domingo, maio 15, 2022

O PESO DO TALENTO (The Unbearable Weight of Massive Talent)



Nicolas Cage é um ator singular. É cultuado pelos mesmos motivos que é rejeitado por uma classe de cinéfilos mais exigentes. Afinal, nos últimos anos – nas últimas décadas, eu diria –, ele tem acumulado muito trabalho. Com cerca de três a quatro filmes por ano, muitos desses filmes são sequer lembrados pela mídia, muitos deles indo parar direto no mercado de VOD. De vez em quando, aparece um ou outro que tem sido objeto de elogio da crítica, como MANDY – SEDE DE VINGANÇA (2018), PIG (2021) e A COR QUE CAIU DO ESPAÇO (2019). Os dois primeiros eu ainda não vi e preciso colocar na minha lista de filmes para ver no futuro (próximo?).

Quanto aos filmes bem ruins, basta lembrar de coisas como REFÉNS (2011), O PACTO (2011), O RESGATE (2012), FÚRIA (2014) e O APOCALIPSE (2014), que, aliás, é um dos meus guilty pleasures com o ator, junto talvez com FÚRIA SOBRE RODAS (2011). Evitei citar filmes da década de 2000, pois há vários muito bons.

Quanto a O PESO DO TALENTO (2022), do quase estreante Tom Gormican, vejo como uma obra que tem uma premissa muito melhor do que o resultado. É coerente com a grande maioria dos filmes contracenados por Cage, em sua maioria escolhidos de qualquer jeito, sem muito rigor, ao sabor do que lhe é ofertado. Mesmo assim, o início do filme parece uma espécie de grito de liberdade de Cage, seja pelo fato de ele dizer que adora trabalhar muito, seja pela busca por projetos mais ambiciosos, como na cena em que ele conversa com o cineasta David Gordon Green – que já o dirigiu em JOE (2013).

O próprio momento em que os personagem de Cage e Pedro Pascal resolvem construir eles mesmos o filme a princípio roteirizado pelo fã (Pascal) é representativo dessa sensação de qualquer falta de rigor, embora eu não veja isso como um problema em si, uma vez que a direção saiba lidar muito bem com o improviso. 

Na trama, Cage interpreta a si mesmo – na verdade, uma persona que se confunde com ele. Frustrado por não obter um papel que julga importante, ele aceita comparecer à festa de aniversário de um homem bilionário que é seu fã, e que oferece um milhão de dólares apenas por sua presença. O que ele não sabe é que o tal homem pertence a uma família envolvida em sequestro e tráfico de drogas. 

Há alguns momentos divertidos, mas creio que são poucos, levando em consideração que o tom cômico predomina do início ao fim. Inclusive, imagino que não deve ser muito divertido para quem não entende as referências. Para quem entende, e tem um pouco de cinefilia no sangue, é legal ver o entusiasmo do personagem por O GABINETE DO DR. CALIGARI e a citação a PADDINGTON 2, como tanto um elemento de louvor ao filme, como uma piada que funciona bem.

O PESO DO TALENTO funciona um pouco como um filme sobre a construção de uma amizade entre dois homens de diferentes mundos. Mas nem tanto, já que o aspecto dramático – e isso inclui também as cenas de ação – fica prejudicado por um tom de comédia pouco eficiente. Como se o diretor não conseguisse ou não quisesse deixar entrar situações que poderiam render um belo espaço para outro tipo de emoção, explorando melhor a relação do personagem com sua família, por exemplo. Uma pena.

+ DOIS FILMES

INCOMPATÍVEL

Uma comédia romântica com aquele gostinho de produção feita há alguns anos, inclusive com as mesmas situações desconfortáveis e constrangedoras que são confundidas com declarações de amor, que se transformaram em fórmulas do gênero. Mas INCOMPATÍVEL (2022) tem o seu atrativo, e muito disso vem do carisma (e do sorriso) de Nathalia Dill, que infelizmente faz muito mais televisão do que cinema. E há também que se dar crédito ao protagonista, Gabriel Louchard, criador da série HOMENS? e que aqui está muito bem, principalmente a partir do momento em que seu personagem entra em contato com a youtuber vivida por Dill, a responsável pelo fim de seu casamento. Embora o filme trate de situações bem atuais, como a utilização de redes sociais como substituição da cachaça (ou como acréscimo a ela), o diretor Johnny Araújo, de bons filmes como DEPOIS DE TUDO (2015) e LEGALIZE JÁ – AMIZADE NUNCA MORRE (2017), que funcionaram como veículos para louvar o rock e o comportamento dos anos 1980 e 90, parece estar um pouco fora de seu ambiente natural nesta comédia mais contemporânea.

RIO DE VOZES

Documentário que aborda a vida de algumas pessoas que moram em cidades às margens do Rio São Francisco, na Bahia e em Pernambuco, RIO DE VOZES (2019), de Andrea Santana e Jean-Pierre Duret, é um filme que trata tanto do estado preocupante do rio do ponto de vista ecológico, quanto de algumas pessoas encontradas durante as filmagens e que foram escolhidas para ficarem no corte final, principalmente gente ligada à pesca. Esse tipo de documentário é muito dependente do acaso, mas tem a sorte de encontrar alguns personagens bem interessantes e acho até que termina com a dupla de melhores personagens aparecendo no momento mais poético: uma estudante e seu avô octogenário que trabalha na roça cantando uma antiga canção. É um filme contemplativo, na medida que também nos chama para olhar a beleza do rio, especialmente quando banhado pela luz do sol.

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