sábado, novembro 28, 2020

HALLOWEEN - OS TRÊS PRIMEIROS FILMES



Recentemente eu tanto percebi que tenho uma lacuna considerável no que se refere ao saboroso subgênero do horror slasher. Até mesmo uma franquia como a criada por John Carpenter e que rendeu mais uma dezena de sequências/reboots, além de ter influenciado uma infinidade de outros filmes. Revi recentemente o primeiro HALLOWEEN (1978) e vi pela primeira vez a duas continuações, ainda que o terceiro não seja exatamente uma continuação. Pretendo ver os demais filmes no futuro. São obras que funcionam como um ótimo calmante para o cérebro, principalmente quando estamos cansados.

HALLOWEEN - A NOITE DO TERROR (Halloween)

Gostei mais de HALLOWEEN agora do que da primeira vez que o vi. Acho que da primeira vez fiquei meio desapontado pelo andamento (lento) do filme. E de fato ele se diferencia bastante dos demais slashers que surgiriam. Até a violência parece bem discreta. No entanto, o mito de Michael Myers tanto cresce no filme, pelo seu visual e também pelo que enfatiza o médico vivido por Donald Pleasance, quanto a sua periculosidade. É legal ver Carpenter colocando easter eggs em seu filme sem ainda ter noção disso: o filme que as crianças assistem é O MONSTRO DO ÁRTICO, que seria futuramente refilmado por Carpenter como O ENIGMA DO OUTRO MUNDO (1982). Há algo de ingênuo no modo como as crianças e até a personagem de Jamie Lee Curtis falam do bicho papão, mas hoje vejo mais como algo positivo.

HALLOWEEN 2 - O PESADELO CONTINUA! (Halloween II)

Em certos momentos, eu até gosto mais deste HALLOWEEN 2 - O PESADELO CONTINUA! (1981), dirigido por Rick Rosenthal, do que do primeiro, mas, no geral, e principalmente em sua conclusão, o filme vai perdendo o encanto e a elegância que o original de Carpenter trazia. E nem sei se dá para reclamar dos clichês, que hoje são manjados, mas será que já eram na época do lançamento? Além do mais, é um filme que fortalece Michael Myers como uma figura mitológica e fantástica, resistente a balas, uma espécie de super-homem pronto para matar. O filme se sustenta bem, tendo que se passar quase que totalmente dentro da clínica onde Laurie (Jamie Lee Curtis) foi internada, e que se transforma num local de carnificina, como já é esperado. O personagem de Donald Pleasance, o Dr. Loomis, segue tendo grande importância na trama. Outro ponto positivo é uma maior aproximação com os gialli e com o cinema de horror italiano, coisa que já havia no original, mas aqui é amplificado pelo maior grafismo das cenas de violência.

HALLOWEEN 3 - A NOITE DAS BRUXAS (Halloween III - Season of the Witch)

Nem se trata de ser um episódio à parte da franquia HALLOWEEN e não ter o Michael Myers, mas de ser um projeto mal pensado e mal executado. Até é compreensível a ideia de fazer uma espécie de antologia de filmes de terror, mas HALLOWEEN 3 - A NOITE DAS BRUXAS (1982), de Tommy Lee Wallace, não funcionou. De todo modo, é curioso e começa bem interessante, com um ar de ficção científica B, com direito a cientista louco que tem planos para dominar o mundo utilizando uma propaganda de televisão. Gosto do primeiro terço do filme, focado basicamente no hospital. Depois, acho que ele vai perdendo a força, principalmente no clímax.

quinta-feira, novembro 26, 2020

MARADONA BY KUSTURICA



Quem me conhece sabe que eu não sou muito fã de futebol. Talvez seja por ser perna de pau desde minhas primeiras tentativas com o esporte mais popular do mundo. Mas lembro, por outro lado, de ter uma fase de gostar muito de futebol de botão. E de gostar de fazer tabelas de classificação. Daí surgiu parte do meu interesse por Copas do Mundo. Além de outros aspectos também. E por isso, ainda que fosse muito pequeno ainda, tenho lembranças da Copa de 82 (do dia em que o Brasil perdeu para a Itália, eu e a minha irmã ouvindo pelas paredes o que rolava na TV vizinha, pois a daqui de casa estava no conserto) e tenho também lembranças carinhosas da Copa de 86, quando a seleção da Argentina conquistou a todos com sua graça, seu talento e o carisma principalmente de um sujeito chamado Maradona.

Maradona deixou este plano ontem e eu me peguei surpreso em ter ficado tão triste com a morte de um jogador de futebol. Nem com Ayrton Senna, que era tão popular, eu me comovi, pra se ter uma ideia. Mas Maradona tinha algo especial. E eu sabia disso mesmo sem ter acompanhado com tanta atenção os seus dramas envolvendo escândalos com dopings, uso de cocaína e decadência física gradual devido a um tipo de vida louca de alguém que mais parecia uma locomotiva desgovernada. Ou um touro indomável.

Aliás, o termo cabe demais na figura de Maradona, tanto pelo seu temperamento explosivo dentro e fora do campo, quanto por ele próprio admitir adorar Robert De Niro, em especial seu papel em TOURO INDOMÁVEL, de Martin Scorsese. Ele traz essa resposta quando o diretor Emir Kusturica lhe pergunta: se ele fosse um ator famoso, quem ele gostaria de ser. O curioso é que esse tipo de comparação com o filme do De Niro boxeador, eu já havia feito enquanto assistia ao documentário. Mas há algo de tão mais doce em Diego Maradona, tão mais humano, na concepção mais contraditória do termo que possa existir. Por mais que esse humano também ganhe a alcunha de deus e tenha conseguido ser glorificado até mesmo em uma igreja maradoniana, que faz uma espécie de sátira com os rituais da Igreja Católica.

Que bom que MARADONA BY KUSTURICA (2008) não é um documentário sobre futebol, ou sobre a trajetória de Maradona no futebol. Se bem que, se assim o fosse, eu acho que também ia gostar. Mas tenho muito mais interesse em pessoas, mais no homem do que no atleta. E aqui Kusturica consegue ganhar a confiança de Maradona tão bem que ele abre seu coração e fala do quanto lamenta que seus problemas com as drogas tenham comprometido sua relação com as filhas. Ele praticamente não as viu crescer, por estar tão envolvido em um universo do submundo espiritual. E isso é muito comovente. Quando ele fala de quando ele, bêbado e drogado, tentava se aproximar de uma das filhas e ela se afastava dele, pensei imediatamente em minha infância e em meu pai, alcoólatra, e que também deve ter sofrido com isso. Hoje eu já tenho um sentimento de maior compreensão desses momentos de queda dos seres humanos.

Só a cena, que na verdade é um clipe estendido, que mostra o próprio Maradona cantando "La mano de Dios" já é o suficiente para deixar MARADONA BY KUSTURICA naquela "prateleira" de documentários do coração. Enquanto a bela canção é cantada (e eu ficava olhando e me admirando com o fato de ser ele mesmo ali, em carne e osso, cantando!), cenas de alegria e de tristeza passam pela tela. Imagens com a família, mas também dos escândalos e situações deploráveis. Emir Kusturica foi muito feliz ao conseguir fazer esta montagem magnífica. E tanto a melodia quanto a letra da canção contam a história deste que é um dos personagens mais admiráveis do último século, como que criando uma nova mitologia. 

Além de tudo, o filme ainda traz um monte de imagens fantásticas de arquivo. Ter um filmete do Maradona criança dizendo o que deseja para seu futuro é fantástico (e conseguindo as duas coisas: jogar em um mundial de futebol e ser campeão no mundial). Há ainda os encontros com líderes de esquerda, o carinho que sente por Fidel, Chávez e Morales; a banana que ele dá para os Estados Unidos e para um convite do Príncipe Charles - imagina só se ele ia perdoar a Guerra das Malvinas!

Só acho que Kusturica exagera na quantidade de vezes que toca "God save the Queen", dos Sex Pistols (por mais que seja tão simbólico o embate Argentina x Inglaterra em 1986) e talvez não fosse necessário incluir cenas de seus filmes. Mas, enfim, nada disso chega a comprometer o projeto. É tudo emocionante, na verdade. Passei a admirar e a gostar mais de Maradona depois deste filme. E no final, ver o protagonista ouvindo Manu Chao cantando e tocando "La Vida Tombola" na rua também não tem preço.

terça-feira, novembro 24, 2020

SEIS FILMES FRANCESES



Mais um dia com pouco tempo e pouca disposição para pensar de forma mais ordenada e calma sobre os filmes que vi para elaborar um texto maior. Então, vamos de drops, desta vez de filmes franceses, ou filmes com coprodução francesa.

APAGAR O HISTÓRICO (Effacer l'Historique)

Achei este APAGAR O HISTÓRICO (2020), de Benoît Delépine e Gustave Kervern, bem simpático e há momentos em que dei boas gargalhadas (em especial, a cena do entregador de aplicativo ou da mulher que fala de um de seus vícios), mas o humor é muito irregular e nem sempre funciona. Podemos dizer que há um senso de humor bem peculiar, que equilibra a estranheza com algo de vulgar (o que mais me agrada, talvez). O drama dos personagens é que parece bobo, principalmente da personagem que é chantageada por causa de uma sex tape. A fotografia tem uma granulação curiosa, como se fosse filmado em 16 mm. Não sei qual é a razão dessa preferência pela baixa definição. Vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Berlim deste ano.

