domingo, novembro 24, 2024
SETE LONGAS-METRAGENS VISTOS NO 34º CINE CEARÁ
Neste ano tive a honra de ser convidado pela Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema a integrar o júri da crítica do Cine Ceará junto aos colegas Messias Adriano e Sara Beatriz Jales. Foi uma experiência muito recompensadora. É sempre bom, aliás, quando faço essa forcinha para ver todos os filmes exibidos no Cine Ceará, pelo menos os da mostra competitiva. Vou me esforçar para fazer pequenos textos sobre os curtas também, o que vai ser mais difícil, mas comecemos pelos longas. O ideal seria estar de férias num festival como esse para ter tido tempo para repensar, pesquisar e escrever sobre cada filme enquanto eles estavam ainda fresquinhos na memória, mas a gente faz o que é possível. Optei por não ver o longa de encerramento, BABY, de Marcelo Caetano, fora da mostra competitiva, por estar cansado, e por acreditar que o filme merece uma apreciação melhor quando de seu lançamento nos cinemas, ao que parece em janeiro. No mais, foi uma alegria poder estar com a Giselle em quatro dos sete dias de festival. Nunca imaginei que isso seria possível, o que, aliás, é outra coisa a se celebrar.
BRASILIANA – O MUSICAL NEGRO QUE APRESENTOU O BRASIL AO MUNDO
Um dos maiores méritos deste documentário de Joel Zito Araújo (A NEGAÇÃO DO BRASIL, 2000) é nos fazer conhecer este grupo que levou a cultura negra brasileira para a Europa a partir da década de 1950. No começo de BRASILIANA – O MUSICAL NEGRO QUE APRESENTOU O BRASIL AO MUNDO (2024), a gente fica achando as apresentações muito "macumba pra turista", mas acredito que a intenção inicial era juntar tanto a cultura do candomblé e da umbanda e fazer aos poucos adaptações para as apresentações artísticas. E isso aos poucos começou a se sofisticar ao longo dos anos. E olha que os dançarinos/artistas ganhavam muito pouco, quase nada, nessas apresentações. Ficavam juntos em hotéis modestos com salários simbólicos, mas, como todos vinham de classes muito pobres, a chance de viajarem o mundo como artistas era preciosa. Nas entrevistas feitas às pessoas que participaram desse grupo, o Brasiliana, que depois mudaria de nome, conversou-se sobre se eles se sentiam explorados, e alguns homens disseram que aproveitaram a chance para viverem aventuras sexuais, e conversou-se sobre um tema mais delicado, a prostituição, e o quanto esse tipo de apresentação pode ter ajudado a trazer o preconceito dos estrangeiros para a mulher brasileira. Uma pena que a história às vezes parece um pouco mal costurada, mas é um trabalho que merece a atenção, sim.
UM LOBO ENTRE OS CISNES
A direção de UM LOBO ENTRE OS CISNES (2024) é de um diretor com uma longa experiência na televisão, principalmente telenovelas e minisséries. O longa anterior para cinema de Marcos Schechtman é muito bom, VIDAS PARTIDAS (2016), estrelado por Domingos Montagner e lançado no mesmo ano da morte precoce do ator, e falava de masculinidade tóxica. Um filme que merece uma (re)descoberta. Neste novo trabalho, bem conduzido narrativamente, ao lado de Helena Varvaki, responsável, aparentemente, pelas cenas de coreografias, tem-se um exemplar pouco explorado em nosso cinema de histórias de superação dentro de competições, e aqui no caso temos a história real de um sujeito, Thiago Soares (vivido por Matheus Abreu), que sonhava em ser dançarino de hip hop e acaba se juntando a um grupo de ballet, apesar do preconceito inicial e do machismo, e se tornando um dos mais celebrados bailarinos de nosso país. O argentino Darío Grandinetti (FALE COM ELA) faz o papel do seu mestre. De certa forma, lembra filmes americanos como KARATÊ KID, mas até nisso eu vejo como positivo, já que nosso cinema é carente de obras desse tipo.
LAMPIÃO, GOVERNADOR DO SERTÃO
Não cheguei a ver MEMÓRIAS DA CHUVA (2023), mas tenho este LAMPIÃO, GOVERNADOR DO SERTÃO (2024) como o melhor trabalho de Wolney Oliveira, que vem se tornando uma espécie de cronista da história do Ceará em seus documentários. Inclusive, o cineasta já havia abordado o tema do cangaço em OS ÚLTIMOS CANGACEIROS (2011) e agora adentra o mito Lampião, alguém que ficou muito maior ao longo do tempo, maior até do que qualquer fora-da-lei dos faroestes americanos. Seja herói, anti-herói ou bandido, Lampião sobreviveu à história como mito, com várias histórias que funcionam como um desafio para os historiadores, já que existem muitos registros orais. E o filme transmite esse entusiasmo do diretor em abordar o seu objeto de estudo. Além do mais, a montagem é muito bem feita, com uma bela costura de depoimentos, imagens de arquivo e filmes sobre o cangaço, que só torna o personagem e sua história absolutamente fascinantes. Na apresentação do filme no Cine Ceará, tivemos a presença da filha do Lampião e de Maria Bonita e de suas netas, que hoje podem encarar o mundo com mais tranquilidade, dada a complexidade com que a figura do maior dos cangaceiros foi ganhando ao longo do tempo.
MILONGA
Um dos grandes méritos de MILONGA (2023), de Laura González, é saber frustrar nossas expectativas quanto ao desenvolvimento da trama. Desde o começo, sabemos muito pouco da vida da protagonista, vivida por Paulina García (GLORIA), e o roteiro nos deixa no escuro até bem perto do final, no que se refere à situação envolvendo o distanciamento com o filho, preso, e a morte do marido. Enquanto isso vemos uma mulher fragilizada e buscando juntar os cacos de sua vida, chegando até mesmo a se interessar novamente por outro homem (César Trancoso). A milonga do título é o lugar onde pessoas de todas as idades, mas especialmente as mais maduras, vão para dançar. Algumas cenas são especialmente sensíveis, como a visita na prisão, os momentos constrangedores no baile, a tentativa de conversa com a nora. A performance de García é mais uma vez um show à parte. Como um filme mais de personagem que de enredo, MILONGA ganha muito com uma atriz como ela.
EN LA CALIENTE – CONTOS DE UM GUERREIRO DO REGGAETON (En La Caliente - Tales of Reggaton Warrior)
Um filme que tem um ar rebelde e juvenil que grita por liberdade numa Cuba que controla o que deve ser ouvido por seus cidadãos nas rádios e em discos oficiais. E essa é a história de um homem que é o maior representante do reggaeton cubano – e de outros artistas que optaram pela vida de artista marginal. As imagens que mais me impactaram foram as das festas ocorridas na década de 1990, que passam uma sensação de festa da liberdade dos jovens, a liberdade de poder estar cantando, dançando e exaltando a sexualidade como se estivessem esperando séculos por isso. Nem sempre EN LA CALIENTE – CONTOS DE UM GUERREIRO DO REGGAETON (2024), de Fabien Pisani, se mostra interessante e a montagem é um pouco problemática, mas só o fato de contar uma história que demorou décadas para ser contada através deste longa, só isso já basta para o valorizarmos.
LINDA
O nosso escolhido do júri da crítica foi este drama com toques cômicos sobre uma jovem chamada Linda que é chamada para substituir uma empregada doméstica num lar burguês. Como uma espécie de herdeiro de TEOREMA, de Pier Paolo Pasolini, LINDA (2024), de Mariana Wainstein, traz uma a heroína que passa a se tornar objeto de atenção e desejo por todos da casa: a mãe, o pai, o filho e a filha. China Suárez, a atriz que faz Linda, é muito conhecida na Argentina, especialmente por sua participação em telenovelas. Sua personagem aqui traz desestabilização na família e em nenhum momento se apresenta subserviente às pessoas a seu redor, principalmente em seu tratamento com os homens da família. O patriarca é especialmente mostrado como um cara estupidamente orgulhoso de seus bens materiais e de sua suposta superioridade cultural em relação à Linda. Sempre que ele leva um fora, é uma alegria para o espectador. Do mesmo modo, a tensão erótica que se estabelece entre Linda e as personagens femininas da casa é muito bem desenvolvida pelo filme, às vezes prestes a parecer uma fita estilo Cine Privê, mas sem nunca chegar a tal. É Linda quem tem uma percepção maior da vida, e isso se percebe tanto em diálogos, como entre ela e a filha da matriarca burguesa, como numa das sequências finais, bastante simbólica, envolvendo um cachorro.
A BACHATA DO BIONICO (La Bachata de Bionico)
Um filme que tem uma montagem em sintonia com a mente de seu protagonista, Bionico, um sujeito viciado em crack e outras drogas pesadas, cuja namorada está em uma clínica de reabilitação. Sua missão agora é manter-se limpo de modo a ter de volta o seu amor, a bela Magrela. A montagem mais frenética e imagens com cores vivas e um tanto estouradas também se dá pelo formato de quase mockumentary, em que um diretor escolhe Bionico para ser o personagem central de seu documentário. Para Bionico, ainda há toda uma questão de viver em extrema miséria junto a outro amigo viciado que se recusa a largar o vício. A BACHATA DO BIONICO (2024), de Yoel Morales, garante umas boas risadas e há um tipo de humor que é até bem ousado por lidar com um tema pesado e bastante sério, o que não deixa de ser desconcertante.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário