sábado, outubro 29, 2022

CONVITE MALDITO (The Invitation)



Certamente CONVITE MALDITO (2022) não é um desses filmes que a gente sai indicando aos amigos mais exigentes, mas tanto pode ser divertido para os fãs do gênero horror, quanto pode ser um ótimo exercício de crítica, de verificação dos momentos em que a obra funciona, quais suas fragilidades e seus pontos positivos. Como fui vê-lo sem saber nada a respeito, acredito que fui beneficiado com a maior surpresa, com o que até podemos chamar de plot twist. Portanto, recomendo a quem quiser conferi-lo que o veja sem nem mesmo ver algumas imagens a respeito do filme, disponíveis na internet.

Um fenômeno recente e que pode representar a materialização de um título como este é o sucesso dos filmes de horror no circuito. Em geral eles custam muito pouco, em relação a outros gêneros mais populares, como thrillers de ação, e rendem o suficiente para não dar prejuízo. E como estamos vivendo uma espécie de novo momento de popularização do horror, com direito a filmes que procuram caminhos diferentes para fugir dos clichês mais manjados, certas obras não conseguem e até não intencionam fazer algo muito diferente, preferindo reciclar ou aproveitar o que já tem sido visto tantas vezes.

É o caso deste CONVITE MALDITO, segundo longa-metragem de Jessica M. Thompson. O primeiro longa da diretora foi um drama chamado THE LIGHT OF THE MOON (2017), sobre uma mulher que é agredida enquanto voltava para casa e, traumatizada e sem verbalizar a agressão sofrida, passa a ter dificuldade de ter novamente intimidade com seu namorado. Não vi o filme, apenas li a respeito, mas é possível imaginar que até possa ser um trabalho mais bem-sucedido do ponto de vista do drama da protagonista, levando em consideração justamente os prós e os contras de CONVITE MALDITO.

Na trama do novo filme, Nathalie Emmanuel (GAME OF THRONES) é uma jovem mulher nova-iorquina que, depois da morte da mãe, procura, através de um programa na internet, possíveis parentes sanguíneos, através de seu DNA. Descobre que existem parentes na Inglaterra. Ela encontra um rapaz que se diz ser um primo e que lhe conta sobre suas origens, que têm a ver com o preconceito e a rejeição por causa da cor e da classe social em um espaço aristocrático. De certa maneira, este primeiro momento de CONVITE MALDITO guarda semelhanças com CORRA!, de Jordan Peele, já que há a questão racial, o convite para conhecer um grupo de pessoas de família branca e muito rica e há também a figura da melhor amiga, que estaria disposta a ajudar em caso de perigo. Em determinado momento, há até mesmo a imagem de uma xícara de chá, com a câmera apontada de cima para baixo.

O que funciona neste primeiro momento do filme é a adaptação da protagonista àquele ambiente estranho mas que parece colocá-la como centro das atenções. Além do mais, ela se sente atraída pelo anfitrião, que se mostra interessado nela. De cara, já percebemos que esse sujeito (Thomas Doherty) é um vilão, mas é possível acompanhar os momentos em que os dois estão sozinhos como cenas de um romance gótico, já que a maioria das ações acontece à noite e abre espaço para algum tipo de romantismo. Porém, entre um momento e outro dessa situação mais realista, entram os clichês do horror, como figuras escuras ameaçadoras e alguém puxando a heroína debaixo da cama, numa imagem tão recorrente quanto vulgar.

Mas eis que o filme que é salvo pelo gongo. Quando tudo parecia perdido, acontece uma interessante surpresa, com direito a um senso de humor muito próprio (destaque para a presença de uma velhinha chamada Mina Harker, uma espécie de Easter egg). Não vale dizer em que o filme se transforma (ou no que ele sempre foi), mas é em algo que me ajudou a trazer um sorriso de satisfação, principalmente a partir da cena do banquete de casamento. Não dá para contar mais, sob o risco de estragar as surpresas (ao que parece o trailer já entrega essas surpresas), mas também incluiria o bom uso do gore e do vermelho nas vestimentas da protagonista como bons pontos positivos, não por serem algo fresco ou inédito, mas pela força das imagens.

CONVITE MALDITO teve apenas 25% de aprovação no Rotten Tomatoes e nota 45 no Metacritic. Certamente não é um filme memorável, mas é bem possível encará-lo como uma diversão despretensiosa que pode fazer uma boa sessão dupla com CASAMENTO SANGRENTO, de Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet.

+ DOIS FILMES

SOCIEDADE DO MEDO

Vendo SOCIEDADE DO MEDO (2022), de Adriana L. Dutra, numa sala com apenas mais dois amigos que já costumeiramente me acompanham nas sessões, principalmente as do Cinema do Dragão, já ficou muito claro que o filme prega para convertidos. De todo modo, não chega a tirar a importância de mais esse convite à reflexão sobre o momento amedrontador em que estamos vivendo, com uma ameaça de implementação de regimes de extrema direita em todo o mundo, sendo alimentados a partir da mentira e da manipulação política da religião. O documentário tem uma estrutura bem convencional, mas gosto bastante dos convidados. Destaque para a vereadora Benny Briolly, a jornalista Flávia Oliveira e o professor Jason Stanley. O filme fecha a chamada trilogia da catarse da diretora, formada também por FUMANDO ESPERO (2009) e QUANTO TEMPO O TEMPO TEM (2015). Foi feito antes e durante a pandemia, que modificou os caminhos propostos inicialmente pela diretora. 

A FANTÁSTICA FÁBRICA DE GOLPES

Bem que este documentário podia ter começado a ser exibido no Brasil no ano passado, já que os eventos da política nacional acontecem num ritmo vertiginoso e alguns eventos ficam datados. De todo modo, A FANTÁSTICA FÁBRICA DE GOLPES (2021), de Victor Fraga e Valnei Nunes, funciona muito bem, e ainda conta com depoimentos muito bem-vindos de Dilma Rousseff, Chico Buarque, Benedita da Silva, Jean Wyllys, entre outros, que ajudam a compor a "trama", que trata principalmente do apoio forte da Globo na história dos golpes, seja o de 1964, seja o golpe de 2016. É bom perceber, por exemplo, o quanto a emissora agora, depois que entendeu que não é possível domar o monstro que foi eleito presidente, trata de agir contra ele. Um exemplo muito gritante de antipetismo da emissora é o da entrevista de Fernando Haddad no Jornal Nacional em 2018. E outro é o do desfile da vice-campeã do Carnaval 2018, Paraíso do Tuiuti, que não contou com nenhum comentarista, justamente por contar a história do golpe sofrido pela presidente. A montagem do documentário é bem eficiente e quase sempre funciona muito bem para dar dinamismo à história. No fim das contas, apesar das tristezas, bate um pouco de orgulho de se sentir do lado certo da história.

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