domingo, julho 27, 2025

BLACK MIRROR – SÉTIMA TEMPORADA (Black Mirror – Series 7)



Acho curioso como uma temporada tão bacana quanto esta sétima (2025) não esteja recebendo tantos elogios. Tudo bem que nem todos os episódios são tão incríveis assim, mas todos são no mínimo muito bons e interessantes, alguns bastante tocantes; outros, empolgantes. Esta nova temporada de BLACK MIRROR volta com mais força ao campo da ficção científica, algo que a anterior (2023) havia se desviado um pouco, ficando mais próxima do horror, coisa que também me agradou, aliás. Falo abaixo um pouco sobre cada episódio desta temporada, vistos num intervalo de tempo maior do que eu gostaria. 

Common People

Adorei a arte do cartaz deste "Common People", um dos episódios mais pedradas de BLACK MIRROR. O marido (Chris O'Dowd) tentando beijar a esposa (Rashida Jones) que se apresenta como se estivesse com o corpo se desfazendo como um metal líquido. Na história, os dois são pessoas que vivem em empregos simples e mal remunerados. O dinheiro mal dá para eles atravessaram para a outra cidade no dia do aniversário da relação dos dois para comerem um hambúrguer num lugar chamado San Junipero (referência a um dos episódios mais cultuados da série). Certo dia, ela passa mal e se descobre com um câncer no cérebro. Sua alternativa de vida aparece numa nova experiência de uma empresa, que diz que a cirurgia é grátis, mas que o casal terá que pagar mensalidades. "Common People" tem muitas camadas e pode se referir a diversas coisas: é fácil pensar diretamente nos planos de saúde, mas também nos serviços de streaming e, indo mais fundo, na própria vida que levamos hoje, muito dependente da tecnologia. Aqui a tecnologia aparece como um vampiro de almas, por assim dizer. O final só não é mais devastador porque, em determinado momento, a vontade de viver daquele jeito se torna mínima.

Bête Noire

Acho que o mais curioso deste episódio é que eu, pelo menos não cheguei a acreditar na protagonista, embora também não confiasse na loira que aparece no escritório para desestabilizar seu mundo. Na trama, Maria (Siena Kelly) é uma garota especialista em doces (na verdade, sua empresa é mais sofisticada do que apenas uma doceria). Ela fica bastante incomodada quando uma ex-colega dos tempos de escola chega para trabalhar em seu mesmo espaço profissional. Estranhas coisas começam a acontecer e Maria passa a achar que é essa mulher, Verity (Rose McEwen), que, de alguma maneira, está fazendo algo para lhe prejudicar. Ao longo do episódio sabemos alguns motivos. A melhor parte é o embate final entre as duas. Pode não ser dos melhores episódios da série, mas é bem interessante como uma variação de À MEIA LUZ, O BEBÊ DE ROSEMARY e outros filmes sobre gaslighting.

Hotel Reverie

Segundo mais longo episódio desta sétima temporada, "Hotel Reverie" parece uma mistura de A ROSA PÚRPURA DO CAIRO com o belo "San Junipero" (olha ele de novo!). Mas aqui não é a personagem do filme que sai da tela, mas uma atriz que invade a realidade de um filme clássico, a partir de uma nova tecnologia que permite que um ator consiga contracenar com personagens de inteligência artificial gerados a partir de conceitos dos filmes-alvo. A ideia então é abraçada pela atriz vivida por Issa Rae, cansada de fazer papéis secundários em grandes produções e de trabalhar como protagonista apenas em filmes indie. No filme dentro do filme, ela conhece a personagem que não sabe que é uma personagem (Emma Corrin), até que em algum momento essa falta de consciência é quebrada. Em algum momento este pequeno filme, que não é tão pequeno assim, começa a cansar, mas gosto do epílogo, embora não goste tanto assim da conclusão da situação das duas mulheres dentro da nova versão do filme dentro do filme. De todo modo, é sempre bom ver uma boa ideia sendo desenvolvida. E ideias não têm faltado a Charlie Brooker.

Plaything

Um dos mais interessantes desta nova temporada, este "Plaything" já começa intrigante, com o personagem de Peter Capaldi se deixando prender numa loja simples e numa civilização avançada o suficiente para capturar pessoas que têm ficha criminal com um exame de DNA imediato. Mas isso é o de menos: o mais importante surge no depoimento do personagem na delegacia, que nos levará para sua juventude, quando teve contato com uma criação de inteligência artificial com visual de videogames antigos. Muito legal o tom retrô, afinal, boa parte da trama se passa mais ou menos nos anos 1990. Dos episódios da série, é o que mais se aproxima de um cyberpunk. O diretor David Slade já havia comandado um episódio especial da série-antologia: "Bandersnatch" (2018), que ouvi dizer que estaria saindo da Netflix, sem que os demais saiam. O que me pareceu um bocado estranho.

Eulogy

Este é um dos mais melancólicos episódios de BLACK MIRROR, e que bom que a série pôde contar com um ator tão bom quanto Paul Giamatti. Aqui ele é um homem solitário que recebe a visita de uma moça que fala sobre o falecimento de uma ex-namorada dele. A lembrança dessa mulher logo traz um impacto grande no protagonista. Como aqui se trata de BLACK MIRROR, a tecnologia está aí para perturbar, mas também para nos deixar muito empolgados com a criatividade da história. A ideia da filha da mulher falecida é criar, a partir de memórias de quem a conheceu, a partir de um equipamento chamado "eulogy", capaz de fazer com que a pessoa busque numa foto borrada que seja a memória daquele momento. É também uma história de dor imensa e de reconexão com um passado que a pessoa até então queria esquecer. É como se fosse a um pequeno filme sobre um reencontro amargo com um amor perdido.

USS Callister – Into Infinity

Acho engraçado que eu tenha tão pouca lembrança de "USS Callister", episódio da quarta temporada (2017) de BLACK MIRROR. Resolvi encarar esta continuação desse episódio sem rever o anterior e achei absolutamente fascinante. Não sei se melhor, mas talvez seja. Talvez porque a personagem de Cristin Milioti (PALM SPRINGS) seja tão boa e de tão fácil simpatia por parte do espectador que seu carisma é quase o bastante. Temos ela como duas personagens: a original, que trabalha na empresa Infinity, e a sua clone, que está presa numa nave espacial junto com outros clones. "USS Callister - Into Infinity" ainda traz um interessante flashback do dia que os personagens de Jesse Plemons (o inventor) e Jimmi Simpson (o dono da companhia) se conhecem. É interessante notar que esta temporada explora muito bem universos alternativos. Acontece com "Plaything", com "Hotel Revery", um pouco com "Eulogy" e finalmente com "USS Callister - Into Infinity". E isso não chega a ser uma novidade na série de Charlie Brooker. Há, inclusive, uma referência mais uma vez a "San Junipero" (2014), um dos mais celebrados da série, aqui aparecendo como nome de um hospital. De certa forma, parece ser uma obsessão de Brooker apresentar personagens presos em circunstâncias cruéis: talvez o pior/melhor exemplo seja o de "White Christmas" (2014).

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