domingo, dezembro 16, 2007

IMPÉRIO DOS SONHOS (Inland Empire)



Quem acompanhou o trabalho que David Lynch fez com câmera digital para o seu website www.davidlynch.com já tinha uma prévia do que viria em seu longa-metragem seguinte, o tão aguardado IMPÉRIO DOS SONHOS (2006). Tanto a série de curtas RABBITS (2002) quanto o curta DARKENED ROOM (2002) lidam com o medo. Medo do desconhecido. Um medo irracional, bastante coerente com esses tempos de síndrome do pânico e de paranóia. Afinal, qual seria a razão desse medo? Pode ser que haja algum monstro, ou demônio ou um assassino à espreita, mas talvez não exista nada disso, talvez seja apenas o medo do desconhecido. Ou talvez as pessoas mais sensíveis tenham detectado que há algo assustador naquele beco escuro, ou na escuridão de uma porta aberta, mas cuja escuridão invade o ambiente, elemento tão comum na obra de Lynch. Tanto RABBITS quanto DARKENED ROOM são ensaios para IMPÉRIO DOS SONHOS. O primeiro aparece mais explicitamente, já que tem parte de suas cenas aproveitadas no longa-metragem. Em RABBITS, Lynch desconstrói o tempo. A ordem dos diálogos é embaralhada de modo a aumentar o estranhamento e fazer com que o medo seja provocado tanto pela bizarrice quanto pelo suspense, seja ele causado por um telefone que toca ou por alguém que parece se aproximar da porta.

Talvez nunca a escuridão tenha sido tão utilizada num filme. Antes, o filme que Lynch mais aproveitou a falta de luz foi ESTRADA PERDIDA (1997), mas dessa vez ele leva a escuridão às telas de forma inédita e exponencial. Aliás, o que Lynch fez foi quase um suicídio comercial. O diretor fez um filme para fãs radicais do seu trabalho e mesmo alguns deles podem não gostar do resultado. Eu mesmo, como fã, lamento um pouco o uso do suporte digital para um longa-metragem feito para ser exibido nos cinemas. Sinto falta da qualidade da imagem da película e confesso que fiquei triste quando ele disse que nunca mais utilizará 35 mm, que a partir de agora vai sempre usar câmeras digitais, pela leveza e facilidade de produção e edição. Parece que é um caminho sem volta. E diferente de Michael Mann, que utiliza o suporte digital de uma maneira que se aproxima e muito da película em qualidade da imagem, Lynch quis, de propósito, que seu IMPÉRIO DOS SONHOS parecesse mesmo um filme de imagem de baixa qualidade, quase um vídeo caseiro.

E, pra mim, curiosamente, a familiaridade que eu tenho com a obra de Lynch acabou diminuindo o impacto de IMPÉRIO DOS SONHOS em mim. Em A ESTRADA PERDIDA, temos um homem de aspecto assustador, um ator desconhecido que fez gelar a minha espinha sempre que aparecia. Já em IMPÉRIO DOS SONHOS, a figura mais assustadora que aparece, em close e em imagem distorcida, é Grace Zabriskie, que já me assustou muito mais na série TWIN PEAKS (1990) e que se tornou uma atriz bem conhecida - atualmente faz parte do elenco de BIG LOVE, série da HBO. Como protagonista, temos Laura Dern, em sua terceira parceria com o diretor. Sem falar em Justin Theroux, Harry Dean Stanton e a aparição especial da lindíssima Laura Harring, dando tchauzinho no final. Quer dizer, tudo muito familiar. Nada contra a familiaridade, afinal, sou fã de Howard Hawks e John Ford. O que eu estou querendo dizer é que eu senti falta de um elemento comum nos trabalhos de Lynch: o medo, que ele consegue obter de maneira muito mais forte na série de curtas RABBITS.

Há, no entanto, muitos momentos de suspense, de expectativa, de "quase medo", como aquele em que Laura Dern e Justin Theroux conversam numa mesa, ensaiando os diálogos do filme com Harry Dean Stanton e Jeremy Irons, quando Stanton interrompe a conversa e diz que tem alguém na escuridão daquele lugar. Sim, porque praticamente todos os lugares em que os personagens se encontram são escuros. A não ser que a cena aconteça de dia e fora das quatro paredes. Quando isso acontece, há uma claridade imensa. Mais tarde, saberemos quem é a pessoa que aparece na escuridão do set de filmagens e que foge de lá correndo, o que acaba sendo um dos momentos mais fascinantes do filme. Assim como acontece em dois de seus últimos trabalhos, ESTRADA PERDIDA e CIDADE DOS SONHOS (2001), o tempo é um elemento fundamental na construção da trama. E a confusão e o sentimento de pesadelo que nos encontramos cada vez mais, principalmente a partir da metade de suas longas três horas de duração, fazem com que IMPÉRIO DOS SONHOS seja - ao lado de POSSUÍDOS, de William Friedkin - o filme que mais espanta casais desavisados das salas de cinema. E talvez os dois filmes tenham mais coisas em comum do que apenas isso. Agora, a pergunta que não quer calar é: depois de uma obra tão radical, como será o próximo trabalho de Lynch? Será que algum dia ainda teremos a chance de ver outra obra inédita de David Lynch no cinema depois dessa extravagância? Olha o medo do desconhecido se formando aí.

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