domingo, janeiro 22, 2023

BABILÔNIA (Babylon)



Estamos vivendo um momento bem delicado (mais uma vez) para o cinema. Em sua história, diferentes momentos surgiram como ameaça para sua existência ou permanência. A crise com a chegada dos talkies não chegou a ser algo tão ameaçador para o cinema em si, sendo mais um período de transição, mas uma transição que mudou completamente o modo de se fazer filmes. Isso é visto com muita clareza em BABILÔNIA (2022), quarto longa-metragem de Damien Chazelle, um dos mais talentosos cineastas surgidos nos anos 2010. Seu filme, assim como também é OS FABELMANS, de Steven Spielberg, representa uma espécie de chamado para a sala escura, enquanto ela ainda existe, neste momento pós-pandemia e com a ameaça da vez, os streamings.

No ano passado tivemos um filme que conquistou uma bilheteria excelente, TOP GUN – MAVERICK, graças ao esforço de Tom Cruise, principalmente, um caso raro levando em consideração que apenas os filmes de super-heróis têm conseguido levar milhões de pessoas ao cinema. AVATAR – O CAMINHO DA ÁGUA, de James Cameron, também é outro título que foge um pouco dessa linha, embora de certa forma também seja filme de super-herói, no fim das contas. Ou seja, BABILÔNIA é cinema de resistência, no sentido de que se trata de uma megaprodução, conquistada graças ao prestígio alcançado por Chazelle desde seu longa inicial e graças a sua vontade de fazer mais um filme sobre cinema, a exemplo do musical LA LA LAND – CANTANDO ESTAÇÕES (2016).

BABILÔNIA se passa no período que vai do auge do cinema silencioso (1926) até a adaptação para o cinema falado, a partir da revolução técnica que representou O CANTOR DE JAZZ (1927), de Alan Crosland. O prólogo (ou o longo momento que antecede os letreiros com o título, aliás) é de tirar o fôlego: somos apresentados a uma festa/orgia com direito a muito do que se possa imaginar (foram contratados cerca de 700 figurantes e um elefante). Gostar ou não dos excessos depende de cada espectador, claro. Eu, no caso, achei tudo incrível. Até porque é cinema com muitas pessoas juntas, como no passado, e que necessita de uma organização minuciosa, de uma coreografia. E o mais incrível: depois dessa sequência, há outra impressionante também, mostrando como funcionava o esquema dos sets no deserto da Califórnia antes do cinema falado, com vários filmes sendo feitos ao mesmo tempo, e cujo resultado dependia ainda mais da montagem para seu sucesso.

E no meio disso tudo somos apresentados aos três personagens centrais: o super-astro Jack Conrad (Brad Pitt), a aspirante a atriz e mulher selvagem Nelly LaRoy (Margot Robbie) e ao jovem faz-tudo mexicano, que também sonha em trabalhar em Hollywood, Manny Torres (Diego Calva). Há uma habilidade incrível de Chazelle em saber dosar esse todo muito complexo e também deliberadamente bagunçado à organização da apresentação daquele mundo e daquelas pessoas. E com direito a uma trilha jazzística empolgante de Justin Hurwitz, parceiro do diretor deste o primeiro filme, WHIPLASH – EM BUSCA DA PERFEIÇÃO (2014). Essa trilha dá ritmo e calor a um filme cujo calor já se nota nas cores e na textura da fotografia de Linus Sandgren. Uma fotografia que parece contaminada pelo ambiente da luminosa Califórnia.

O diretor tem um domínio incrível de ritmo e as mais de três horas passam tranquilamente, deixando na memória uma série de cenas fantásticas: a luta com a cobra no deserto, a revelação da personagem de Margot Robbie como atriz, a dificuldade de se fazer um filme falado, Brad Pitt defendendo o cinema como arte respeitável a uma de suas esposas, Diego Calva negociando com os gângsteres etc. Fico na torcida para que o possível fracasso de bilheteria do filme (em relação a seus custos elevados) não interfira negativamente na carreira brilhante de Chazelle. Por isso eu digo: não deixem de procurar a melhor sala possível para ver o filme. Inclusive por causa do som. Sem dúvida nenhuma a escala do filme é muito grande para que ele seja apreciado como se deve em casa, por melhor que seja a televisão e o equipamento de som.

