quarta-feira, setembro 19, 2007

SANTIAGO



O novo documentário de João Moreira Salles me causou desconforto. Senti-me incomodado com a maneira rude do diretor de tratar o seu antigo mordomo, um homem gentil e cheio de cultura que fazia o possível para agradar o seu patrão. Também me incomodou a pretensão de algumas cenas, como a excessivamente prolongada cena da dança das mãos de Santiago, que considero desnecessária. Mas como SANTIAGO (2007) é um filme muito pessoal, não sei se tenho que achar alguma coisa. O que mais gostei no filme foi de algo não dirigido por João Moreira Salles: um trecho de A RODA DA FORTUNA (1953), de Vincent Minnelli. Uma cena que mostra Fred Astaire e Cyd Charisse passeando calmamente por uma vereda. De maneira ao mesmo tempo suave e abrupta eles começam a dançar, quase como se estivessem flutuando. Achei aquilo tão lindo que quis ter o filme comigo, comprar o dvd. Sem falar nas pernas de Cyd Charisse, uma das mais bem torneadas pernas de Hollywood, pernas de fazer marmanjos suspirar, pernas tocadas apenas pela saia que se mexe com os movimentos. A RODA DA FORTUNA era o filme favorito de Santiago. Está aí um homem de bom gosto.

Santiago me fez lembrar do Sr. José, o protagonista do romance "Todos os Nomes", de José Saramago. Tanto por sua solidão, quanto pelo seu hobby de colecionar coisas incomuns. No caso de Santiago, ele colecionava seus próprios textos. Em seu apartamento no Leblon, Santiago tinha cerca de 30 mil páginas escritas sobre 500 anos das vidas de nobres e reis de todo o mundo. Em seus textos, ele gostava de expor suas antipatias e simpatias com esses personagens. Ele acreditava que eles viviam ao seu lado, no apartamento. Por isso ele não se sentia tão só. Ele falou que gostaria de deixar esses escritos com alguém que se importasse com eles, que cuidasse deles. Santiago também se orgulhava de sua incrível capacidade de memorização, mesmo já estando na casa dos 80 anos de idade.

SANTIAGO não é (apenas) um filme sobre um mordomo de gostos e estilo incomum. É um filme sobre a relação de um documentarista rico com seu criado. Salles se expõe no filme, mostrando o quanto era grosso e antipático - pelo menos na época das filmagens, em 1992. O projeto foi abortado e deixado de lado e o resultado final foi algo bastante diferente do que se intencionava na época. Lá pelo final do filme, outro momento incômodo acontece, quando Salles interrompe Santiago no momento em que ele se dispõe a assumir na frente das câmeras a sua homossexualidade, começando a dizer que faz parte de uma linhagem de pessoas malditas etc. Eu até entendo a decisão de Salles, que deve ter tentado evitar certo constrangimento (dele mesmo) com a situação, mas, mesmo assim, não foi algo agradável de se ver. Também achei cansativo ouvir por muito tempo o argentino falando numa mistura de espanhol com português e nesse sentido era sempre um alívio quando ouvia a voz do narrador, na pessoa do irmão do diretor, Fernando Moreira Salles. Também fiquei com um pé atrás nas cenas em que ouvimos uma música suave, ao piano, como que se forçando a emoção, coisa que ele evitava em ENTREATOS (2004). Ainda assim, gostando ou não de SANTIAGO - não gostar é até difícil -, não há dúvida de que se trata de um filme especial.

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