domingo, dezembro 10, 2023

PISCINA INFINITA (Infinity Pool)



Às vezes certos filmes nos impressionam mais do que imaginávamos. Ontem vi PISCINA INFINITA (2023), novo trabalho de Brandon Cronenberg, e, apesar de não ter gostado tanto assim, pelo menos aparentemente, tenho que reconhecer que mesmo a segunda metade (gosto mais da primeira) possui momentos que ficaram em minha memória de maneira forte. A própria interpretação de Mia Goth me impressionou bastante a ponto de ficar impressa nas lembranças. “Jamesy!!”, ela grita para o protagonista, com uma arma na mão e um sorriso sádico no rosto, quando este já está tentando fugir daquele mundo bizarro. Aliás, a cena em que a personagem feminina chega até ele, no começo do filme, para prestar-lhe uma violenta masturbação (mais parece um estupro), já antecipa um pouco as castrações múltiplas que o personagem viria a receber.

Pois bem, PISCINA INFINITA acabou por me impressionar a ponto de eu ter um pesadelo. No sonho, eu vou parar num bairro distante, à noite, e sou chamado para ver um documentário raro numa loja de DVDs e Blu-Rays. Sofro agressão, inclusive psicológica, de um pequeno grupo de rapazes que estão lá. Depois de conseguir fugir e de quebrar parte da vidraçaria do local, fico sem saber como voltar para casa.

Em determinado momento, pego um ônibus que me leva para ainda mais longe, pois aparentemente essa é a única solução para sair daquele lugar. Esse ônibus atravessa as águas de um mar escuro que avança pelas ruas. Lembro de ter achado incrível a imagem daquelas águas escuras e violentas. No final, encontro minha mãe naquele bairro. Ela havia descido de um dos ônibus que chegavam naquele ponto final. Ela dizia que estava ali para passar o dia de folga. Enquanto isso, eu me preocupava em chegar a tempo para o trabalho.

Sobre o filme, um dos aspectos mais positivos de PISCINA INFINITA é que vemos o filho de David Cronenberg se afastar um pouco mais do legado do pai. O filme anterior, POSSESSOR (2020), parecia mais devedor da poética cronenberguiana original. Aqui, menos interessa o jogo com os corpos modificados/criados do que o inferno pessoal do protagonista, naquele país fictício de praias paradisíacas, pobreza extrema nas redondezas e segredos e leis bem particulares.

É até interessante eu ter visto o filme pouco tempo após ter passado pela experiência incrível de ver PELOS CAMINHOS DO INFERNO, de Ted Kotcheff, que opta pelo registro mais realista possível. Aqui, o território está bem aberto para a ficção científica, e principalmente para o terror. Gosto muito do filme até a cena da batida. Talvez um pouco mais além, quando surge uma pergunta que acaba sendo uma pergunta em comum também entre os personagens. 

Mia Goth está ótima como uma femme fatale diabólica (a falta de sobrancelhas da atriz acaba por trazer um elemento adicional à caracterização) e Alexander Skarsgård convence muito bem como um homem frágil e sem muita iniciativa. Inclusive, tem a questão do ego masculino ferido, que aparece desde o começo, com o fato de ele ser sustentado financeiramente pela mulher e ser um romancista fracassado.

Curiosamente, Brandon Cronenberg conta em entrevista para a Fangoria que se inspirou numa viagem que ele mesmo fez para a República Dominicana. Ele conta que o resort em que se hospedou era também fechado, os hóspedes não podiam sair de lá, e havia uma cidade falsa onde se podia fazer compras. Ele conta que o falso restaurante chinês e a discoteca foram também inspirados nessa viagem. Havia uma clara intenção daquele país e daquela empresa em esconder a pobreza que cercava esse espaço destinado a turistas com alto poder aquisitivo. 

PISCINA INFINITA foi rodado num resort na Croácia e comparece no top 50 2023 da revista Sight & Sound

+ DOIS FILMES

CANTO DOS OSSOS

Acredito que o olhar de alguém que mora no Ceará para um filme como CANTO DOS OSSOS (2020), de Petrus de Bairros e Jorge Polo, é diferente. O estranhamento e a familiaridade se abraçam quase da mesma maneira que os vampiros e suas vítimas nas cenas do filme: com certo humor, sensualidade e algumas tomadas que capturam uma beleza plástica admirável para uma obra tão artesanal. Ao longo do filme, fui sentindo falta de alguns personagens que vão sumindo, enquanto outros surgem. Nesse sentido, acaba sendo um filme de fluxo, fragmentado, cuja compreensão se ganha mais pela atmosfera do que pelo enredo. O filme foi exibido numa mostra de filmes de terror brasileiros por ocasião do Halloween. Uma bela iniciativa, com oportunidade de ver alguns filmes que não chegaram a entrar em circuito, inclusive.

JOGOS MORTAIS X (Saw X)

A repercussão surpreendentemente positiva (para um filme da franquia) me levou aos cinemas para conferir este décimo volume, após ter largado essa brincadeira lá no quarto filme (achava que tinha visto mais deles). O fato é que a franquia Jogos Mortais é uma coisa muito anos 2000, uma década sangrenta para o cinema, quando até um filme sobre Jesus se mostrava recheado de cenas de tortura e terror explícitos. Ainda assim, ter essa experiência no cinema novamente ajuda a pensar o nosso lado sádico, sem que seja necessário criar em nossa mente os próprios crimes e torturas absurdas do Jigsaw. O lado muito moralista do personagem incomoda, mas isso não é novidade em filmes de horror: no auge do slasher era quase lei. O décimo filme, JOGOS MORTAIS X (2023), de Kevin Greutert, ganha sobrevida num presente que começa a se abrir novamente para a violência bem gráfica, vide TERRIFIER e sua continuação. De certa forma, algumas cenas têm alguma beleza, como a da primeira vítima. E, se depois do terrível quarto filme, tudo o mais foi de mal a pior, é compreensível a animação em torno deste novo.

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