sábado, setembro 21, 2013

HOLY MOTORS























Sou um sujeito teimoso. Principalmente no que se refere a grandes filmes lançados em circuito alternativo e que demoram a chegar – ou nunca chegam – a Fortaleza. Eis que, a partir de uma programação especial feita com muito carinho pelos meninos do Dragão do Mar, em sua nova e mais bela encarnação, tive a oportunidade de ver um dos filmes mais fascinantes dos últimos anos, HOLY MOTORS (2012), do francês Leos Carax.

Cineasta de poucos filmes para quem começou na década de 1980 – HOLY MOTORS é o seu quinto longa – e cujo longa-metragem anterior é de 1999 (POLA X), Carax pôde ser visto mais recentemente contribuindo para o filme em segmentos TOKYO! (2008), que também conta com curtas dirigidos pelo sul-coreano Joon-ho Bong e pelo também francês Michel Gondry.

Quem viu TOKYO! (2008) não deve ter se esquecido do segmento "Merde" e de seu personagem homônimo: um louco cego de um olho que come flores e sai derrubando tudo e todos pela frente com sua bengala e suas unhas que lembram o Zé do Caixão. Merde fez tanto sucesso que retornou como um dos personagens encarnados pelo protagonista de HOLY MOTORS (Denis Lavant), dessa vez, contracenando com Eva Mendes, em uma sequência impressionantemente bela, nos subterrâneos de Paris, representando, através da ereção do personagem nu, uma mistura de tesão pela vida com uma melancolia, quando deita-se no colo da bela morena e cobre o próprio corpo de flores. Apesar do tom às vezes irônico, o filme abre espaço para a profunda solidão do personagem, que é sentida com sinceridade ao longo de sua metragem.

A sala de exibição cheia de gente apática e congelada, apresentada no início do filme, remete aos primeiros momentos de O ANO PASSADO EM MARIENBAD, de Alain Resnais. Essa sequência também tem sido comparada a alguns trabalhos de David Lynch, devido ao estranhamento que provoca. E é justamente por causa desse estranhamento que o filme vai se tornando cada vez mais fascinante, a cada nova cena, a cada novo encontro do protagonista com alguém, sempre travestido de um novo personagem.

Os absurdos de cada cena fazem parte da estranha beleza do filme, que, até para compensar a feiúra de seu protagonista, conta com estrelas como Kyle Minogue, Eva Mendes e Elise Lhomeau. Esta última interpreta a moça que chora junto ao velho moribundo, outro personagem interpretado por Lavant. Trata-se da cena que emula a sequência final de 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO, de Stanley Kubrick. A cena é tocante, mesmo com todo o distanciamento que criamos da trama, por sabermos que tudo se passa de uma farsa. Isso é conseguido através de uma bela construção de uma dramaturgia de melodrama com a ajuda de uma música solene e melancólica.

Nos intervalos entre as pequenas histórias que são contadas ao longo deste filme tão múltiplo quanto o personagem, vemos os momentos em que o verdadeiro eu lírico (se é que ele existe de fato) contracena com sua chofer na limusine, lugar que funciona como camarim para que ele se transforme no próximo personagem. Há algo que parece sempre trágico em sua figura, fica no ar uma expectativa de que seja revelado o porquê de o personagem ter que agir daquela forma, o que é, aliás, mais um elemento em comum com COSMÓPOLIS, de David Cronenberg, outro filme que se passa dentro de uma limusine. E que parece ser ainda mais hermético que o trabalho de Carax.

No entanto, Carax deixa bem mais em aberto o seu filme, com várias possibilidades de leitura, embora possa já se considerar de antemão que se trata de um filme sobre o cinema e os espectadores, sobre o atuar, mas também pode ser sobre algo ainda maior: sobre a vida e a morte, a necessidade de viver o máximo possível neste breve intervalo entre o nascer e o morrer, entre sair de uma fábrica e ir parar num ferro-velho. É, por isso, um filme cujos significados não se esgotam e que a cada revisão novas observações podem ser percebidas.

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