A BOA ESPOSA (La Bonne Épouse)

Os franceses são ótimos nessas comédias dramáticas que equilibram sutileza com momentos quase de humor pastelão. E tratando de um assunto muito sério, que é a questão da educação que era dada para a mulher para ser a rainha do lar na década de 1960, já pertinho dos anos da revolução. Em A BOA ESPOSA (2020), de Martin Provost , Juliette Binoche é diretora dessa escola para educar adolescentes para se tornarem boas mães e boas esposas. Há um elenco jovem muito simpático e que equilibra um pouco o drama dos mais velhos, embora no final seja a história da personagem de Binoche mesmo o grande foco. Achei o final muito bonito e coerente com um diretor que já fez um filme explicitamente feminista como VIOLETTE (2013). Aqui ele só parece comportado. Afinal, a ação se passa no interior e em uma instituição de educação bem tradicional e rigorosa.

BELLE ÉPOQUE (La Belle Époque)

Gosto da temática de se voltar no tempo, escolher um determinado ponto no passado para reviver aquele momento. É mais ou menos isso que é proposto para o personagem de Daniel Auteuil, já cansado da vida e principalmente triste por ser enxotado de casa pela mulher (Fanny Ardant). Apesar do título, BELLE ÉPOQUE (2019), que remete aos anos 1920, o momento a que ele "volta no tempo", por assim dizer, é 1974, ao dia mágico em que conheceu a esposa. O problema do filme é que é muito metido a dinâmico, a rapidinho, não dando tempo para que se construa algum sentimento de parte alguma. O filme acaba por dever muito de sua força à beleza e ao encanto de Doria Tillier, que esteve (e foi corroteirista) do filme anterior de Nicolas Bedos, o muito melhor MONSIEUR & MADAME ADELMAN (2017).

DEZESSEIS PRIMAVERAS (Seize Printemps)

Não sei se gostei do fato de a diretora (Suzanne Lindon) ser a própria protagonista, mas isso pode trazer algo de biográfico e bastante pessoal para o projeto. As cenas de DEZESSEIS PRIMAVERAS (2020) que envolvem música e coreografia ajudam a elevar o filme de um simples projeto sobre uma menina de 16 anos que se apaixona por um homem de 35 para algo mais poético. Gosto em especial da cena do café. Às vezes me incomoda os personagens quase não falarem, não terem muito assunto. Para a adolescente, tímida, é até compreensível, para o sujeito, não tanto. Outro ponto curioso é ter uma história de amor sem sexo. Não sei se por pudor, por medo ou simplesmente por tentar trazer um sentimento puro da paixão na adolescência.

MIGNONNES

Dá pra entender os motivos que fizeram com que MIGNONNES (2020), de Maïmouna Doucouré, se tornasse polêmico, ainda mais nos dias de hoje. Mas todos os momentos em que as meninas ensaiam ou mostram sua dança para o público são vistos ora com um olhar crítico pela câmera, ora entendendo que o que as meninas fazem é simplesmente reproduzir o tipo de dança de linha mais sensual adotada na música pop em todo mundo já faz algumas décadas. A história é uma conto de maturidade juvenil de Amy, pré-adolescente descendente de senegalezes com tradições religiosas e culturais bem distintas da francesa, e de como ela se sente atraída em fazer parte de um grupo de meninas de sua escola.

MATTHIAS & MAXIME

Vi poucos filmes de Xavier Dolan e os que vi não me animaram muito. Gosto de algumas cenas deste MATTHIAS & MAXIME (2019), mas no geral é muito arrastado e desinteressante. Dolan como ator é muito bom, ele dá mais força ao drama dos dois homens que, depois de se beijarem para um curta-metragem, se sentem um tanto estranhos em dar prosseguimento a suas amizades. É um drama que se passa mais na cabeça dos personagens do que na sociedade, que não se apresenta exatamente homofóbica. As cenas de tensão entre os dois são as melhores do filme, mas seria talvez melhor se tivesse meia hora a menos. Também senti falta de um maior trabalho de interação entre os amigos, de modo que achássemos pelo menos parte da turma quase tão importante quanto Matt e Max.

domingo, novembro 22, 2020

BABENCO - ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU



Hector Babenco sempre foi um diretor que transitou pelo caminho da marginalidade através de sua obra e também pelo fato de se sentir apátrida, já que não acreditava ser bem aceito pelos brasileiros, o país que ele escolheu para morar e para seguir carreira de diretor de cinema, nem pelos argentinos, os seus compatriotas. Na Argentina, aliás, Babenco só fez um filme, CORAÇÃO ILUMINADO (1998), que funciona como um filme-testamento até mais do que seu filme de despedida, MEU AMIGO HINDU (2015), que trata mais de seu momento de enfrentamento da morte nos hospitais do que de resgate de suas origens ou de aprofundamento de seu passado.

De certa forma, Bárbara Paz consegue fazer isso para ele neste filme póstumo e de homenagem ao homem e ao artista. BABENCO - ALGUÉM TEM QUE OUVIR O CORAÇÃO E DIZER: PAROU (2019) está ganhando mais notabilidade agora, com a escolha de uma comissão para ser o filme para representar o Brasil no Oscar 2021, do que na época do Festival de Veneza 2019, quando ganhou um prêmio de melhor documentário, em um ano que foi inegavelmente um dos mais brilhantes para o cinema brasileiro em termos de prêmios internacionais.

A estreia de Bárbara Paz na direção é explicitamente tateante, e ela tem a humildade de mostrar isso na tela. Se ela tem dificuldade de encontrar foco na câmera, o marido Hector Babenco lhe dá algumas dicas, ainda que de maneira um pouco impaciente. "Seja paciente com seus alunos", ela diz, carinhosamente. E esta que é a primeira cena de intimidade dos dois tem a ver com essa busca por foco da cineasta na construção de sua obra, que traz tanto imagens dessas cenas do cotidiano de enfrentamento da doença ou de descanso em casa, quanto cenas de filmes de Babenco e imagens de arquivo que ela julgou importante incluir.

As primeiras cenas construídas trazem cenas que dizem muito do estado de espírito de quem está travando aquela que será sua última batalha contra o câncer: imagens de personagens acuados em filmes como PIXOTE - A LEI DO MAIS FRACO (1981) e O BEIJO DA MULHER-ARANHA (1985) ou de mistos de explosões de loucura e entusiasmo em filmes como BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR (1991) e o já citado CORAÇÃO ILUMINADO. Ou seja, ela já começa com escolhas inteligentes e sensíveis para a construção de um filme que é tanto uma obra de montagem quanto um herdeiro de um documentário como UM FILME PARA NICK, de Wim Wenders e Nicholas Ray. Em ambos os casos, inclusive, há sempre o cuidado para mostrar o doente não como um coitado, mas com certa crueza no trato com o cotidiano.

Em determinado momento, o próprio Babenco diz que é preciso se adaptar a essa nova realidade, a essa privação de forças que a doença impõe a seu corpo. Ele fala isso quando sente que suas pernas, gradativamente, já perdem forças. O cineasta já vinha enfrentando o câncer desde a época de O BEIJO DA MULHER-ARANHA. Ou seja, foram muitos anos de luta. Quando o vemos nos bastidores de CARANDIRU (2003), ele está com um aspecto bastante abatido quando pede silêncio das pessoas. Imagina só estar doente e ter que encarar uma produção tão complicada e com tantas pessoas (atores e figurantes) envolvidas. E ele fez isso também durante a loucura que foram as filmagens de BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR.

A inclusão de "Exit Music (For a Film"), uma das mais belas e tristes canções do Radiohead nos créditos iniciais, nos ajuda a abraçar o filme desde o começo. E a letra casa muito bem com a situação. "Today. We escape. We escape." ou "Breath. Keep breathing." No cinema, como geralmente acontece em se tratando de música em filmes, a explosão emocional desta canção certamente é muito mais intensa nos espectadores.

O final é também poeticamente belo, com uma afirmação da continuidade de vida de Hector Babenco. Ela utiliza um desejo ou fantasia dele para construir essa ideia de ele estar vivo (ele que venceu tantas vezes a doença nesse longo processo). Mas sabemos que há a eternização pela arte, pelo rico legado, que é muito gentil e carinhosamente tratado por Bárbara Paz.

Agradecimentos à Paula, por ver este filme comigo em esquema de sessão de cinema com distanciamento social.

sábado, novembro 21, 2020

COMPASSO DE ESPERA



Ontem foi Dia da Consciência Negra. Infelizmente foi um dia menos de celebração e mais de lamento, já que, no dia anterior, um homem negro foi espancado até a morte em um supermercado de Porto Alegre. Houve uma série de manifestações em algumas partes do país, mas penso que ainda são poucas pela gravidade do ocorrido, se compararmos com o que aconteceu com a morte de George Floyd, nos Estados Unidos. O racismo que o nosso Vice-Presidente disse não existir no país está a cada dia mais escancarado.

Aliás, tudo neste ano de 2020, regido pelo Sol, está sem o véu. Sempre houve preconceito, apenas agora ele está disposto nas prateleiras para todo mundo ver. É uma estrutura que imagino que vai cair no futuro mais ou menos próximo, otimista que sou. Assim, como forma de relembrar o dia, resolvi finalmente ver um dos filmes mais importantes da cinematografia brasileira, COMPASSO DE ESPERA (1973), única incursão pelo cinema do diretor de teatro Antunes Filho, e um espaço livre para o brilho do grande Zózimo Bulbul.

