Curioso como alguns filmes parecem ao mesmo tempo atraentes e fugidios. Como se fossem sonhos bons. Ou nem tão bons, já que o tema abordado nem sempre é dos mais felizes. FOURTEEN (2019) representaria esse tipo de filme. E é um filme que fala sobre depressão. O diretor, o cinéfilo e crítico Dan Sallitt, decide contar sua história pelo olhar da amiga da pessoa que sofre com a doença.
Somos apresentados a duas jovens: Mara (Tallie Medel) e Jo (Norma Kuhling). Mara faz o tipo mais comum e parece ter um misto de admiração e inveja da amiga Jo, que faz um tipo sedutor, com uma beleza que remete a modelos. Enquanto Mara costuma ter apenas um namorado, Jo não se importa em brincar quando o assunto é relacionamento.
Mara costuma ajudar bastante a amiga, que está sempre passando por problemas, como nas várias vezes em que é demitida dos empregos. Até que, depois de anos, Mara perde a paciência com Jo. “Você sempre está precisando de alguma coisa; fica difícil”, desabafa a mais sensata das duas. Durante uma das cenas mais longas desse filme que parece uma sucessão de esquetes curtas, a câmera se aproxima de Jo, enquanto ela confidencia seus problemas à amiga, remetendo a algo ocorrido com ela aos quatorze anos de idade. O filme não explicita o que ocorreu, mas é fácil inferir.
No que se refere à estrutura narrativa e à dramaturgia, FOURTEEN lembra alguns trabalhos de Eric Rohmer, autor que, curiosamente, parece estar sendo um dos cineastas mais influentes para a nova geração de cineastas. As cenas são curtas, há muitos diálogos, encontros e reencontros. E há também enormes elipses temporais e uma brincadeira com o olhar do espectador em uma tomada de uma estação de trem.
Mas o que mais importa é o quanto o filme nos coloca igualmente interessados nas vidas das duas protagonistas. A beleza triste do final acentua a delicadeza dessa pequena grande obra.
+ TRÊS FILMES
UMA MULHER ALTA (Dylda)
Acho problemático um filme cuja personagem-título se torne menos interessante que a suposta coadjuvante, a amiga ruiva que retorna da guerra para ver o filho que a amiga loira e alta cuidava. Como a maioria dos filmes russos, este aqui é duro e com pouco espaço para humor. Os momentos de riso trazem personagens com comportamentos estranhos. O sorriso no rosto de Masha é ao mesmo tempo belo e bizarro, já que aparece muitas vezes em ocasiões desconfortáveis. As duas atrizes estrearam com este filme, o segundo longa do realizador de TESNOTA (2017), um filme também um tanto difícil, mas, por ser mais contemporâneo, se aproxima mais de nossos costumes. Destaque mais uma vez para o belo uso das cores fortes (roupas, cores das portas), que se destacam em ambientes um tanto mortos. Prêmio de melhor direção na Mostra Un Certain Regard em Cannes. Direção: Kantemir Balagov. Ano: 2019.
FRANKIE
Só tenho acompanhado a carreira de Ira Sachs desde DEIXE A LUZ ACESA (2012), e tive a impressão de que este novo filme é diferente, não apenas por não abordar de maneira mais direta a homossexualidade, como os três anteriores, mas por ter uma relação mais próxima com o cinema europeu. É sempre um prazer ver a Isabelle Huppert em ação, e ter um elenco tão diverso e tão bom conta pontos demais a seu favor. Adoro uma cena específica de Huppert com Marisa Tomei (emotiva e contida, ao mesmo tempo); gosto demais de todas as vezes que Brendan Gleeson está em cena. Talvez o ponto fraco esteja em alguns personagens, como o casal que está se separando e a filha deles que vai à praia. Embora trate também de perda, não tem a mesma força da trama principal, por assim dizer. Ainda assim, adoro os silêncios e também os dois momentos ao som de piano. Se todo filme mediano fosse assim, eu ficaria mais feliz. Ano: 2019.