BABILÔNIA mixa personagens fictícios com personagens reais. A personagem de Margot Robbie é baseada na atriz Clara Bow (PROVOCAÇÃO DE AMOR, 1926), enquanto o astro vivido por Brad Pitt foi inspirado em três astros, John Gilbert, Douglas Fairbanks e Clark Gable. Conta-se, inclusive, que a saída de cena de Emma Stone, a princípio cotada para o papel que ficou com Margot, mudou bastante a personagem, que seria mais próxima de Clara Bow, adequando-se ao estilo da atriz australiana, que exala sensualidade, carisma e ambição desde seus instantes iniciais. E Margot entra de cabeça na personagem, com muita vontade mesmo. É dela a maior parte das cenas memoráveis do filme. Quanto a Pitt, ele está melhor à medida que envelhece. O momento em que ele percebe que chegou ao fim da carreira (e da vida) é carregado de tintas trágicas. Os personagens dos dois, mas também o de Calvo, vivenciam na própria pele a incrível e maravilhosa máquina de moer gente que é Hollywood.

O tom do filme parece mixar muito da história do cinema. Há influências de Federico Fellini (lembrei de ROMA e de SATYRICON) e das comédias da Nova Hollywood, mas há também um tom agridoce ao final, que remete um pouco a CREPÚSCULO DOS DEUSES, de Billy Wilder, e que traz à tona um sentimento que pode ter passado pela cabeça do jovem Chazelle. Ele tem apenas 38 anos e pode estar vivendo o fim do cinema – ou o fim como o conhecemos. Assim como os três protagonistas, teria o diretor chegado tarde demais, teria ele chegado justo no fim de uma era? Estaria ele prenunciando o fim prematuro de sua carreira, assim como acontece principalmente com Manny e com Nelly, uma vez que uma nova ordem está se formando? Ao mesmo tempo, o olhar de Manny ao enxergar CANTANDO NA CHUVA quase como um documentário de seu tempo e ao vermos aquele clipe tão belo quanto melancólico que traz excertos da história do cinema, traz uma certeza: a arte continua, por mais que tenha que passar por uma mudança drástica. Afinal, há milhões de apaixonados pelo cinema mundo afora, não é verdade?

+ DOIS FILMES

ESQUEMA DE RISCO OPERAÇÃO FORTUNE (Operation Fortune – Ruse de Guerre)

Um filme simpático de Guy Ritchie, para quem já espera muito pouco de seu cinema. Desse modo, é interessante ver o quanto o diretor é devedor de seus astros (Statham, Plaza, Hartnett, Grant) que entram num modo mais frio nessa aventura de espionagem tão leve quanto uma sessão da tarde descompromissada. O começo de ESQUEMA DE RISCO – OPERAÇÃO FORTUNE (2023) já deixa claro que até o mcguffin é dito ser uma coisa que foi roubada e não se sabe o que é. Assim, os heróis vão ao encalço de quem roubou, mas também de descobrir o que foi roubado. E o que foi roubado é pouco importante. O que importa é o jogo de gato e rato e as ações e reações de cada grupo. Ainda assim, achei um desperdício do talento de Audrey Plaza este papel tão sem-graça. Hugh Grant já está numa fase de não se importar tanto assim e fazer os filmes que lhe são ofertados. E para quem já havia feito uma aventura de espionagem muito bacana (O AGENTE DA U.N.C.L.E., 2015), Ritchie está cada vez menos interessado em ser aquele diretor estiloso que pretendia ser no início da carreira.

HOSPITAL (The Hospital)

Um filme bastante em sintonia com sua época, tanto no tipo de comédia que se fazia, quanto na preocupação quanto aos temas de ordem social abordados, com a panela de pressão que foram os Estados Unidos na virada das décadas de 1960 e 70. George C. Scott está muito bem como um dos médicos responsáveis por um hospital que, misteriosamente, está tendo alguns de seus profissionais encontrados mortos, supostamente, pela falta de atenção de enfermeiras, médicos e residentes. HOSPITAL (1970) ganha com o surgimento da personagem de Diana Rigg, que chega para mexer com a vida do protagonista, um homem que diz ser um impotente convicto. Conheço pouco da carreira do diretor Arthur Hiller, que talvez não seja um autor na acepção mais segura da palavra, mas na minha cinefilia pré-histórica, vi e gostei bastante do melodrama LOVE STORY – UMA HISTÓRIA DE AMOR (1970) e da comédia RAPAZ SOLITÁRIO (1984). Visto no box O Cinema da Nova Hollywood 3.

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