
O anúncio da morte de Odete Lara hoje, aos 85 anos, fez com que eu mudasse os meus planos quanto a filmes a assistir. Em sua homenagem, selecionei um de seus trabalhos mais aclamados, COPACABANA ME ENGANA (1968), de Antonio Carlos Fontoura. Ou "da Fontoura", como ele passou a assinar posteriormente. Na época deste filme, até o nome de Odete Lara era escrito com dois Ts.
Uma das coisas que mais chama a atenção em COPACABANA ME ENGANA é a trilha sonora, cheia de canções bem interessantes, sendo a melhor delas e única creditada, "Baby", de Caetano Veloso, na voz de Gal Costa e Caetano. A canção pontua não só o drama do personagem de Carlo Mossy e seu posterior envolvimento com a bela Irene (Odete Lara), mas outros momentos também.
Aí a gente lembra do gosto de Fontoura por canções em seus filmes, casos de "Índia", na voz de Paulo Sérgio, nos créditos de abertura de A RAINHA DIABA (1974), ou as várias canções da Legião Urbana em SOMOS TÃO JOVENS (2013), a cinebiografia de um momento da vida de Renato Russo. Entre as várias que surgem rapidamente em COPACABANA ME ENGANA, certamente a que mais impressiona dentro de um dos pontos altos é mesmo "Try a little tenderness", na voz de Otis Redding. É o momento mais tipicamente contracultural do filme.
COPACABANA ME ENGANA marca tanto a estreia de Fontoura na direção de longas-metragens quanto a primeira vez nas telas de Carlo Mossy, já num papel bastante significativo. Odete Lara, por outro lado, já vinha de um cinema diferente, pré-cinema novo. Ela já havia abrilhantado trabalhos de grandes autores como Walter Hugo Khouri (NA GARGANTA DO DIABO e NOITE VAZIA), Anselmo Duarte (ABSOLUTAMENTE CERTO), Nelson Pereira dos Santos (BOCA DE OURO), Carlos Manga (CACARECO VEM AÍ e AS SETE EVAS) e Fernando De Barros (UMA CERTA LUCRÉCIA, DONA VIOLANTE MIRANDA e MORAL EM CONCORDATA).
Portanto, já desde a década anterior, a atriz era símbolo de beleza e sofisticação, mesmo nas chanchadas. Mas a vida não foi um mar de rosas para a atriz. Sofreu na infância e na adolescência com o suicídio da mãe e, em seguida, também do pai. Difícil imaginar como fica a cabeça de alguém que vivencia uma experiência desse tipo. Viveu tanto tempo assim porque devia ter muita força e autoconfiança. Mas a paz interior ela disse que encontrou no budismo, que abraçou na década de 70, quando começou a deixar o cinema.
Quanto a COPACABANA ME ENGANA, o filme tem uma vivacidade impressionante, com suas cenas externas, nas ruas de Copacabana, tão bonitas de ver na fotografia em preto e branco do jovem Affonso Beato. Destaque para o uso da câmera na conversa entre os personagens de Mossy e Paulo Gracindo. Esta cena é a que mais explicita o quão fracassado é o personagem de Mossy, em momento de lucidez, advinda, paradoxalmente, de uma conversa regada a álcool.
Depois de uma engraçada cena numa reunião de sindicato, o filme encerra com um belíssimo diálogo dos pais do protagonista, mostrando com delicadeza um quadro agridoce que mistura um cansaço de viver com uma tênue esperança no futuro dos filhos.