1917
Interessante como 1917, quando passa a se centrar em apenas um dos personagens e, com isso, perde o seu aspecto mais afetivo, vai se tornando algo próximo de um jogo, de um videogame, ou coisa assim. Há a missão a ser cumprida e os inúmeros obstáculos. A fotografia é linda e ver em IMAX é um deslumbre, há algumas cenas marcantes, mas à medida que o filme vai chegando ao seu clímax vai perdendo a força, em vez de causar um tipo de emoção gerada pelo cansaço físico e emocional do protagonista. A brincadeira com o uso do plano-sequência único é divertida, e é legal perceber que em alguns momentos deixamos de prestar atenção nesse aspecto, mas às vezes isso parece ser o principal sentido de existir de 1917. O Sam Mendes sensível de POR UMA VIDA MELHOR (2009) junto com o mestre na direção de ação de 007 - OPERAÇÃO SKYFALL (2012) poderiam ter resultado em algo melhor. Ano: 2019.
quinta-feira, fevereiro 27, 2020
sábado, fevereiro 22, 2020
MENTIRAS (Gojitmal / Lies)
Estava procurando nos meus caderninhos de anotações dos filmes que via no cinema (infelizmente só passei a fazer essas anotações a partir de 1998), e fiquei curioso quando vi que só assisti MENTIRAS (1999) em janeiro de 2002, no então chamado Espaço Unibanco Dragão do Mar. Foi um impacto e tanto pra mim ver este filme. E esse impacto - e o modo como mexeu com algumas fantasias s&m que eu tinha e não sabia disso - ficou mais forte do que a própria lembrança da história. Claro que me lembrava de algumas coisas, como uma cena de sexo anal e principalmente das porradas na bunda com paus e gravetos, tanto na moça quanto no homem, mas quase vinte anos fazem muita diferença na memória de uma pessoa.
O que faz o trabalho de Sun-Woo Jang fugir da vulgaridade, mesmo se aproximando tanto de um filme pornô em alguns momentos, é sua sensibilidade em mostrar a evolução da relação um tanto doentia entre a garota de 18 anos Y (Tae Yon Kim) e o homem de mais de 40 J (Sang Hyun Lee). Na trama, ela é uma garota que, para não seguir o exemplo das duas irmãs mais velhas, que começaram sua vida sexual sendo estupradas, ela decide perder a virgindade com esse homem mais velho com quem ela tem se comunicado a distância.
Para isso, eles marcam de transar em um motel. E toda a expectativa, todo o início de tudo, o encontro, as preliminares, tudo é muito excitante. O misto de frio na barriga com outras sensações menos nobres, por assim dizer, são praticamente inevitáveis. E só por esse início MENTIRAS já valeria a espiada. Acontece que há muito mais a seguir, já que o personagem masculino tem por hábito a vontade de usar métodos de sadomasoquismo para encontrar um prazer maior. Como ele encontra a aceitação fácil da jovem, a relação dos dois passa a ser cada vez mais brutal, ainda que sempre consentida, sendo que inicialmente eles usam ferros, depois gravetos e depois até coisas mais pesadas.
Ele já havia tentado com a esposa, mas ela achava aquilo um absurdo e fugira disso. Como a esposa, uma pintora, passava boa parte do tempo em Paris, para ele era tranquilo encontrar com a jovem Y, que fica cada vez mais apaixonada por ele. Ao mostrar as feridas nos glúteos para a amiga (que fica ao mesmo tempo assustada e enciumada), devido à sessão de chicotadas que deixam marcas fortes, inclusive na coxas e na panturrilha, ela diz que gosta de tudo que o J faz.
O filme chega a um estágio em que o sujeito larga a vida profissional para ficar com a garota, vivendo apenas de sexo e porrada, procurando gravetos no chão como se fossem viciados em crack, enquanto pedem dinheiro emprestado para conseguirem lugar para morar e se alimentar.
MENTIRAS também não trata de culpar um ou outro pelo comportamento ou de apresentar aquilo como um traço horrível. Isso vai de acordo com a visão do espectador. O que podemos ver é também uma relação de afeto forte que se cria entre o casal de amantes. As últimas cenas, por exemplo, são de cortar o coração.
