sexta-feira, novembro 20, 2020

WENDY E LUCY (Wendy and Lucy)



Nos últimos anos estou tendo a oportunidade de aprender muito sobre a "invisibilidade" dos filmes dirigidos por mulheres e do quanto existem realizadoras tão impressionantes que chega a ser um absurdo o fato de esses filmes não terem feito sucesso mesmo no circuito alternativo mais restrito, que só recentemente está seguindo as tendências de valorização desses trabalhos em festivais no mundo todo. De Kelly Reichardt só tinha visto o ótimo CERTAS MULHERES (2016), um filme poderoso. Lembro que na época que escrevi sobre ele já me cobrava de ir atrás de outros filmes da cineasta. Não sei por que não fiz isso. De todo modo, aqui estou de volta vendo um trabalho sensível dela, a pequena obra-prima WENDY E LUCY (2008), que conta com Michelle Williams, uma atriz que eu só percebi o quão gigante é nos últimos anos também.

Aqui ela é uma jovem mulher na faixa dos seus vinte anos que está sozinha e com pouco dinheiro em uma cidade do norte dos Estados Unidos. Sua intenção é ir para o Alaska recomeçar a vida. O filme não nos conta detalhes sobre o que aconteceu com ela que a fez deixar tudo para trás, mas um telefonema em determinado momento da narrativa nos dá uma ideia. E se na própria família ela parece não encontrar apoio, naquela cidadezinha pequena, sem dinheiro para dormir em um motel ou para consertar o carro, as coisas ganham uma dimensão ainda mais dramática com o sumiço de sua cachorrinha Lucy.

A situação me fez lembrar ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO?, de Abbas Kiarostami, em que uma criança tenta a todo custo entregar o caderno de seu coleguinha de sala de aula para que ele não seja prejudicado. (Em entrevista à Slant, a diretora não citou este filme como referência, mas lembrou de UMBERTO D., de Vittorio De Sicca, e de outros exemplares do neorrealismo italiano.) O que temos nesse tipo de abordagem que parece lidar com situações menores é perceber que essas situações não são menores. Não estamos diante de um filme de guerra ou um melodrama de doença terminal, mas a angústia que Wendy, a personagem de Williams, sente ao longo de sua passagem por aquela cidade é igualmente sentida do lado de cá da tela. Fazer isso apenas com a força dos gestos, dos olhares, com diálogos curtos, é um feito e tanto.

Além do mais, WENDY E LUCY nos faz pensar na crueldade do sistema capitalista (a própria cineasta passou financeiramente por maus bocados em sua vida), no machismo, mas também na rara bondade que existe na raça humana. É o caso do senhor que trabalha como segurança e que é o representante dessa esperança que ainda guardamos na raça humana. Coisas que nos fazem seguir em frente com um teor menor de amargura.

Agradecimentos à Paula por ter visto este filme comigo, ainda que à distância.

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