Na trama, Bulbul é Jorge, um homem que tem alguns privilégios por ter tido um padrinho branco e rico. Ele é poeta, publicitário, mora em um apartamento bonito, veste boas roupas e costuma ser bastante assediado pelas mulheres, inclusive mulheres brancas da alta sociedade. A mulher que o auxilia na agência de publicidade é Ema (Elida Palmer), que é mais velha do que ele, mas que nutre uma paixão profunda pelo rapaz.

No entanto, o coração de Jorge passa a balançar por uma outra mulher que aparece em sua vida, Cristina (Renée de Vielmonde, linda), também vinda de família abastada, e que se encanta por aquele homem negro alto, forte e com uma inteligência e sensibilidade admiráveis. O curioso é que, no início do relacionamento, Jorge chega a perguntar à Cristina se ele gosta de fato dela, pois existe sim uma espécie de utilização do corpo do negro como objeto de fetiche ou coisa parecida. Ele fica mais tranquilo quando ela diz que o ama de verdade.

COMPASSO DE ESPERA não é apenas uma história de amor quase impossível dentro de uma realidade que parece recém-saída da escravatura; é também um filme político e reflexivo sobre o quanto os brancos dominantes preferem continuar tratando os negros como subservientes, como inferiores. As tensões que se notam em ambientes sociais em que brancos e um percentual bem menor de negros frequentam já antecipam o barril de pólvora que o filme pode apresentar. E então chegamos na inesquecível (e muito triste) cena da praia.

Fiquei um pouco incomodado com o fato de Bulbul ter sido dublado por Roberto Maya; logo o Maya, que interpretou Marcelo, o playboy caçador de mulheres dos filmes de Walter Hugo Khouri. Não que tenha ficado ruim, mas não me pareceu uma boa ideia. De todo modo, pode-se culpar o longo processo de pós-produção do filme, que foi filmado em 1969, mas só teve sua primeira exibição pública em 1973, foi lançado no circuito comercial em 1975 e acabou indo mal de bilheteria. Mas o importante é que o filme sobreviveu e está aí para quem quiser ver um exemplar do que há de melhor do cinema negro de resistência made in Brazil.

sexta-feira, novembro 20, 2020

WENDY E LUCY (Wendy and Lucy)



Nos últimos anos estou tendo a oportunidade de aprender muito sobre a "invisibilidade" dos filmes dirigidos por mulheres e do quanto existem realizadoras tão impressionantes que chega a ser um absurdo o fato de esses filmes não terem feito sucesso mesmo no circuito alternativo mais restrito, que só recentemente está seguindo as tendências de valorização desses trabalhos em festivais no mundo todo. De Kelly Reichardt só tinha visto o ótimo CERTAS MULHERES (2016), um filme poderoso. Lembro que na época que escrevi sobre ele já me cobrava de ir atrás de outros filmes da cineasta. Não sei por que não fiz isso. De todo modo, aqui estou de volta vendo um trabalho sensível dela, a pequena obra-prima WENDY E LUCY (2008), que conta com Michelle Williams, uma atriz que eu só percebi o quão gigante é nos últimos anos também.

Aqui ela é uma jovem mulher na faixa dos seus vinte anos que está sozinha e com pouco dinheiro em uma cidade do norte dos Estados Unidos. Sua intenção é ir para o Alaska recomeçar a vida. O filme não nos conta detalhes sobre o que aconteceu com ela que a fez deixar tudo para trás, mas um telefonema em determinado momento da narrativa nos dá uma ideia. E se na própria família ela parece não encontrar apoio, naquela cidadezinha pequena, sem dinheiro para dormir em um motel ou para consertar o carro, as coisas ganham uma dimensão ainda mais dramática com o sumiço de sua cachorrinha Lucy.

A situação me fez lembrar ONDE FICA A CASA DE MEU AMIGO?, de Abbas Kiarostami, em que uma criança tenta a todo custo entregar o caderno de seu coleguinha de sala de aula para que ele não seja prejudicado. (Em entrevista à Slant, a diretora não citou este filme como referência, mas lembrou de UMBERTO D., de Vittorio De Sicca, e de outros exemplares do neorrealismo italiano.) O que temos nesse tipo de abordagem que parece lidar com situações menores é perceber que essas situações não são menores. Não estamos diante de um filme de guerra ou um melodrama de doença terminal, mas a angústia que Wendy, a personagem de Williams, sente ao longo de sua passagem por aquela cidade é igualmente sentida do lado de cá da tela. Fazer isso apenas com a força dos gestos, dos olhares, com diálogos curtos, é um feito e tanto.

Além do mais, WENDY E LUCY nos faz pensar na crueldade do sistema capitalista (a própria cineasta passou financeiramente por maus bocados em sua vida), no machismo, mas também na rara bondade que existe na raça humana. É o caso do senhor que trabalha como segurança e que é o representante dessa esperança que ainda guardamos na raça humana. Coisas que nos fazem seguir em frente com um teor menor de amargura.

Agradecimentos à Paula por ter visto este filme comigo, ainda que à distância.

segunda-feira, novembro 16, 2020

A GARDÊNIA AZUL (The Blue Gardenia)



Os 18 meses que antecederam A GARDÊNIA AZUL (1953) não foram fáceis para Fritz Lang. Depois que ele finalizou SÓ A MULHER PECA (1952) em novembro de 1951, começou a perceber que as portas estavam fechadas para ele em Hollywood. O cineasta entrou na famosa lista negra do mccarthismo, não por ser comunista, mas por ser um “potencial comunista”. Foi o chefão da Columbia, Harry Cohn, quem tirou Lang da enrascada, em 1953, testemunhando ao Comitê para Assuntos Não-Americanos que ele não havia sido membro do Partido. Lang ficou muito aborrecido com o ocorrido e esse é um dos motivos, segundo ele mesmo, de ter passado um pouco desse sentimento de amargura para o filme, que apresenta um retrato um tanto desencantado da sociedade americana.

Assim, A GARDÊNIA AZUL passou a ser um filme tão pouco querido pelo próprio diretor quanto pela própria crítica, que não o recebeu tão bem. Hoje a obra tem muito a dizer e muito a dialogar com a recente discussão sobre estupro em casos de embriaguez da mulher. E o mais impressionante de tudo é que o filme nos faz ver a mulher como culpada. Há uma diminuição do ato do agressor, que se torna vítima, pois foi encontrado morto. Assim, nem a protagonista, Norah, vivida por Anne Baxter, por não lembrar do ocorrido após o "apagão" durante o confronto com o agressor, quanto nós, espectadores, acreditamos na inocência.

Olivier-René Veillon, em O Cinema Americano dos Anos Cinquenta, afirmou:

A mulher em Lang está na mesma situação que o pobre Joe Wilson em FÚRIA; as aparências são contra ela. Tudo a designa como culpada. O que a ficção desses filmes dá a entender explicita-se no relato de A GARDÊNIA AZUL, onde, precisamente, sob a forma de intriga policial, a mulher - Anne Baxter - é apontada culpada por todas as regras de verossimilhança, com as maiores provas pesando contra ela sem que qualquer elemento tangível possa ajudar a justificá-la. Lang vai ainda mais longe; o espectador fica convencido da culpa da jovem mulher, vê a moça brigando com a vítima antes que uma elipse o conduza ao dia seguinte ao assassinato. O relato é contra ela; só um detalhe ínfimo permite, no último momento provar sua inocência. (p. 147, Martins Fontes)

E a análise de Veillon é muito feliz, tanto ao trazer a questão da culpa como uma constante na obra de Lang quanto ao apontar a crueldade a que é submetida a personagem de Anne Baxter. Aliás, o próprio filme anterior de Lang, SÓ A MULHER PECA, ainda que indiretamente, mostra também uma sociedade que culpa a mulher, aqui não por um assassinato, mas pela infidelidade. Imaginemos como a sociedade daquela época recebeu esse filme.

Vale destacar que a bela e carismática Baxter vinha de dois títulos que lidavam com temas como o crime e a culpa, para citar dois de seus melhores trabalhos feitos pouco tempo antes de A GARDÊNIA AZUL. São eles: A MALVADA, de Joseph L. Mankiewicz, e A TORTURA DO SILÊNCIO, de Alfred Hitchcock.

A produção de A GARDÊNIA AZUL foi muito rápida e com pouco tempo para analisar roteiro e ter um cuidado que normalmente Lang tinha no set. Filmou em apenas 20 dias. O nascimento do filme surgiu do interesse do produtor Adolf Gottlieb, que queria aproveitar a repercussão do caso da prostituta de nome Dália Negra que foi brutalmente assassinada. Assim nasceu a ideia de fazer um filme com este título, para imediatamente aproveitar esse hype mórbido das reportagens.

Para os espectadores de hoje, porém, o filme acaba lembrando VELUDO AZUL, de David Lynch, tanto pelo título quanto pelo fato de haver uma canção-tema sendo cantada durante um momento marcante da narrativa, em um bar-restaurante. Aqui a canção aparece na voz de Nat King Cole, que surge cantando, sorrindo e tocando piano. Curiosamente, vemos o reflexo do cantor em um espelho que fica acima dele. Não entendi a intenção de Lang, seu simbolismo, mas ficou plasticamente muito bonito.

Na trama, Norah é uma jovem que, depois de ficar muito triste com a carta do namorado, soldado na Guerra da Coreia, que diz ter se apaixonado por uma enfermeira, ela aceita imediatamente o convite por telefone de um sujeito mulherengo (Raymond Burr), como forma de esquecer aquela noite. Inclusive, ela queria se sentir à vontade para beber o bastante para ficar high. Quando ela vai até o apartamento do homem, embriagada, ele tenta forçar sexo e ela se defende. Ao acordar e ver o corpo do homem no chão, sai correndo na chuva, deixando os sapatos. Os sapatos que serão justamente a maior pista, transformando A GARDÊNIA AZUL em uma espécie de Cinderella criminal.

