sábado, maio 14, 2022

GRITO DE HORROR (The Howling)



Uma coisa que senti falta durante um bom tempo foi apreciar um filme em mídia física e ter acesso a documentários sobre a produção e rever a obra com comentários em áudio do próprio diretor ou de algum historiador ou estudioso do assunto em questão. E com a mídia física passando a ser consumida apenas por um pequeno nicho de colecionadores, poucas pessoas tem aproveitado os filmes de maneira mais ampla, de modo que eles fiquem mais tempo em nossa memória. Afinal, ver esses extras ajudam a tornar a obra maior, ajuda-nos a valorizá-la ainda mais, saber de coisas impressionantes sobre a produção etc. Esse tipo de consumo é diferente do que se transformou hoje em dia o consumo em modalidade fast food: assistimos um filme, marcamos no Letterboxd e já vamos direto para o próximo. Isso é uma pena, embora eu compreenda o fenômeno diante da ascensão dos streamings e da popularização das redes sociais, inclusive as dedicadas ao cinema, como a já citada.

Agora, por exemplo, acabei de ver um dos extras de GRITO DE HORROR (1981), o clássico filme de lobisomem de Joe Dante, e fiquei sabendo detalhes sobre a produção das sequências. Nem sabia que foram feitas tantas sequências, a maioria delas indo direto para o mercado de vídeo. Mas falemos do filme que importa.

Vi GRITO DE HORROR pela primeira vez nos anos 1990, em VHS. E na época nem gostei muito, talvez por esperar algo diferente ou por ele ser muito celebrado pela crítica da revista SET (era um dos destaques daquelas fichas de cinema e vídeo, e o cartaz é de fato muito bonito). Revendo em um Blu-Ray belíssimo, cópia restaurada lançada pela Versátil, com som 5.1. que valoriza a música de Pino Donaggio, e também podendo perceber a inventividade tanto da trama quanto dos efeitos de maquiagem, claro que percebi o quanto se trata de uma das obras mais importantes de horror já feitas. Certamente um top 5 do subgênero “filme de lobisomem”.

Ter sido lançado no mesmo ano de UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, de John Landis, que tem efeitos mais impressionantes e um senso de humor muito próprio, pode ter tirado um pouco do brilho do filme de Dante, mas nota-se que aqui a intenção é outra, que o senso de humor é mais pontual, que as homenagens a outros filmes e mestres do cinema são mais presentes, e, principalmente, a trama na cidade do interior funciona muito bem e reserva surpresas no final, e isso só depõe a favor deste clássico. Além do mais, há uma belíssima exploração da sensualidade que tem tudo a ver com libertar os seus instintos mais primitivos e selvagens.

Logo de início, já percebemos que GRITO DE HORROR é um filme diferente. Ele começa com uma situação tensa em que Karen White, uma repórter de televisão vivida por Dee Wallace, está usando escutas para se encontrar com um serial killer nos fundos de uma videolocadora pornô. O cenário é bastante urbano e a ótima montagem mostra tanto a preocupação de seus colegas de profissão, quanto seu receio diante da situação inédita para uma âncora de telejornal. E a cena com o tal homem é bem marcante, feita de modo que não vemos o sujeito. Apenas ela o vê e fica tão traumatizada que sua memória daquele momento desaparece.

A história ganha ares mais próximos dos tradicionais filmes de lobisomem, que geralmente se passam em ambientes rurais, quando o médico de Karen a incentiva a passar uma temporada num resort isolado conhecido como “Colônia”. Acontece que aquele ambiente é habitado por uma espécie de sociedade de lobisomens. E eu não sei o quanto isso é um spoiler, já que o filme tem mais de 40 anos de idade, mas acredito que o mais importante da narrativa não está tanto assim na trama, mas no modo criativo com que Joe Dante nos leva por caminhos tortuosos.

Dante, na época, era um diretor jovem, que só tinha um sucesso de bilheteria, PIRANHA (1978). Com GRITO DE HORROR ele se tornaria um dos mestres do cinema de horror do período, passando a ser também um dos protegidos de Steven Spielberg, que seria produtor executivo do sucesso GREMLINS (1984). Sem falar que Spielberg gostou tanto de Dee Wallace que a levou para interpretar um papel importante em E.T. – O EXTRATERRESTRE.

