Creio que sou muito dependente das palavras, muito amante delas. Não à toa, meu filme favorito da Mostra é MALMKROG, de Cristi Puiu, cheio de diálogos. A palavra me fascina, embora tenha escolhido o cinema como a arte mais apaixonante, superando até a música, a literatura e os quadrinhos, não necessariamente nesta ordem, que também são minhas paixões. Dito isso, quando comecei a ver DIAS (2020), de Tsai Ming-liang, e vi que o filme não tinha diálogos, que não haveria inclusão de legendas (há poucas falas, de fato não são necessárias), por opção do diretor, até me deu um pouco de desânimo.
De fato temos um filme difícil. Já havia visto JORNADA AO OESTE (2014), uma experiência impressionante e radical com um monge andando muito leeentameente pelas ruas de Marselha. Trata-se de uma produção de Taiwan com a França. Como também é, DIAS, que se passa em Bangkok, na Tailândia. É até difícil falar de locação, embora as ruas da cidade sejam sim importantes, assim como parece ser desnecessário falar de história, já que o fio de trama aqui é tão pequeno.
O que mais tem de sobra são os planos estáticos de personagens, principalmente em interiores. Para mim, foi um tanto difícil. Estava com o espírito inquieto na segunda-feira. Saía do sofá e ia pra cama; saía da cama e voltava para o sofá. Dava pausa no filme para respirar de vez em quando. Mas imagino que ver DIAS com um espírito "zen" muda tudo, se torna uma experiência quase mística. A mim, o que me veio foi uma inquietação tão grande que as dores do personagem de Lee Kang-sheng pareciam ter passado para mim.
O ator, muso do cineasta, e presente em todos os seus filmes, sofre de dores constantes no pescoço, algo que é parte fundamental da trama e do sentimento de O RIO (1997), e que aqui novamente surge, inclusive quando vemos uma terapia que ele usa para tratar da dor, chamada moxabustão, uma espécie de acupuntura térmica. Não parece tão relaxante assim, pois em alguns momentos queima a pele do paciente.
No mais, não é todo dia que temos a chance de ver um filme com alguém lavando as verduras com tanto carinho, depois descascando, fazendo a comida e se alimentando. Trata-se do segundo personagem do filme, o estreante Anong Houngheuangsy, do Laos. Ele trabalha como massagista/garoto de programa. Mas talvez dizer isso seja um spoiler. Será? Ainda mais em um filme que não se preocupa com um enredo? No mais, há a cena da massagem, também mostrada de maneira muito lenta, sem pressa e com um movimento suava de câmera que valoriza o que está dentro e o que está fora do plano.
Seria DIAS uma espécie de cinema do corpo mas visando fazer um questionamento ou reflexão sobre o estado da alma a partir das dores? Pensei nisso enquanto via a cena da massagem. Mas também há que se destacar a solidão como um elemento fundamental para se aproximar mais dos sentimentos e menos das sensações. Da solidão eu entendo, mas confesso que gostaria de ter me conectado mais com o filme. Até me incomodei um pouco com a música de LUZES DA RIBALTA. Quem sabe eu me preparo melhor psicologicamente na próxima experiência com Tsai Ming-liang. De preferência no cinema.
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