Aqui temos o que de melhor Lang construiu ao longo de sua carreira em Hollywood: o drama criminal junto com o melodrama, o suspense e uma análise de julgamento rápido feito pelo sistema e pela sociedade americana, algo que já havia aparecido de maneira bem forte no excelente MALDIÇÃO (1950). Ou seja, a cada novo filme que vemos de Fritz Lang, mais percebemos que ele foi um dos maiores monstros do cinema de todos os tempos.

sábado, novembro 14, 2020

OITO FILMES BRASILEIROS



Uma das vantagens destes tempos de cinema em casa tem sido a possibilidade de ver alguns filmes brasileiros novos, que tem surgido em festivais online, seja o de Gramado, seja a Mostra de São Paulo, seja o Olhar de Cinema, ou mesmo no circuito ou em serviço de streaming. Hoje foi dia de falta de inspiração. E amanhã é dia de trabalhar como mesário nas eleições, neste ano louco. Então, vamos de comentários rápidos mais uma vez.

AS ÓRBITAS DA ÁGUA

Nem todo filme precisa ser agradável. Alguns têm a tarefa de trazer o desconforto, a angústia, e em doses bastante consideráveis. Talvez seja o caso dos filmes de Frederico Machado, que neste AS ÓRBITAS DA ÁGUA (2020) conta uma história em tons trágicos, embora a história acabe sendo menos importante do que a atmosfera da obra, que conta com muitos simbolismos e poucos diálogos. É quase um filme mudo com uma trilha sonora um tanto solene. A busca de prazer sensual é mais de desespero, uma forma de atenuar a dor, em especial quando o filme aprofunda o personagem do pescador. Gosto de como a sensação de calor é tão presente nos quadros, de como o filme é quente, mas também de quando a brisa da noite chega para trazer um pouco de alento.

ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU

É preciso coragem para fazer cinema de um orçamento praticamente zero e colocar o seu primeiro longa-metragem no ar com todas as dificuldades. Além disso, expor a família, como faz Bruno Risas neste ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU (2020), por mais que muito do que é mostrado não necessariamente tenha saído da realidade, mas a impressão que fica é que o lado documentário se apresenta bem mais forte que seu lado ficção. Acho que o filme se beneficiaria de uma meia hora a menos, mas é bom ver uma personagem se revelando cada vez melhor ao longo da narrativa, caso da mãe do cineasta. O filme está disponível agora na Netflix.

KING KONG EN ASUNCIÓN

É um filme arriscado este KING KONG EN ASUNCIÓN (2020), novo trabalho de Camilo Cavalcante. Afinal, é um pouco difícil simpatizar com o velho matador de aluguel. Além do mais, há um andamento tão lento que por vezes passa a impressão de buscar inspiração em PARIS, TEXAS, mas ao mesmo tempo, é como se o cineasta estivesse ganhando tempo para somar a duração de um longa-metragem. Depois, ao vermos cenas muito boas do protagonista conversando com outras pessoas, esse tipo de impressão é deixado de lado (sem falar no poderoso flashback). Camilo Cavalcante é mesmo um diretor de talento e, embora o filme passe a impressão de ser irregular, há uma série de cenas muito especiais. A solidão e a angústia de viver do personagem aos poucos nos convencem. Quanto à voz de uma mulher em guarani, é uma voz poderosa e a língua parece saída de algum país do leste europeu. Talvez pelo tom sombrio.

POR QUE VOCÊ NÃO CHORA?

Acho que POR QUE VOCÊ NÃO CHORA? (2020), de Cibele Amaral, ganha força com a química entre as duas atrizes, quando Bárbara Paz surge como a mulher problemática que será tratada/estudada pela jovem estudante de Psicologia, vivida por Carolina Monte Rosa. Quando elas estão separadas, o filme fica mais problemático e um tanto arrastado. E funciona quando vemos essa tentativa de equilíbrio entre uma pessoa muito introspectiva e essa mulher imprevisível e explosiva. O filme se complica ao tentar abarcar temas tão densos e complexos como a depressão e o suicídio, mas diria que tem o seu charme.

TODOS OS MORTOS


Dos filmes dirigidos por Marco Dutra talvez este TODOS OS MORTOS (2020) seja o que mais se distancia do horror, ainda que o território do sobrenatural continue forte. O que temos neste trabalho em parceria com Caetano Gotardo é mais uma história de forte cunho social sobre a nossa sociedade escravocrata. Misturar um pouco a sociedade contemporânea com aquela de 120 anos atrás ajuda a mostrar que pouca coisa mudou. Mas é bom ver que desta vez os diretores tiveram uma preocupação em mostrar os negros falando um português de igual pra igual com os brancos. Há vários momentos de destaque, como aquela fala da matriarca sobre o quão brilhante será o século XX ou aquela outra sobre a Europa ser o território de onde tudo que é importante veio. Como é um filme coral, há muito mais a se destacar, personagens bem interessantes, como a irmã freira, por exemplo, e o menino que se aproxima da família.

UM ANIMAL AMARELO

Depois que passei pela primeira experiência com o cinema de Felipe Bragança (A ALEGRIA, 2010) e percebi, principalmente agora, com seu novo e mais ambicioso trabalho até o momento, que ele persegue mesmo suas obsessões, então ficou mais fácil não apenas respeitá-lo como autor que é, mas também apreciar o seu filme, que ainda traz monstros convivendo com histórias de frustração humana. Talvez frustrações do próprio Bragança, já que o protagonista é um cineasta. Senti necessidade de rever UM ANIMAL AMARELO (2020) no cinema, e não sei se será possível (futuro ainda muito nebuloso), porque em vários momentos eu me peguei perdido e sem entender aquele universo misterioso que também abraça a cultura portuguesa, mas sem nunca esquecer do Brasil, de nossas falhas como nação e da esperança que ainda resta.

BREVE MIRAGEM DE SOL

Segundo longa de ficção de Eryk Rocha, depois do ótimo TRANSEUNTE (2010). Ambos os filmes têm um quê de realidade sofrida que remete ao trabalho de documentarista do diretor. Em BREVE MIRAGEM DO SOL (2019), temos dois atores profissionais, Fabrício Boliveira e Bárbara Colen, muito bons, e também muito convincentes em seus papéis de taxista e enfermeira, passando por dificuldades. Principalmente o personagem de Boliveira, que sente tanto a solidão quanto a falta do filho, que agora vive com a mãe. As cenas noturnas têm uma intensidade admirável, desde a primeira e tensa corrida de taxi até as cenas do relacionamento que surge com a personagem de Colen - muito bonita a cena da praia.

SERTÂNIA

Quando o olho da gente bate e percebe que está diante de uma obra de grandeza fora do comum é difícil não ficar empolgado. SERTÂNIA (2018), de Geraldo Sarno, é um deslumbre. Retorna ao sertão de onde ficou famoso, com VIRAMUNDO(1965), e faz uma espécie de western metafísico em que acompanhamos a agonia e também flashbacks fora de ordem do protagonista, Antão Gavião (Vertin Moura), pertencente ao bando de cangaceiros de Jesuíno. Os jogos metalinguísticos nos deixam desconcertados, mas ao mesmo tempo não tiram a verdade e a força da interpretação do protagonista e nem o impacto das imagens em preto e branco da paisagem seca do interior da Bahia. Ainda estou desnorteado. Preciso voltar ao filme outra hora. E já sonhando com a possibilidade de vê-lo na gloriosa telona.

sexta-feira, novembro 13, 2020

BOCA DE OURO



Um mundo muito estranho este da pandemia. Sair de casa, como diz uma canção do Los Hermanos, já é uma grande aventura. E ir ao cinema, que é uma atividade que a maioria dos meus amigos cinéfilos deixou de fazer, por conta do perigo de contato com o vírus, pra mim ainda é uma tentação, por mais que tenha diminuído bastante as idas. Mesmo assim, lá fui eu ver como anda a situação no Cineteatro São Luiz, que anda exibindo uma série de filmes brasileiros que não estão no cardápio das demais salas. Um filme como BOCA DE OURO (2019), por exemplo, com um elenco estelar, tempos atrás teria ótimas chances de conseguir uma boa bilheteria.

Assim, estacionei onde costumo e gosto de estacionar quando vou ao Centro, tentei vender uns quadrinhos no sebo de HQs (sem sucesso), comprei o ingresso, contemplei a Praça do Ferreira, que contava com um homem evangélico pregando, entrei no Café Santa Clara, que fica na esquina do Edifício São Luiz, cumprimentei as duas moças que trabalhavam no café do Dragão, antes de fecharem por causa da pandemia, e tomei um café, enquanto olhava a praça, a minha favorita da cidade. O que mais me deixou triste, antes e durante a sessão, foi o aumento absurdo de pedintes nas ruas. De fato, estamos vivendo uma tragédia nacional sem precedentes.

No cinema, o esquema de distanciamento é semelhante ao das salas do Cinema do Dragão, com lugares impossibilitados de sentar e uma pessoa para nos guiar, além de checagem de temperatura. Quando cheguei na sala, havia só mais duas pessoas dentro daquele cinema enorme. Quando saí da sessão (já que costumo me sentar lá na frente), vi que havia um número um pouco maior de espectadores.