Um dos grandes chamarizes de GRITO DE HORROR é oferecer uma das mais impressionantes e longas cenas de transformação. Mesmo com a frequente comparação com a cena de UM LOBISOMEM AMERICANO EM LONDRES, a maneira criativa com que o discípulo de Rick Baker, Rob Bottin, elabora o efeito é louvável. Ele deixa o filme com um ar de produção que transita entre o baixo orçamento e a produção mais cara. Inclusive, Bottin se tornaria tão grande quanto Baker, tendo trabalhado em efeitos visuais e de maquiagem de obras importantes e de primeiro escalão, como O ENIGMA DE OUTRO MUNDO, ROBOCOP – O POLICIAL DO FUTURO e O VINGADOR DO FUTURO. Além da cena da longa transformação, destaco algumas outras bem memoráveis, como a cena do ataque do lobisomem a Belinda Balaski no arquivo da polícia ou a dos lobisomens atacando o carro de Karen. Dante não queria fazer um lobisomem parecido com um lobo, com as quatro patas no chão, nem usar a velha técnica de um homem cheio de pelo, como no clássico O LOBISOMEM, de George Waggner, filme aliás homenageado de diversas maneiras em GRITO DE HORROR. O resultado ficou fantástico, parecendo uma variação da fábula do Lobo Mau. 

O filme de Dante também se destaca por ter um roteiro simples, mas muito bem elaborado, graças à contribuição de John Sayles, hoje muito mais lembrado pela direção de dramas sofisticados. Sayles e Dante optaram por deixar de lado o livro no qual ele se baseia, por não achar suficientemente bom, e mudar quase tudo. O livro só seria adaptado de maneira fiel na terceira sequência do filme, GRITO DE HORROR 4 – UM ARREPIO NA NOITE (1988), lançado direto em vídeo.

No mais, deixem eu ir ali terminar de ver os extras do box.

+ DOIS FILMES

O TERCEIRO OLHO (Il Terzo Occhio)

A influência de PSICOSE se mostrando bastante explícita neste horror gótico (mas contemporâneo) produzido na Itália e com o astro Franco Nero no mesmo ano que ele seria celebrado pelo papel de Django. Em O TERCEIRO OLHO (1966), de Mino Guerrini, ele interpreta um conde que curte uma taxidermia e que enlouquece depois que perde a noiva num acidente de carro – ou será que ele já tinha tendências psicóticas antes disso?. A grande vilã da história, porém, é a governanta, uma mulher que sente atração pelo conde e está disposta a fazer de tudo para conseguir o que deseja. A cópia está avariada em algumas passagens, mas ainda considero muita sorte de que sejam passagens pequenas. Imagina só se os filmes brasileiros que só encontramos em cópias lastimáveis de repente aparecessem com cópias em sua maioria com qualidade decente como esta, hein? Que lindo que seria... Filme disponível no box Obras-Primas do Cinema – Gótico Italiano Vol. 2.

CROCODILOS - A MORTE TE ESPERA (Black Water: Abyss)

Interessante o caso de Andrew Traucki, um especialista em filmes de tubarões e crocodilos. Depois de MEDO PROFUNDO (2007), ele volta com os crocodilos em CROCODILOS - A MORTE TE ESPERA (2020) e faz um suspense muito bem executado e cheio de tensão, que se passa em sua maior parte dentro de uma caverna. Como o crocodilo fica quase sempre no escuro, percebe-se que isso funciona muito bem para economia no orçamento. Na trama, cinco amigos vão parar em uma caverna inexplorada no norte da Austrália. Quando uma tempestade começa a alagar o lugar, eles se veem num mato sem cachorro. Ou numa caverna com um crocodilo, melhor dizendo. O filme tem a capacidade de nos fazer torcer pelos personagens, mesmo sem aprofundar muito suas personalidades. E olha que já comecei a vê-lo me perguntando qual dos cinco morreria primeiro.

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