domingo, novembro 22, 2020

BABENCO - ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU



Hector Babenco sempre foi um diretor que transitou pelo caminho da marginalidade através de sua obra e também pelo fato de se sentir apátrida, já que não acreditava ser bem aceito pelos brasileiros, o país que ele escolheu para morar e para seguir carreira de diretor de cinema, nem pelos argentinos, os seus compatriotas. Na Argentina, aliás, Babenco só fez um filme, CORAÇÃO ILUMINADO (1998), que funciona como um filme-testamento até mais do que seu filme de despedida, MEU AMIGO HINDU (2015), que trata mais de seu momento de enfrentamento da morte nos hospitais do que de resgate de suas origens ou de aprofundamento de seu passado.

De certa forma, Bárbara Paz consegue fazer isso para ele neste filme póstumo e de homenagem ao homem e ao artista. BABENCO - ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU (2019) está ganhando mais notabilidade agora, com a escolha de uma comissão para ser o filme para representar o Brasil no Oscar 2021, do que na época do Festival de Veneza 2019, quando ganhou um prêmio de melhor documentário, em um ano que foi inegavelmente um dos mais brilhantes para o cinema brasileiro em termos de prêmios internacionais.

A estreia de Bárbara Paz na direção é explicitamente tateante, e ela tem a humildade de mostrar isso na tela. Se ela tem dificuldade de encontrar foco na câmera, o marido Hector Babenco lhe dá algumas dicas, ainda que de maneira um pouco impaciente. "Seja paciente com seus alunos", ela diz, carinhosamente. E esta que é a primeira cena de intimidade dos dois tem a ver com essa busca por foco da cineasta na construção de sua obra, que traz tanto imagens dessas cenas do cotidiano de enfrentamento da doença ou de descanso em casa, quanto cenas de filmes de Babenco e imagens de arquivo que ela julgou importante incluir.

As primeiras cenas construídas trazem cenas que dizem muito do estado de espírito de quem está travando aquela que será sua última batalha contra o câncer: imagens de personagens acuados em filmes como PIXOTE - A LEI DO MAIS FRACO (1981) e O BEIJO DA MULHER-ARANHA (1985) ou de mistos de explosões de loucura e entusiasmo em filmes como BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR (1991) e o já citado CORAÇÃO ILUMINADO. Ou seja, ela já começa com escolhas inteligentes e sensíveis para a construção de um filme que é tanto uma obra de montagem quanto um herdeiro de um documentário como UM FILME PARA NICK, de Wim Wenders e Nicholas Ray. Em ambos os casos, inclusive, há sempre o cuidado para mostrar o doente não como um coitado, mas com certa crueza no trato com o cotidiano.

Em determinado momento, o próprio Babenco diz que é preciso se adaptar a essa nova realidade, a essa privação de forças que a doença impõe a seu corpo. Ele fala isso quando sente que suas pernas, gradativamente, já perdem forças. O cineasta já vinha enfrentando o câncer desde a época de O BEIJO DA MULHER-ARANHA. Ou seja, foram muitos anos de luta. Quando o vemos nos bastidores de CARANDIRU (2003), ele está com um aspecto bastante abatido quando pede silêncio das pessoas. Imagina só estar doente e ter que encarar uma produção tão complicada e com tantas pessoas (atores e figurantes) envolvidas. E ele fez isso também durante a loucura que foram as filmagens de BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR.

A inclusão de "Exit Music (For a Film"), uma das mais belas e tristes canções do Radiohead nos créditos iniciais, nos ajuda a abraçar o filme desde o começo. E a letra casa muito bem com a situação. "Today. We escape. We escape." ou "Breath. Keep breathing." No cinema, como geralmente acontece em se tratando de música em filmes, a explosão emocional desta canção certamente é muito mais intensa nos espectadores.

O final é também poeticamente belo, com uma afirmação da continuidade de vida de Hector Babenco. Ela utiliza um desejo ou fantasia dele para construir essa ideia de ele estar vivo (ele que venceu tantas vezes a doença nesse longo processo). Mas sabemos que há a eternização pela arte, pelo rico legado, que é muito gentil e carinhosamente tratado por Bárbara Paz.

Agradecimentos à Paula, por ver este filme comigo em esquema de sessão de cinema com distanciamento social.

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