O meu interesse por BOCA DE OURO vem por diversos motivos. Há o texto de Nelson Rodrigues, que é um autor que costuma garantir o sucesso de vários filmes adaptados de suas peças e contos; há a volta de Daniel Filho na direção, depois de um hiato longo - seu trabalho anterior é o divertido SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO (2014); e há um elenco muito atraente (a volta de Malu Mader e a presença de nomes como Marcos Palmeira no papel-título, Guilherme Fontes, Fernanda Vasconcellos, Anselmo Vasconcelos, além do próprio Daniel Filho). Mas quem se destaca mais no filme é mesmo a jovem Lorena Comparato, no papel de Celeste, a mulher casada que cai nas graças do gângster de dentes de ouro. Outro ator jovem, mais conhecido pelas telenovelas, Thiago Rodrigues, faz o papel de seu marido, Leleco, que na versão de Nelson Pereira dos Santos (1963) havia sido feita pelo próprio Daniel Filho - já nem lembrava disso.  

A estrutura é igual à do filme de Nelson Pereira dos Santos, uma espécie de RASHOMON, com a personagem de Malu Mader contando três histórias diferentes, ao mesmo tempo contraditórias e complementares sobre o temido Boca de Ouro, bicheiro que acabou de ser encontrado morto. A dupla de repórteres que entra na casa de Guigui (Mader) para colher depoimentos, acaba por ouvir essas três histórias, mudadas de acordo com o humor ou a vontade da narradora. As histórias se equilibram em momentos muito bons e outros menos interessantes, mas todas elas são atraentes e poderosas no uso da violência rodrigueana e que agora pode ser vista de maneira mais explícita.

Daniel Filho segue um caminho de sangue e nudez, que já era um caminho trilhado pelos melhores especialistas em adaptações de Nelson Rodrigues, Neville D'Almeida e Braz Chediak. Mas aqui ela é mais gráfica, mais derivada do cinema de horror, e mais bonita plasticamente. E é uma violência que vai além do visual, já que Boca de Ouro é um personagem extremamente perturbador, seja quando procura estuprar a mulher e matar o marido; seja quando faz concurso de seios mais bonitos; seja quando planeja a execução de uma mulher em sua casa. Assim, há espaço para fazer bombear fortemente o coração do espectador diversas vezes, com os atos cruéis desse fascinante personagem da literatura brasileira.

quinta-feira, novembro 12, 2020

QUATRO FILMES CLÁSSICOS DE HORROR



Mais um dia sem tempo para escrever para o blog. Vontade de escrever não falta, mas tem que administrar tempo e energia para isso. Então, vamos de textinhos sobre filmes que já vi já faz algum tempo. Alguns eu gostaria muito de tecer considerações mais aprofundadas e refletir sobre eles no calor do momento mas também com ajuda de pesquisa. Como isso está mais complicado e a fila de filmes vistos tem crescido, o que posso fazer é deixar esses textos escritos de maneira rápida e às vezes atrapalhada no meu Letterboxd/Facebook.

O CORVO (The Raven)

Um filme de uma hora de duração me parece atraente. Ainda mais sendo um exemplar da era de ouro dos monstros da Universal, por mais que este aqui já pareça ser menor do que os mais importantes trabalhos realizados por Lugosi e por Karloff. O CORVO (1935), de Lew Landers, é o segundo filme que os dois fizeram juntos, depois do ótimo O GATO PRETO. Este aqui não tem uma história baseada no poema "The Raven", mas utiliza referências soltas e principalmente inspirações de contos de Poe que lidam com a tortura, uma fixação do personagem de Lugosi, o médico louco que desfigura com alegria o rosto do criminoso procurado pela polícia vivido por Karloff. É um filme divertido, mas em alguns momentos do clímax parece mais um movimentado filme da era do cinema mudo, só que com uso de som. Mas tem o seu charme, com certeza.

SINTOMAS (Symptoms)

Sinto que havia no espírito do cinema de horror dos anos 1970 uma espécie de contato maior com a natureza. Até o nosso Khouri fez exemplares do gênero ambientados em casas interioranas. SINTOMAS (1974), de José Ramón Larraz, foi realizado pouco antes de AS FILHAS DE DRÁCULA (1974) e tem uma preocupação muito pequena com plot e bastante com atmosfera. Tanto que a parte mais movimentada do filme demora bastante a acontecer. Antes disso há muito tempo para curtir o som dos pássaros pela manhã, o som da chuva à noite, mas também o medo dos barulhos que se ouvem quando as luzes se apagam e o clima hostil que vai se formando ainda que sutilmente para a personagem Anne. Melhor ver sem saber nada a respeito.

KAIRO (Pulse)

O senso de desorientação da primeira vez que vi KAIRO (2001) persiste na revisão, mas agora me conectei muito mais com o filme, com seu sentimento de solidão imenso. Destacar que a morte é a exponenciação da solidão na terra é perturbador. E o filme lida com isso misturando o horror sobrenatural com um melodrama lindo, auxiliado por uma trilha sonora inspirada. Destaque também para os fantasmas, muitas vezes aterrorizantes (há uma mulher fantasma que me impressionou de fato) e a maneira original de conectar o horror (e a solidão) com uma incipiente internet. A fotografia opaca e os cenários sujos também contribuem para esse clima de desesperança com o mundo. Até fiquei fazendo (novamente) conexões com o cinema de Lynch (CIDADE DOS SONHOS, que é do mesmo ano, principalmente), mas talvez esse tipo de conexão se deva mais pelo fato de eu ter poucas referências orientais, me faltando background. Mas tenho interesse em conhecer mais o cinema do Kiyoshi Kurosawa.

UM GRITO DE PAVOR (Scream of Fear / Taste of Fear)

Ah, os filmes de 80 minutos de duração! Atualmente eles andam mais queridos do que nunca. E este UM GRITO DE PAVOR (1961), de Seth Holt, é redondinho, uma delícia de ver em sua construção de suspense e terror. É um exemplar do quanto PSICOSE se tornou uma referência, já que há aqui também uma trama que não deve ser contada para não estragar as surpresas, como diz em um dos cartazes originais. Na trama, jovem cadeirante volta para a casa do pai na Riviera Francesa depois da morte de sua melhor amiga e passa a ser assombrada por imagens do pai morto. Acho que tem algum furo na história, mas é tão gostoso de ver que, mesmo que tenha, está mais do que perdoado. Pra encerrar: já falei que o filme é uma delícia?

terça-feira, novembro 10, 2020

SÓ A MULHER PECA (Clash by Night)



Eis um dos mais belos e poderosos trabalhos de Fritz Lang. O bom e velho cineasta austríaco fez um filme para destroçar nossos corações. Um melodrama com uma pitada de veneno em um drama familiar que ganha contornos bem dramáticos a partir de um triângulo amoroso. Barbara Stanwyck está em um de seus melhores papéis, como a mulher desencantada com a vida que volta para casa em uma pequena cidade pesqueira a fim de reconstruir a vida. As dores e as contradições de sua personagem nos contaminam, assim como também é doloroso ver um homem tão bondoso quanto o personagem de Paul Douglas sofrer no processo.

SÓ A MULHER PECA (1952) traz muito pano para manga para discussão sobre traição, o papel da mulher na família ontem e hoje, violência e possessividade masculina etc. E ainda tem a Marilyn Monroe em um papel pequeno, mas já apontando para a glória que ela alcançaria já no ano seguinte.

Este é um filme em que Lang privilegia os exteriores, o que não era muito comum, a não ser em trabalhos mais atípicos, como foi o caso de GUERRILHEIROS DAS FILIPINAS (1950), que pode ser visto como uma obra à parte em sua filmografia. Aqui até mesmo ele obteve comparação com Rossellini e o neorrealismo italiano, na sequência inicial, que mostra a rotina do trabalho de pesca da vila onde se passa a história, filmada em Monterey. A introdução do filme mostra as ondas, as gaivotas, os barcos, o empacotamento das sardinhas na fábrica. Isso não era muito comum no cinema americano da época. Tanto que o próprio Lang conta que viu uma versão de seu filme na televisão sem essa sequência "documental" introdutória.

Acho que foi o filme que mais me fez admirar a grandeza de Stanwyck como intérprete. Ela está brilhante. E também especialmente gentil, já que havia uma tensão por causa da presença de Marilyn Monroe no set, já que ela chegava atrasada e esquecia as falas, e, como ela era uma artista em ascensão, muitos jornalistas iam visitar o set só para entrevistá-la, não queriam falar com Stanwyck ou Lang. Paul Douglas odiava Marilyn. Já o produtor sabia da estrela que ela carregava e queria dar destaque a ela. SÓ A MULHER PECA foi seu primeiro grande filme, ainda que em um papel de coadjuvante.

No entanto, o papel dela e o de Keith Andes, um jovem casal de namorados, é bastante representativo do tipo de relação de poder e resistência entre homens e mulheres que se apresentava na sociedade americana daquele período . O rapaz está sempre destacando seu machismo, enquanto ela fica um tanto contrariada, mas, como gosta dele, releva algumas coisas. Interessante que é com os dois que Lang faz a cena mais virtuosa do filme, com um plano-sequência que mostra os dois saindo da praia e chegando até o restaurante, sob o olhar do personagem de Robert Ryan, que, sozinho, procurava assediar tanto a jovem quanto a namorada/esposa de seu (supostamente) melhor amigo.

