sexta-feira, outubro 27, 2023

O ASSASSINO (The Killer)



Cineasta surgido do mundo dos videoclipes, então em alta, assim como Jonathan Glazer, Spike Jonze e Michel Gondry, David Fincher, quando estreou no cinema, com ALIEN 3 (1992), pouco se esperaria que se tornasse um dos mais importantes cineastas “nascidos” naquela década catártica. Fincher está de volta com um filme minimalista, de certa forma surpreendente numa carreira em que o diretor privilegiou as ambientações – talvez o filme mais próximo deste novo seja O QUARTO DO PÂNICO (2002), por se passar num único lugar. No caso deste novo O ASSASSINO (2023), ele se passa em vários lugares, mas esses lugares são muito pouco explorados. E isso é feito de forma deliberada.

Não vejo isso como um problema. Na verdade, é um dos charmes do filme, que não deixa de exibir o virtuosismo do cineasta e ainda trazer uma trama que pode servir como uma alegoria da própria atividade do cineasta, de sua busca pela perfeição e de como às vezes é aquilo que sai dos trilhos que acaba fazendo a diferença e trazendo mais humanidade para o projeto. No caso do assassino sem nome vivido por Michael Fassbender, o erro de ter atirado na pessoa errada durante uma de suas operações faz com que o filme exista e pulse.

Quem se incomoda um pouco com narrações em voice-over pode não gostar tanto assim do filme, que tem a voz metódica interior do protagonista muito presente. Ao longo da narrativa, ouvimos seu "mantra" diversas vezes: “atenha-se ao plano; não tenha empatia; antecipe, não improvise” etc. Isso deixa claro um posicionamento frio diante da vida e uma frieza necessária para a execução de seus planos. Acontece que o erro (humano) do personagem é o que faz o espectador se aproximar dele: fugir de moto sem que seja pego pela polícia, respirar ofegantemente e procurar não deixar rastros. Nessas sequências mais tensas se destaca a trilha sonora da dupla Trent Reznor e Atticus Ross, parceiros do cineasta desde A REDE SOCIAL (2010). Inclusive, a dupla costuma se engrandecer nos trabalhos com Fincher.

Não vai demorar muito para o filme estar disponível para mais espectadores na Netflix, mas poder vê-lo no cinema não tem preço. (São poucas as cidades brasileiras que o estão exibindo nos cinemas e fico feliz que Fortaleza seja uma delas.) É David Fincher afiadíssimo e fazendo aquilo que sabe tão bem: o filme criminal. Trata-se do melhor trabalho do diretor desde GAROTA EXEMPLAR (2014) – se bem que entre um e outro só houve trabalhos para a televisão, como a excelente e saudosa MINDHUNTER (2017-2019), e o divisivo e ambicioso MANK (2020).

Em O ASSASSINO, a onipresença de Fassbender não tira o brilho dos coadjuvantes nos momentos em que ele contracena com eles. Até a nossa Sophie Charlotte, quase irreconhecível, tem uma atuação muito boa na cena do hospital. Há um ator pouco conhecido e aparentemente estreante (Gabriel Polanco), que faz um taxista, e tem seu momento de brilho. Mas nada como a cena em que Fassbender dialoga com Tilda Swinton num restaurante. Fincher fez bem em valorizar uma atriz tão genial.

Tudo no filme é de tirar o chapéu: a condução, a fotografia, a direção de arte e até uma coreografia de luta (numa cena que me deixou impressionado). Baseado na graphic novel The Killer, de Alexis Nolent e Luc Jacamont, o novo filme parece ser uma das obras menos ambiciosas do diretor, mas, a exemplo de VIDAS EM JOGO (1997), certamente vai estar carinhosamente na lista de favoritos de muitos de seus fãs.

+ DOIS FILMES

NOSTALGIA

Como é bom poder ver um belo filme italiano sem ter que revisitar uma obra de décadas atrás (ou sem que seja um novo Bellocchio ou um novo Moretti). E o barato deste NOSTALGIA (2022), de Mario Martone, é vê-lo sabendo o mínimo possível da trama. Basta saber o que diz a sinopse: o retorno de um homem a Nápoles depois de uma ausência de 40 anos. O diretor Mario Martone, além de saber trabalhar com os sentimentos do protagonista (de saudade, de dor, de confusão), mostra uma Nápoles tão decadente e perigosa que parece um lugar saído de um filme de horror. Inclusive, é até possível lembrar do gênero em certos momentos. A beleza plástica é outro destaque, com momentos que parecem remeter a pinturas clássicas, como a cena em que o protagonista carrega a mãe nos braços para dar-lhe um banho, ou outro momento muito importante, na igreja, com a câmera só revelando o ocorrido aos poucos. Uma bela surpresa que infelizmente está sendo pouco vista em nossos cinemas e merece a nossa atenção.

TERRA DE DEUS (Vanskabte Land / Volaða Land)

Acho corajosos esses filmes que trazem um protagonista antipático logo de cara, o que já nos deixa torcendo mais para a natureza do que para ele ou qualquer personagem humano no caso deste aqui. Mas TERRA DE DEUS (2022), de Hlynur Pálmason, talvez seja um filme mais interessado numa visão um pouco distanciada por parte do espectador. Nisso, acho fascinante sua primeira metade, principalmente, que mostra o difícil percurso que o padre faz de uma ponta a outra da Islândia, passando justamente pela zona não populosa, mais selvagem e terrível. Ou terrivelmente bela. Fazer isso sem falar o islandês, mal sabendo andar a cavalo e sendo frágil demais para aguentar aquele clima nas montanhas da grande ilha vulcânica é muita burrice. A segunda parte do filme é boa, mas talvez a duração tenha prejudicado um pouco meu envolvimento. O antagonista deixa de ser a natureza e passa a ser o próprio vilarejo, principalmente o pai de uma das duas jovens, mas também um velho islandês. Gosto muito da fotografia e da opção elegante pela janela "clássica" (1,33:1), com bordas arredondadas.

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