domingo, abril 12, 2015

CORPO DEVASSO



Uma belíssima surpresa este CORPO DEVASSO (1980), que já posso colocar entre os três melhores trabalhos de Alfredo Sternheim, ao lado de ANJO LOIRO (1973) e VIOLÊNCIA NA CARNE (1981). Pode-se notar a habilidade do diretor em lidar tanto com histórias mais sofisticadas, quanto com com filmes mais populares, cujo termo "pornochanchada" lhes cabem melhor. Ainda assim, acho que ele não se saiu tão bem assim em tentar fazer algo parecido com o que Walter Hugo Khouri fazia, em seu filme anterior, A HERANÇA DOS DEVASSOS (1979).

Os anos 80, principalmente a primeira metade, foram bem interessantes para a Boca do Lixo, já que começou uma abertura maior na busca por um erotismo mais gráfico. Muitos dos filmes desse período ainda são mais excitantes do que muito filme pornô que se faz hoje, tanto pela boa condução na narração, quanto por saber lidar com o erotismo com maestria.

No caso de CORPO DEVASSO, isso se deve tanto à participação de Ody Fraga no roteiro, quanto à produção e presença de David Cardoso, o principal nome masculino no elenco dos filmes da Boca do Lixo, o grande galã do cinema paulista da época, e que adorava ficar pelado na frente das câmeras, o que acabava sendo um chamariz também para as espectadoras do sexo feminino.

Tanto é que o tal corpo devasso do título se refere ao dele e não ao de uma mulher, como era de se esperar. Nesse sentido, o filme de Sternheim foi quase revolucionário, ao trazer o tema da homossexualidade com respeito (até pelo fato de o diretor ser gay) e sem as tradicionais visões preconceituosas e afetadas. O cineasta também demonstra o seu amor pelos livros em diversas cenas em que o protagonista (David Cardoso) elogia as bibliotecas pessoais e a cultura das pessoas que ele encontra pelo caminho.

A trama é pra lá de divertida, com Cardoso aparecendo como Beto, um caipira (com cabelo de Jeca Tatu e tudo) tentando aplacar a fome de sexo em uma bezerrinha, quando a filha do seu patrão o pega no flagra e se insinua para ele. Isso acaba lhe prejudicando quando os pais o pegam com ela na cama. Resultado: ele precisa fugir para São Paulo, a megalópole que o maltrata, mas que também traz muitas coisas boas. Lá ele se relaciona com mulheres e também com homens, quando, ao precisar de dinheiro, apela para a prostituição.

Mas, embora as cenas com Raul (Arlindo Barreto) sejam muito boas, as minhas preferidas são as com Neide Ribeiro, que interpreta uma fotógrafa que adora usar os homens como objetos sexuais e depois descartá-los. As cenas com ela são as mais excitantes do filme, tanto pela beleza de seu corpo quanto pelo modo como elas foram filmadas. É também o momento em que o personagem se vê em uma sociedade estranha à que ele estava acostumado, com direito a festas com orgias e tudo.

Pelo menos mais outras duas mulheres passam pelo caminho de Beto, em situações bem distintas. Uma se revelando bastante romântica; outra o querendo como um caseiro e amante. É nesse momento, já perto do final, que o filme perde um pouco o rumo. Poderia ser lembrado como um exemplar quase perfeito do gênero, ao lado de GISELLE, de Victor di Mello, realizado no mesmo ano, e que também contém cenas de sexo homossexual. Além do mais, CORPO DEVASSO trouxe temas que surpreendentemente passaram pela censura sem problemas, como a discussão sobre o socialismo e a difícil luta pelos direitos trabalhistas através da greve.

Nenhum comentário: