quarta-feira, novembro 16, 2005

FRANÇOIS TRUFFAUT EM DOIS FILMES

 

Tive o prazer de ver recentemente mais dois filmes da filmografia de François Truffaut, um dos diretores preferidos da casa. Os dois filmes são muito importantes por abordarem temas recorrentes da obra do cineasta, que são: a busca da infância perdida e o amor pelas mulheres. Truffaut sempre fez filmes muito pessoais. Não poderia ser diferente com essas duas belas obras. 

O GAROTO SELVAGEM (L'Enfant Sauvage) 

A infância foi o primeiro tema importante da obra de Truffaut. Sua estréia na direção foi com a obra-prima OS INCOMPREENDIDOS (1959), um dos mais belos filmes sobre a infância de todos os tempos. O filme foi o primeiro de uma pentalogia semi-autobiográfica que marcaria a história do cinema. Tendo em vista sua história de vida, não tenho como não imaginar que o garotinho encontrado na floresta e educado por um cientista de O GAROTO SELVAGEM (1969) deva representar o próprio Truffaut, já que ele se sentiu abandonado pelos pais. Além do mais, ele foi educado e "adotado" pelo crítico André Bazin, que se tornou uma espécie de pai pra ele. (Um detalhe curioso é que Bazin morreria de leucemia no mesmo dia em que Truffaut começava as filmagens de OS INCOMPREENDIDOS.) Truffaut era uma espécie de menino selvagem, tendo tido experiência como deliqüente juvenil, chegando a dormir na cadeia e indo parar depois num centro de correção juvenil. Curiosamente, Truffaut também exerceu a função de quase-pai para o ator Jean-Pierre Léaud, o jovem que encarnou o famoso Antoine Doinel, e a quem O GAROTO SELVAGEM é dedicado. 

O filme conta a história de um garoto que é encontrado numa floresta e reeducado por um cientista (interpretado pelo próprio Truffaut), que a principio tem um interesse apenas científico pela criança, mas, depois, vai adquirindo um amor paterno por ele. O garoto não fala, não anda em posição ereta e não conhece nada do mundo urbano. Ele é tratado pelo cientista com métodos comportamentais e através da noção da recompensa. Se ele fizer a tarefa direitinho, ganha um copo d'água, por exemplo. O garoto tem um prazer especial de sorver a água, olhando a paisagem pela janela. UM belo filme, fotografado em preto e branco por Nestor Almendros, lembrando um pouco o estilo de O HOMEM ELEFANTE, de David Lynch. 

O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (L'Homme Qui Aimait les Femmes) 

Chegou-se a dizer que toda a obra de Truffaut seria sobre a procura da infância perdida. E o amor devotado às mulheres tem algo de procura pela figura da mãe. Outro detalhe curioso é que Truffaut, ao lado de Luis Buñuel, talvez seja o cineasta que mais tem fixação por pernas de mulheres. Eu mesmo já fiquei babando pelas pernas de Claude Jade em DOMICÍLIO CONJUGAL (1970), um dos meus filmes favoritos. Em OS INCOMPREENDIDOS, tem uma cena em que o padrasto de Antoine faz um comentário sobre as belas pernas da mãe dele. Achei na internet uma interessante análise fílmica intitulada "O homem que amava as pernas", onde a autora disseca essa obsessão do autor, em sete de seus filmes. A autora do ensaio até se apóia em Freud, que em seu livro "A Interpretação dos Sonhos", diz ser a escada o símbolo onírico do ato sexual, enquanto que o subsolo é o inconsciente, o intra-uterino. E tanto a escada quanto o subsolo estão fortemente presentes em O HOMEM QUE AMAVA AS MULHERES (1977), um dos mais importantes filmes de Truffaut. (Lembrei-me novamente de Claude Jade subindo numa escada portátil em DOMICÍLIO CONJUGAL. E não contem nada pra ninguém, mas eu também me lembrei da Talia James em OS EXERCÍCIOS DE BUTTMAN, do John Stagliano.) 

A trama do filme se inicia a partir do momento em que o protagonista (Charles Denner) se encanta com as pernas de uma mulher e sai na missão de encontrar a dona dessas pernas. Com o tempo, vemos que esse homem é uma espécie de viciado em conquistas amorosas. Seu passatempo é abordar as mulheres e conquistá-las sem jamais desistir. Uma vez que as conquista, ele meio que sente um vazio e acába por abandoná-las. Interessante os comentários que ele faz sobre elas, em narração em off. Por exemplo, ele diz que, no verão, gosta mais de mulheres de seios pequenos, enquanto que no inverno prefere mulheres de seios grandes. O filme é um dos mais controversos do Truffaut. Chegaram a acusá-lo de machista, de usar as mulheres como objetos sexuais descartáveis. Mas não. O filme é uma homenagem sincera dedicada a todas as mulheres. O próprio personagem não tem nenhum amigo homem. Ele sente necessidade de estar sempre ao lado do sexo feminino para se sentir forte, desejado ou protegido. Agradecimentos a Carol Vieira, que foi quem me forneceu as cópias em DVD desses dois filmes ainda inéditos no Brasil. O único inconveniente pra mim era que o áudio estava fora de sincronia com a imagem, mas os filmes são tão bons que isso nem chegou a incomodar tanto. 

P.S.: Falando em cinema francês, começa nesse fim de semana, em Fortaleza, o 4º Festival Varilux de Cinema Francês, que esse ano vai acontecer no Iguatemi. Os grandes destaques do ano são PELE DE ASNO, de Jacques Demy, em cópia nova, e A DAMA DE HONRA, o novo de Claude Chabrol. Vou tentar estar lá para conferir alguns dos filmes do festival.

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