O final do filme é de uma força incrível. E Lang fez muito certo ao mudar o final original da peça de Clifford Odets. Por acreditar que a violência só leva à desgraça e achar absurdo o crime passional, Lang trouxe um destino lindamente agridoce para seus protagonistas, depois do inferno pelo que passaram. Filmar uma explosão emocional causada por traição e dor dentro de um lar não é fácil. Mas quando alguns cineastas acertam no ponto, é impressionante como isso mexe comigo.

Acredito que hoje o filme seja visto de uma maneira bem diferente da época de sua realização. Alguns o consideram machista. Não creio que seja, mas acredito que não sou eu a pessoa mais certa para julgar. Só acho que Lang fez um retrato até que bem progressista da mulher daquela época, uma mulher disposta a enfrentar o seu próprio destino, nem que seja para ficar sozinha ou com má fama.

E o fato de não vermos o início do momento do adultério propriamente dito, mas acompanharmos apenas o ponto de vista de Jerry (Douglas), contribui para que soframos um pouco com ele. Depende do espectador julgar ou não os personagens. Por isso que muitos consideram este um dos filmes de Lang que mais admite diferentes interpretações. O fato é que eu acabei de ver um dos melhores filmes do cinema americano já feitos. E estou muito feliz com isso.

segunda-feira, novembro 09, 2020

TENET



Que loucura este 2020, hein. E como tudo foi afetado pela pandemia, claro que o cinema não poderia deixar de ser. Na verdade, o cinema foi um dos setores mais prejudicados. A escolha de Christopher Nolan e da Warner de colocar TENET (2020) nos cinemas mesmo com os índices de contaminação ainda altos e com muito do público temeroso de pisar os pés em uma sala de cinema foi arriscada. Com isso, o filme de Nolan acaba sendo o único blockbuster deste segundo semestre, já que houve uma rejeição a OS NOVOS MUTANTES, um filme bem simpático e que mereceria um pouco mais de consideração.

Começar o texto falando de loucura e abordar TENET até que tem um pouco a ver. Mas só um pouco, já que Nolan é um diretor cerebral. Se tem alguém que fica com os neurônios pegando fogo durante a projeção de seus filmes é o público. E mesmo assim eles gostam, levando em consideração o bom número de pagantes para o filme, que de fato tem suas qualidades de produção valorizadas na sala IMAX. Se as pessoas acharam INTERESTELAR (2014) complicado, TENET leva essa complexidade a uma outra escala. Quando a gente pensa que está começando a entender a trama, eis que ele traz novas cenas que nos deixam perdidos novamente.

Mas há que se respeitar um cineasta que é capaz de fazer um filme caro como este, sem nenhum grande astro no cartaz (o nome de Robert Pattinson não aparece em destaque), de difícil compreensão, e ainda atrair um número considerável de espectadores em plena pandemia. Minha reação ao filme foi variando ao longo da metragem. Comecei me irritando com explicações sobre as balas reversas, depois fui achando fascinante a história de um mundo reverso, e ficando bastante impressionado com as cenas de ação, e em especial com o som, com a qualidade de som do filme, que numa sala IMAX é estrondoso de bom. A trilha sonora, a cargo do sueco Ludwig Göransson, lembra o som de algumas bandas de rock industrial, como o Ministry, e isso também me agradou.

Comecei, com este filme, a achar aceitável o estilo de Nolan: um diretor com uma absoluta fascinação pelo tempo e que vem brincando com isso de maneira cerebral ao longo de sua filmografia, talvez desde a sua obra de estreia. Lembremos que em Nolan até o sonho é racionalizado, vide A ORIGEM (2010). Não é algo que vai me agradar plenamente, claro, mas estou começando a dar novas chances ao diretor. Até porque uma coisa que percebemos vendo TENET é que estamos diante de um dos cineastas mais dispostos a trazer a ficção científica para o cinema da maneira mais séria possível. Ou seja, trazendo conceitos de física e química que lhe auxiliam na construção de uma trama complexa.

O problema (ou seria a solução?) é que ele não quis apenas fazer um filme de ficção científica, mas também uma espécie de thriller de espionagem à James Bond, com o mérito de trazer um protagonista negro e cheio de brilho e carisma. John David Washington é uma aposta , já que seu papel de maior destaque até então era o de INFILTRADO NA KLAN, de Spike Lee, um filme mais direcionado ao circuito alternativo. Aqui ele incorpora um James Bond meio perdido, mas que nunca abandona a elegância. Sempre com um terno chique, mesmo quando está às voltas com lutas braçais com criaturas vindo do futuro.

O fato de o protagonista (ele não tem um nome no filme) estar tão perdido quanto o espectador não deixa de ser um alento. Aliás, é curioso que, na época da divulgação do filme, contou-se que nem o elenco entendeu a história de TENET. Então, quando vemos os personagens dialogando sobre esses assuntos complicados e de uma maneira até um tanto robótica, fiquei pensando em um cineasta mais ou menos ditatorial, que não se importa com o que o ator está sentindo ou deve sentir para a cena. É o caso de ver o ator como gado, como Alfred Hitchcock tempos atrás.

As cenas que mais se aproximam de uma sensação mais dramática ou minimamente sentimental vem da personagem de Elizabeth Debicki, que interpreta a esposa de um homem que tem em suas mãos o destino do universo, vivido por Kenneth Branagh. Uma das cenas mais empolgantes do filme, inclusive, é uma em que os dois coadjuvantes estão em um barco. Por outro lado, as cenas de ação mais ambiciosas, como a dos caminhões pressionando uma camionete, parecem um pouco engessadas. Mas ainda assim funcionam como um alívio para o cérebro nas duas horas e meia de duração que, acredite se quiser, passam voando.

domingo, novembro 08, 2020

VÍTIMAS DE UMA PAIXÃO (Sea of Love)



Mais um filme da safra "nostalgia", este VÍTIMAS DE UMA PAIXÃO (1989), de Harold Becker, vi na data de sua estreia no Brasil (creio que em 89 mesmo), no Cine São Luiz, numa daquelas sessões noturnas que eu fazia, na grande maioria das vezes sozinho, depois do expediente. Na época eu ainda era estagiário do Banco do Nordeste e devia ter 17 anos. Não lembro se a classificação indicativa foi 14 ou 16 anos. De todo modo, até hoje o filme tem fama de trazer uma das melhores cenas de sexo em filmes americanos mainstream. E sem dúvida a cena, com uma Ellen Barkin fabulosa, foi o que mais ficou grudado em minha memória.

É interessante quando é necessário um pouco mais de tempo para que certos filmes se tornem pequenos clássicos. No caso deste aqui, que trouxe de volta Al Pacino para os cinemas depois de alguns anos longe das telas, a revisão aumentou muito mais a minha apreciação inicial. Além do mais, é importante notar o quanto VÍTIMAS DE UMA PAIXÃO antecipou INSTINTO SELVAGEM, de Paul Verhoeven, tanto pela junção de thriller de crime com erotismo, quanto na história de um policial que se envolve com (e se apaixona por ) uma suspeita de ser a assassina serial procurada. 

Se aqui não temos um grande diretor, temos uma série de circunstâncias que tornaram o filme especial e delicioso de ver. E ainda temos a sempre simpática presença de John Goodman, como o parceiro de Al Pacino na busca pelo responsável pelos assassinatos. Quanto a Pacino, ele está mais uma vez excelente como um policial separado da esposa e com um fraco pela bebida. O atual marido da esposa é um colega de trabalho dele (Richard Jenkins).

Assim, o caso da mulher que anda matando caras com um tiro na cabeça, nus e em suas camas, caiu como uma bênção para o Detetive Frank Keller (Pacino). A ideia que ele teve para caçar o assassino ou assassina foi marcar encontros com mulheres que respondem a anúncios em forma de versos em uma revista. Tanto as cenas de preparação para o plano quanto as cenas dos encontros rápidos com as diversas mulheres nos trazem um sorriso no rosto. Até que surge uma mulher diferente, Helen Cruger, vivida por Ellen Barkin. Quando eles se veem novamente, por acaso, bate uma atração forte e instantânea.  

A comparação que se pode fazer deste filme com INSTINTO SELVAGEM faz todo o sentido na cena em que Pacino vai para o quarto com a mulher e descobre que ela tem uma arma na bolsa. Ou seja, o misto de tensão com tesão se intensifica, ainda que de maneira bastante diversa.

O clima neo noir é outro atrativo do filme, que destaca as ruas de Nova York ao som de um saxofone, mas principalmente quando enfatizam a força da femme fatale loira de Barkin. 

Há quem veja como problemático o final, mas eu vejo um acerto, no sentido de que foge de ser um whodunit tradicional e burocrático e destaca que o que menos importa no final é saber a identidade do assassino e muito mais a relação que se estabelece entre o casal.

Agradecimentos à Paula, por topar ver este filme comigo em esquema de distanciamento social. 

sábado, novembro 07, 2020

SIBÉRIA (Siberia)



“I want to see if we can really film dreams - our fears, our regrets, our nostalgia.”
Abel Ferrara


Para quem costuma reclamar dos filmes do Abel Ferrara produzidos no novo milênio e tem saudade dos trabalhos gloriosos do cineasta na década de 1990, SIBÉRIA (2020) vai trazer de maneira ainda mais forte essa sensação. Afinal, o diretor, por mais que aparentemente tenha deixado as drogas, aqui opta por uma experiência muito parecida com uma bad trip ou algo parecido. Estamos em um território onde o espaço e o tempo são confusos como em um pesadelo ou um sonho desconfortável. O filme é inspirado no Livro Vermelho, de Carl Jung, e certamente será melhor compreendido por quem estudou psicologia, estudou Jung.  

Há algo de Browning (ou de Lynch) na jovem anã na cadeira de rodas ou na anciã sangrando na cama. Há um excesso de simbolismos que faz do filme um prato cheio para a psicanálise. Nunca a presença do parceiro de roteiro de Ferrrara, Christ Zoist, pareceu tão explícita. Zoist tem colaborado com o diretor ítalo-americano desde ENIGMA DO PODER (1998), justamente o filme que representa a transferência de cetro de Christopher Walken para Willem Dafoe, os dois maiores atores-fetiche e/ou alter-egos do cineasta. Com SIBÉRIA, Dafoe e Ferrara firmam parceria pela sexta vez. 

Muitas vezes este novo filme passa a impressão de ser a obra mais pessoal do diretor, principalmente por mostrar sua relação com os pais e com o irmão, sua infância e também mostrar um casamento que não deu certo, e no quanto há de remorsos a ser trabalhados nesse auto-exílio.

A ânsia pela espiritualidade aparece de maneira torta, como é comum nos filmes do realizador - aqui o protagonista busca aprender práticas de magia negra. Quanto às imagens, poucos filmes do realizador trazem imagens tão belas. A experiência deve crescer bastante na telona. Eu, que vi e revi quase todos os filmes de Ferrara em casa neste tão singular 2020, nunca senti uma necessidade tão grande da telona como neste trabalho. Então, fica uma vontade grande de rever no cinema, até como uma nova oportunidade de penetrar na obra.

Na trama, Dafoe é Clint, um homem torturado pelo passado e que trabalha em um bar remoto em um local gelado. Ele não sabe falar a língua da grande maioria das pessoas que aparecem no bar: vemos esquimós, russos e há uma cena que se destaca entre clientes. Trata-se da cena com uma senhora idosa chegando no bar com sua filha bastante grávida, vivida pela bela Cristina Chiriac, atual esposa de Ferrara, e coprotagonista de TOMMASO (2019), seu filme anterior, ainda não visto por mim. A filha dos dois, aliás, a pequena Anna, também aparece no filme, o que só aumenta ainda mais a impressão de se tratar de uma obra muito pessoal do realizador. 

Vale destacar que a tal cena com a mulher grávida talvez seja a mais sensual e bonita já filmada por Ferrara, por mais que a concorrência seja difícil, se lembrarmos de Asia Argento no já citado ENIGMA DO PODER, as cenas do metrô no segmento "Love on the A Train" (1997) ou o striptease de Melanie Griffith em CIDADE DO MEDO (1984).

Ainda assim, dos dois filmes do diretor exibidos na Mostra, o menos ambicioso e mais jazzístico SPORTIN' LIFE (2020) me ganhou muito mais facilmente. Mas, nada que uma revisão não possa mudar essa impressão.

sexta-feira, novembro 06, 2020

MAR DE DENTRO



Muito feliz por ver a Monica Iozzi em um projeto de cinema tão digno e exercitando o seu talento dramático tão bem. Embora seja um filme sobre maternidade, eu diria que MAR DE DENTRO (2020) é até mais recomendado para os homens assistirem do que para as mulheres. Até para termos um pouco o gostinho das dificuldades de ser mãe, seja durante ou após o período de nove meses. Em apresentação do filme especialmente para a Mostra, a diretora Dainara Toffoli falou justamente que um amigo homem que viu o filme afirmou isso e eu senti a mesma sensação.

O filme ganha bastante no momento da solidão da personagem, da angústia de ter que dar conta sozinha de um recém-nascido, das dores nos seios, das noites de sono perdidas, da dificuldade de conciliar a maternidade com a profissão, após o fim da licença. E tudo isso é muito bem desenvolvido. Acho que a cena do consultório foi a que mais me comoveu, mas toda a narrativa está impregnada de sensibilidade feminina, seja de amor, seja de cansaço ou mesmo de irritabilidade.

Ter filmes como esse, que ajudam a trazer mais realismo para a maternidade, desmitificá-la um pouco, é muito importante. De certa forma, lembrei-me de TULLY, de Jason Reitman, que apesar de ser dirigido por um homem, tem um roteiro forte de uma mulher, Diablo Cody, e é o filme sobre maternidade - não só sobre isso, na verdade - que mais me impactou.

Em MAR DE DENTRO, temos uma diretora mulher que, inspirada na própria experiência, gestou ao longo de vários anos esta obra tão sensível. E é também um filme que dialoga com certas produções contemporâneas do circuito de arte. Ao ver, por exemplo, a personagem de Monica Iozzi cuidando do bebê, trocando a fralda, alimentando-o, lembrei da experiência que foi ver DIAS, de Tsai Ming-liang. Mas claro que aqui a proposta está longe de ser tão radical. No entanto, eu diria que temos sim um filme menos interessado em contar uma história do que em nos fazer mergulhar no turbilhão emocional vivido pela protagonista. A comparação com o mar não é gratuita. E nesse sentido eu diria que Toffoli foi muito bem-sucedida. Tanto é que o filme cresce muito quando a personagem precisa lidar com sua solidão (auto-imposta, de certa forma). 

Perto do final, quando Manuela, a personagem de Iozzi, dá carona a uma de suas babás, o filme alcança tal grau de excelência dentro da simplicidade que a cena imediatamente posterior, que encerra o filme, traz uma espécie de felicidade meio amarga que chega a aquecer nossos corações.

Espero uma carreira de sucesso no circuito comercial para MAR DE DENTRO, pois na Mostra ele acabou não tendo tanta repercussão. De todo modo, ainda dá tempo de pegá-lo na repescagem. 

quarta-feira, novembro 04, 2020

DIAS (Rizi)



Creio que sou muito dependente das palavras, muito amante delas. Não à toa, meu filme favorito da Mostra é MALMKROG, de Cristi Puiu, cheio de diálogos. A palavra me fascina, embora tenha escolhido o cinema como a arte mais apaixonante, superando até a música, a literatura e os quadrinhos, não necessariamente nesta ordem, que também são minhas paixões. Dito isso, quando comecei a ver DIAS (2020), de Tsai Ming-liang, e vi que o filme não tinha diálogos, que não haveria inclusão de legendas (há poucas falas, de fato não são necessárias), por opção do diretor, até me deu um pouco de desânimo.

De fato temos um filme difícil. Já havia visto JORNADA AO OESTE (2014), uma experiência impressionante e radical com um monge andando muito leeentameente pelas ruas de Marselha. Trata-se de uma produção de Taiwan com a França. Como também é, DIAS, que se passa em Bangkok, na Tailândia. É até difícil falar de locação, embora as ruas da cidade sejam sim importantes, assim como parece ser desnecessário falar de história, já que o fio de trama aqui é tão pequeno.

O que mais tem de sobra são os planos estáticos de personagens, principalmente em interiores. Para mim, foi um tanto difícil. Estava com o espírito inquieto na segunda-feira. Saía do sofá e ia pra cama; saía da cama e voltava para o sofá. Dava pausa no filme para respirar de vez em quando. Mas imagino que ver DIAS com um espírito "zen" muda tudo, se torna uma experiência quase mística. A mim, o que me veio foi uma inquietação tão grande que as dores do personagem de Lee Kang-sheng pareciam ter passado para mim.

O ator, muso do cineasta, e presente em todos os seus filmes, sofre de dores constantes no pescoço, algo que é parte fundamental da trama e do sentimento de O RIO (1997), e que aqui novamente surge, inclusive quando vemos uma terapia que ele usa para tratar da dor, chamada moxabustão, uma espécie de acupuntura térmica. Não parece tão relaxante assim, pois em alguns momentos queima a pele do paciente.

No mais, não é todo dia que temos a chance de ver um filme com alguém lavando as verduras com tanto carinho, depois descascando, fazendo a comida e se alimentando. Trata-se do segundo personagem do filme, o estreante Anong Houngheuangsy, do Laos. Ele trabalha como massagista/garoto de programa. Mas talvez dizer isso seja um spoiler. Será? Ainda mais em um filme que não se preocupa com um enredo? No mais, há a cena da massagem, também mostrada de maneira muito lenta, sem pressa e com um movimento suava de câmera que valoriza o que está dentro e o que está fora do plano.

Seria DIAS uma espécie de cinema do corpo mas visando fazer um questionamento ou reflexão sobre o estado da alma a partir das dores? Pensei nisso enquanto via a cena da massagem. Mas também há que se destacar a solidão como um elemento fundamental para se aproximar mais dos sentimentos e menos das sensações. Da solidão eu entendo, mas confesso que gostaria de ter me conectado mais com o filme. Até me incomodei um pouco com a música de LUZES DA RIBALTA. Quem sabe eu me preparo melhor psicologicamente na próxima experiência com Tsai Ming-liang. De preferência no cinema.

terça-feira, novembro 03, 2020

SETE FILMES VISTOS NA 44ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO



A Mostra se aproxima do filme e eu, ainda que esteja muito longe dos números de amigos cinéfilos mais vorazes, os meus heróis, já estou de ressaca. Já sinto falta de filmes mais clássicos, os quais gosto de alternar com essas obras de caráter mais alternativo ou às vezes mais experimental. Ainda assim, rememorar alguns desses filmes é ver que são todos títulos que valeram a pena as horas de apreciação. Há outros que ainda estou guardando para escrever textos mais aprofundados no futuro breve.

