores. E são cenas que se beneficiam do realismo do estilo antigo de filmar, com bem menos uso de CGI. Não deixa de ser um mérito e tanto para os dias de hoje em Hollywood, que faz com que saiamos das sessões de aventuras com a impressão de ter visto uma produção toda feita em computador. Claro que, além da vontade, é preciso muito dinheiro para executar esse tipo de projeto, mais analógico.

Esse ar de maior ambição (e de saudosismo) deste novo filme vem também de uma vontade de fazer uma auto-homenagem, trazendo cenas de títulos anteriores e fazendo uma conexão direta com a história do primeiro e hoje clássico MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996), dirigido por Brian De Palma. As imagens em forma de flashbacks rápidos servem para dar um tom de despedida à franquia e trazer também uma dúvida sobre o futuro da carreira de Cruise. Será que ele vai deixar os filmes de ação e ingressar em filmes de autores consagrados novamente? É possível, já que a idade chega e também há o projeto já em andamento para o ano que vem, sob direção de Alejandro G. Iñarritú, cujo O REGRESSO deu finalmente um Oscar a Leonardo DiCaprio.

+ TRÊS FILMES

BAILARINA (Ballerina)

Talvez se este filme tivesse sido lançado antes do primeiro John Wick, aqui chamado de DE VOLTA AO JOGO (2014), ele fosse visto como sendo algo mais interessante e até inovador, mas a ideia de um spin-off sem muita inventividade e protagonizado por Ana de Armas (talvez por sua boa cena de ação em 007 – SEM TEMPO PARA MORRER) teria funcionado se os criadores da franquia original, principalmente Chad Stahelski, tivessem assumido a direção e o comando também de BAILARINA (2025). Entregar para um cara apagado e sem talento como Len Wiseman ( ANJOS DA NOITE - UNDERWORLD, 2003) é como entregar o ouro ao bandido, ou então não estar muito interessado na reputação tão boa que a franquia estrelada por Keanu Reeves alcançou de público e crítica. Aqui temos uma história de vingança que também não funciona muito bem como história de vingança. Ou funciona em parte, já que no momento em que ela chega no KG do chefe da organização criminosa o filme começa a ficar mais interessante - gosto especialmente de uma cena envolvendo fogo e água, que é simbólica do feminino contra o masculino. Outro problema é que John Wick representa um momento de transição do cinema de ação americano, que passou a olhar mais atenciosamente para as produções de ação de Hong Kong e talvez também da Tailândia para a elaboração das cenas. O que fica em BAILARINA é o ar de familiaridade com o que já conhecíamos: o hotel Continental, os personagens de Ian McShane e Lance Reddick, as moedas de ouro e, claro, a participação de Keanu Reeves. Ana de Armas tem, sim, um grande carisma e já tem um currículo invejável, mas merecia um diretor melhor, até para ter, finalmente, um bom filme inteiramente protagonizado por ela.

O ESQUEMA FENÍCIO (The Phoenician Scheme)

Acompanho Wes Anderson no cinema desde TRÊS É DEMAIS (1998), quando ele ainda não havia sedimentado seu estilo. A partir de OS EXCÊNTRICOS TENEBAUMS (2001), porém, seu estilo ficou inconfundível e sua direção de arte e seu trabalho de simetria tornariam sua assinatura de fácil identificação. Acho incrível o quanto o diretor segue fazendo seu cinema sem concessões e aparentemente livre de interferência de produtores e estúdios. E ainda com elencos invejáveis, com os atores provavelmente trabalhando com salários bem menores para que as produções sejam possíveis. E nem se trata de ser a mesma trupe de amigos: a cada filme, novos nomes talentosos se juntam a seu time. O ESQUEMA FENÍCIO (2025) faz uma homenagem às antigas aventuras rocambolescas dos anos 1920-40, e em especial ao trabalho do diretor e produtor Alexander Korda, de O LADRÃO DE BAGDÁ. O filme é estrelado por Benicio Del Toro, que faz o papel de um chefão do crime que é constantemente alvo de tentativas de assassinato por parte de vários inimigos. O ESQUEMA FENÍCIO não me pegou tanto quanto o anterior ASTEROID CITY (2023), onde eu consegui penetrar no aparente jogo racional de Anderson. Mas acredito que posso ter visto num dia ruim. De todo modo, é difícil não admirar o trabalho do diretor, suas obsessões e seu estilo narrativo semelhante a um livro e às vezes a uma pintura, mas essencialmente cinematográfico.

VINGANÇA (The Assignment)

Quando soube da premissa deste filme já fiquei logo interessado em ver. É mais ou menos como se a personagem-vítima de A PELE QUE HABITO, de Pedro Almodóvar, fosse partir para a vingança depois de ter sido capturada e transformada em mulher numa cirurgia de mudança de sexo. Ou seja, é um tipo de filme que se arrisca no mau gosto, em ser acusado de transfóbico, inclusive, mas ao mesmo tempo é sempre muito atraente. Ou talvez por isso mesmo seja atraente, assim como também chama muito a atenção seu dinamismo como filme de ação criminal, com uma narração em voice-over da protagonista que às vezes lembra um Frank Castle (o Justiceiro, da Marvel), sendo que o nome do personagem é Frank Kitchen. Ainda bem que as cenas de Michelle Rodriguez de barba são poucas, pois são as que menos funcionam, embora uma cena de prótese seja importante para enfatizar o membro perdido, mas depois a atriz entrega muito bem como a pessoa atormentada e disposta a partir pra cima dos responsáveis pelo que lhe aconteceu. Gosto das transições entre cenas, quando Walter Hill, cujo auge como cineasta aconteceu nos anos 1970 e 80, faz brincadeiras com desenho e uso de íris, o que acaba tornando a apreciação deste VINGANÇA (2016) quase como uma leitura de um quadrinhos. Sigourney Weaver interpreta a cirurgiã responsável pela operação, e principal condutora da narrativa. Uma bela surpresa. Valeu pela dica, Cristian Paiva!