sábado, novembro 14, 2020
OITO FILMES BRASILEIROS
Uma das vantagens destes tempos de cinema em casa tem sido a possibilidade de ver alguns filmes brasileiros novos, que tem surgido em festivais online, seja o de Gramado, seja a Mostra de São Paulo, seja o Olhar de Cinema, ou mesmo no circuito ou em serviço de streaming. Hoje foi dia de falta de inspiração. E amanhã é dia de trabalhar como mesário nas eleições, neste ano louco. Então, vamos de comentários rápidos mais uma vez.
AS ÓRBITAS DA ÁGUA
Nem todo filme precisa ser agradável. Alguns têm a tarefa de trazer o desconforto, a angústia, e em doses bastante consideráveis. Talvez seja o caso dos filmes de Frederico Machado, que neste AS ÓRBITAS DA ÁGUA (2020) conta uma história em tons trágicos, embora a história acabe sendo menos importante do que a atmosfera da obra, que conta com muitos simbolismos e poucos diálogos. É quase um filme mudo com uma trilha sonora um tanto solene. A busca de prazer sensual é mais de desespero, uma forma de atenuar a dor, em especial quando o filme aprofunda o personagem do pescador. Gosto de como a sensação de calor é tão presente nos quadros, de como o filme é quente, mas também de quando a brisa da noite chega para trazer um pouco de alento.
ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU
É preciso coragem para fazer cinema de um orçamento praticamente zero e colocar o seu primeiro longa-metragem no ar com todas as dificuldades. Além disso, expor a família, como faz Bruno Risas neste ONTEM HAVIA COISAS ESTRANHAS NO CÉU (2020), por mais que muito do que é mostrado não necessariamente tenha saído da realidade, mas a impressão que fica é que o lado documentário se apresenta bem mais forte que seu lado ficção. Acho que o filme se beneficiaria de uma meia hora a menos, mas é bom ver uma personagem se revelando cada vez melhor ao longo da narrativa, caso da mãe do cineasta. O filme está disponível agora na Netflix.
KING KONG EN ASUNCIÓN
É um filme arriscado este KING KONG EN ASUNCIÓN (2020), novo trabalho de Camilo Cavalcante. Afinal, é um pouco difícil simpatizar com o velho matador de aluguel. Além do mais, há um andamento tão lento que por vezes passa a impressão de buscar inspiração em PARIS, TEXAS, mas ao mesmo tempo, é como se o cineasta estivesse ganhando tempo para somar a duração de um longa-metragem. Depois, ao vermos cenas muito boas do protagonista conversando com outras pessoas, esse tipo de impressão é deixado de lado (sem falar no poderoso flashback). Camilo Cavalcante é mesmo um diretor de talento e, embora o filme passe a impressão de ser irregular, há uma série de cenas muito especiais. A solidão e a angústia de viver do personagem aos poucos nos convencem. Quanto à voz de uma mulher em guarani, é uma voz poderosa e a língua parece saída de algum país do leste europeu. Talvez pelo tom sombrio.
POR QUE VOCÊ NÃO CHORA?
Acho que POR QUE VOCÊ NÃO CHORA? (2020), de Cibele Amaral, ganha força com a química entre as duas atrizes, quando Bárbara Paz surge como a mulher problemática que será tratada/estudada pela jovem estudante de Psicologia, vivida por Carolina Monte Rosa. Quando elas estão separadas, o filme fica mais problemático e um tanto arrastado. E funciona quando vemos essa tentativa de equilíbrio entre uma pessoa muito introspectiva e essa mulher imprevisível e explosiva. O filme se complica ao tentar abarcar temas tão densos e complexos como a depressão e o suicídio, mas diria que tem o seu charme.
TODOS OS MORTOS
Dos filmes dirigidos por Marco Dutra talvez este TODOS OS MORTOS (2020) seja o que mais se distancia do horror, ainda que o território do sobrenatural continue forte. O que temos neste trabalho em parceria com Caetano Gotardo é mais uma história de forte cunho social sobre a nossa sociedade escravocrata. Misturar um pouco a sociedade contemporânea com aquela de 120 anos atrás ajuda a mostrar que pouca coisa mudou. Mas é bom ver que desta vez os diretores tiveram uma preocupação em mostrar os negros falando um português de igual pra igual com os brancos. Há vários momentos de destaque, como aquela fala da matriarca sobre o quão brilhante será o século XX ou aquela outra sobre a Europa ser o território de onde tudo que é importante veio. Como é um filme coral, há muito mais a se destacar, personagens bem interessantes, como a irmã freira, por exemplo, e o menino que se aproxima da família.
UM ANIMAL AMARELO
Depois que passei pela primeira experiência com o cinema de Felipe Bragança (A ALEGRIA, 2010) e percebi, principalmente agora, com seu novo e mais ambicioso trabalho até o momento, que ele persegue mesmo suas obsessões, então ficou mais fácil não apenas respeitá-lo como autor que é, mas também apreciar o seu filme, que ainda traz monstros convivendo com histórias de frustração humana. Talvez frustrações do próprio Bragança, já que o protagonista é um cineasta. Senti necessidade de rever UM ANIMAL AMARELO (2020) no cinema, e não sei se será possível (futuro ainda muito nebuloso), porque em vários momentos eu me peguei perdido e sem entender aquele universo misterioso que também abraça a cultura portuguesa, mas sem nunca esquecer do Brasil, de nossas falhas como nação e da esperança que ainda resta.
BREVE MIRAGEM DE SOL
Segundo longa de ficção de Eryk Rocha, depois do ótimo TRANSEUNTE (2010). Ambos os filmes têm um quê de realidade sofrida que remete ao trabalho de documentarista do diretor. Em BREVE MIRAGEM DO SOL (2019), temos dois atores profissionais, Fabrício Boliveira e Bárbara Colen, muito bons, e também muito convincentes em seus papéis de taxista e enfermeira, passando por dificuldades. Principalmente o personagem de Boliveira, que sente tanto a solidão quanto a falta do filho, que agora vive com a mãe. As cenas noturnas têm uma intensidade admirável, desde a primeira e tensa corrida de taxi até as cenas do relacionamento que surge com a personagem de Colen - muito bonita a cena da praia.
SERTÂNIA
Quando o olho da gente bate e percebe que está diante de uma obra de grandeza fora do comum é difícil não ficar empolgado. SERTÂNIA (2018), de Geraldo Sarno, é um deslumbre. Retorna ao sertão de onde ficou famoso, com VIRAMUNDO(1965), e faz uma espécie de western metafísico em que acompanhamos a agonia e também flashbacks fora de ordem do protagonista, Antão Gavião (Vertin Moura), pertencente ao bando de cangaceiros de Jesuíno. Os jogos metalinguísticos nos deixam desconcertados, mas ao mesmo tempo não tiram a verdade e a força da interpretação do protagonista e nem o impacto das imagens em preto e branco da paisagem seca do interior da Bahia. Ainda estou desnorteado. Preciso voltar ao filme outra hora. E já sonhando com a possibilidade de vê-lo na gloriosa telona.
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