LA PLANTA

Que saudade de um filme de ficção de Beto Brant (o último foi em 2011!!!). Enquanto isso não é possível, o cineasta nos presenteia com um outro documentário (desta vez em média-metragem) muito relevante. Na verdade, urgente, por mais que fiquemos um tanto desanimados com este atual governo obscurantista. Ainda assim, ver este filme sobre os benefícios medicinais imensos da cannabis acende uma chama de esperança de um futuro melhor, com menos dor, menos doenças e mais equilíbrio e harmonia com a natureza, coisas que fomos perdendo com um modo de vida que foi nos deixando mais e mais doentes e muito conformados com nossa condição. O filme foi rodado no Uruguai, país que legalizou o uso da maconha há alguns anos e que tem feito um progresso imenso em pesquisa e em auxílio a pessoas com câncer, epilepsia, Parkinson, fibromialgia, autismo, esclerose múltipla, dores crônicas, transtorno de ansiedade etc. E é como um dos cientistas diz: isso é só o começo, há muito a ser descoberto sobre os benefícios da cannabis. Ano: 2020.

SHIRLEY

Um dos poucos, se não o único, filmes presentes na Mostra a ter gerado algum burburinho para indicações futuras do Oscar. No caso, para Elisabeth Moss, sempre ótima na construção de suas personagens. Aqui ela interpreta a escritora de ficção de horror Shirley Jackson (de A Maldição da Residência Hill) e sua relação com uma jovem grávida que chega com o marido para passar uns dias em sua casa. Trata-se de um filme cuja chave para compreendê-lo talvez esteja na sensibilidade dos problemas e nos dramas das personagens femininas. Há uma ótima metáfora da escrita como um parto, e o processo criativo é também um dos pontos de ênfase do filme. Direção: Josephine Decker. Ano: 2020.

ISSO NÃO É UM ENTERRO, É UMA RESSURREIÇÃO (This Is Not a Burial, It's a Resurrection)

Histórias de pessoas que se recusam a sair do lugar por imposição superior já são bastante conhecidas, inclusive no Brasil. Basta lembrar de AQUARIUS, de Kleber Mendonça Filho. E também histórias sobre cidades que são inundadas para a construção de uma barragem também não são raras. O tom deste filme de um país que eu nem sabia que existia (Lesoto) é que é bastante trágico, com uma velha senhora ainda de luto pela morte do filho e já tendo que encarar esta mudança. Para ela, a morte parece uma solução muito mais interessante. Talvez tenha me faltado estar no clima para penetrar na atmosfera do filme, que tem qualidades admiráveis. Em certo momento, o diretor usa a natureza para compor uma espécie de pintura, dando ao céu e à planície uma dimensão muito maior do que a de seus personagens. É também muito interessante a narração, em tom de tragédia grega (quase como um coro), por um homem. Direção: Lemohang Jeremiah Mosese. Ano: 2019.

O NARIZ OU A CONSPIRAÇÃO DOS DISSIDENTES (Nos Ili Zagovor Netakikh)

Não é um filme fácil, especialmente para quem não tem bagagem cultural suficiente para acompanhar pelo menos boa parte das referências da história política russa do século XX, em especial os danos causados por Josef Stalin durante seu comando da União Soviética. O filme até termina em tom mais sério e solene, o que é bom em respeito aos mortos pelo regime autoritário, mas durante a maior parte de sua metragem o tom de escárnio predomina. Há uma transição de narrativas que me deixou confuso. A primeira parte é uma adaptação da novela O Nariz, de Nikolai Gogol, com a história surreal do sujeito que perdeu o nariz e sai à procura dele. E há a adaptação da adaptação para a ópera, feita nos anos 1920. Do ponto de vista da beleza plástica e das técnicas de animação, achei um primor, mas a cantoria pouco atraente me cansou, juntamente com minha ignorância no assunto. Direção: Andrey Khrzhanovskiy. Ano: 2020.

NADANDO ATÉ O MAR SE TORNAR AZUL (Yi Zhi You Dao Hai Shui Bian Lan)

Certamente é um trabalho mais modesto este documentário que Jia Zhangke fez sobre a história de vida de escritores da região onde ele nasceu. O problema do filme é a irregularidade. Depende muito do entrevistado. Alguns contam histórias interessantes e são entusiasmados, como a do sujeito que ficava frustrado com os livros censurados (com páginas arrancadas) pelo governo chinês e ele não conseguia ler o final e ficava imaginando. Creio que eu me interessaria mais pelo filme se ele focasse mais nesses detalhes mais específicos dos escritores do que na vida familiar, como acontece quando vemos o depoimento de uma escritora muito emocionada quando lembra da mãe. A primeira parte do filme é um tanto desanimadora, mas gosto do desenvolvimento. Pelo menos em algumas partes. Ano: 2020.

PAI (Otac)

Herdeiro do neorrealismo italiano e de outros derivados, como exemplares do cinema iraniano e do cinema chinês, este filme não se importa em colocar seu herói em situações cada vez mais tristes em sua jornada em busca da recuperação dos filhos, tirados dele pelo serviço social. É o caso clássico de um homem contra um sistema, mas sem querer se aventurar pelo banditismo, uma saída bastante compreensível em se tratando de sua situação. Espécie de road movie a pé, a estrutura narrativa fica no meio do caminho entre o clássico e o alternativo. Isso pode causar alguma insatisfação, mas achei bem digno. Direção: Srdan Golubovic. Ano: 2020.

O LIVRO DOS PRAZERES

Bem interessante esta adaptação do romance de Clarice Lispector. O filme traz Simone Spoladore como a mulher que vive insatisfeita, estando sozinha ou estando acompanhada. O sexo com estranhos funciona como busca de prazer para esconder a dor. A angústia da personagem é sentida do lado de cá da tela, assim como uma sensação de bem-estar surgida em alguns momentos-chave do final (o pássaro, a praia). Interessantes as cenas da escola. A personagem é professora de crianças (e estudante de filosofia) e leva seu existencialismo para as aulas, o que deixa os alunos um pouco confusos. O romance com o personagem do ator argentino Javier Drolas nem sempre funciona, até pelo fato de o personagem (ou o ator?) não ser muito carismático. Direção: Marcela Lordy. Ano: 2020.

domingo, novembro 01, 2020

O DIABO FEITO MULHER (Rancho Notorious)



Vamos de Fritz Lang mais uma vez para dar uma pausa nos filmes da Mostra, pelo menos aqui no blog. Fico com saudade dos filmes antigos, embora esteja vendo muita coisa boa dos novos e inéditos. O DIABO FEITO MULHER (1952) era um dos filmes de Lang que eu mais ansiava ver, justamente por ter gostado muito dos outros dois westerns que ele realizou, A VOLTA DE FRANK JAMES (1940) e OS CONQUISTADORES (1941). São tão deliciosos que eu fiquei me perguntando o motivo de o cineasta austríaco não ter realizado mais filmes do gênero. De todo modo, sua especialidade no que hoje chamam de film noir foi um presente para fãs de cinema.

O retorno ao western é com este filme que traz uma das maiores musas europeias a se estabelecer em Hollywood e que já havia passado de seu auge físico - ela já passava da casa dos 50. Marlene Dietrich teve sua década de glória nos anos 1930, especialmente com a série de filmes dirigidos por Josef von Sternberg. Fritz Lang gostava dela, sempre quis trabalhar com ela. Surgiu finalmente esta oportunidade.

Diferente dos outros dois westerns de Lang, este aqui é menos romântico e mais amargo. Já começa com um choque: a namorada de Vern Haskell, um criador de gado da pequena Wyoming, é estuprada durante um assalto e logo em seguida assassinada. Como em M - O VAMPIRO DE DUSSELDORF (1931), não vemos nada do estupro. Vern, sem conseguir ajuda do xerife da cidade nem de outros habitantes, que temem atravessar a reserva dos índios, segue sozinho nessa tarefa de encontrar o criminoso, sem nada saber sobre ele.

A chave do filme gira quando, no meio do caminho, em uma barbearia, ele houve falar de uma mulher chamada Altar Keane (Marlene Dietrich) e fica um tanto fascinado com a descrição que lhe é dada, a história de quando ela literalmente cavalgava os homens em torneios em que os sujeitos eram cavalos e as mulheres, do tipo livre, eram as jóqueis. 

Percebe-se que temos ao mesmo tempo um filme de vingança com um história de investigação com grandes chances de se tornar uma história complicada de amor. Ou algo parecido. O caminho para chegar a Altar Keane e ao famoso refúgio dos bandidos faz com que ele entre em contato com o namorado de Altar, um pistoleiro de meia idade chamado Frenchy Fermont (Mel Ferrer). Frenchy e Vern se tornam amigos e vão parar no tal abrigo, onde ele vê pessoalmente Altar e vários bandidos residentes. Um deles deve ser o criminoso que violou e matou sua namorada. O filme ganha novos contornos a partir da presença de Marlene finalmente fora dos flashbacks. Ela agora é dona deste lugar e recebe um percentual dos lucros dos assaltos em troca de abrigo e segurança para esses homens.

Um dos destaques de O DIABO FEITO MULHER é a canção-tema, algo inédito até então em um western. A canção-tema dá um ar de mitologia ao enredo e Lang se antecipou em um ano ao tema musical de MATAR OU MORRER, de Fred Zinnemann.

E outro diferencial do filme é o amadurecimento da figura da femme fatale, que aqui surge não como uma mulher que arruína a vida de um homem, mas que a salva. Quanto à violência como meio de vingança, desde FÚRIA (1936) que Lang já denunciava a vaidade do ato.