O interessante é que este foi o primeiro filme sul-coreano que eu vi. Mal sabia eu que poucos anos depois as produções do país virariam febre, a ponto de ter um filme ganhando melhor estatueta em festa do Oscar. Também não sabia o quanto os sul-coreanos são bons em lidar com o sexo. Anos depois eu assistiria o excelente e altamente excitante A CRIADA, de Chan-wook Park, e conheceria o maravilhoso Hong Sang-soo, que também usaria do sexo em seus primeiros trabalhos. Foi muito bom poder rever MENTIRAS e ver que continua cheio de força e uma capacidade enorme de excitar, por mais que também possa trazer sentimentos de angústia ou outro tipo de desconforto.
+ TRÊS FILMES
O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA (Dernier Amour)
Acho até fácil se apaixonar pela Stacy Martin. Comprei as cenas dela tentando se fazer de difícil para o Casanova, criando uma carga de tensão sexual muito interessante, a ponto de um beijo já ser uma conquista e tanto. Isso, levando em consideração que o personagem masculino já havia visto a moça prestando serviços sexuais por dinheiro. Pena que o filme a certa altura perde um bocado do rumo, embora possamos dizer que isso talvez simbolize um pouco o sentimento do protagonista. De todo modo, dos filmes de Benoît Jacquot, ainda fico com ADEUS, MINHA RAINHA (2012) e com 3 CORAÇÕES (2014). Ano: 2019.
O CONTO (The Tale)
Falta pouco para ser um grande filme. A história em si é impressionante e chocante, além de também ser bem inventiva no modo como ela é descortinada, até sabermos detalhes sobre o abuso sexual sofrido pela própria diretora em sua infância. O interessante do filme é como ele coloca a questão de maneira bem complexa. A garotinha que faz a Dern novinha é ótima. Direção: Jennifer Fox. Ano: 2018.
DESOBEDIÊNCIA (Disobedience)
Gostei demais dessa experiência de Sebastián Lelio no cinema de língua inglesa. Ainda mais com a força das duas Rachels: Weisz e McAdams. Muito fodas essas meninas. Faltou algo na parte do rabino. Eu não senti a dor dele. E talvez isso seja uma falha, não sei.. Mas me envolvi muito com o romance proibido das duas mulheres. E que linda que é a cena de sexo, hein. As cenas litúrgicas (dá pra chamar assim?) também são belas. Ano: 2017.
O que faz o trabalho de Sun-Woo Jang fugir da vulgaridade, mesmo se aproximando tanto de um filme pornô em alguns momentos, é sua sensibilidade em mostrar a evolução da relação um tanto doentia entre a garota de 18 anos Y (Tae Yon Kim) e o homem de mais de 40 J (Sang Hyun Lee). Na trama, ela é uma garota que, para não seguir o exemplo das duas irmãs mais velhas, que começaram sua vida sexual sendo estupradas, ela decide perder a virgindade com esse homem mais velho com quem ela tem se comunicado a distância.
Para isso, eles marcam de transar em um motel. E toda a expectativa, todo o início de tudo, o encontro, as preliminares, tudo é muito excitante. O misto de frio na barriga com outras sensações menos nobres, por assim dizer, são praticamente inevitáveis. E só por esse início MENTIRAS já valeria a espiada. Acontece que há muito mais a seguir, já que o personagem masculino tem por hábito a vontade de usar métodos de sadomasoquismo para encontrar um prazer maior. Como ele encontra a aceitação fácil da jovem, a relação dos dois passa a ser cada vez mais brutal, ainda que sempre consentida, sendo que inicialmente eles usam ferros, depois gravetos e depois até coisas mais pesadas.
Ele já havia tentado com a esposa, mas ela achava aquilo um absurdo e fugira disso. Como a esposa, uma pintora, passava boa parte do tempo em Paris, para ele era tranquilo encontrar com a jovem Y, que fica cada vez mais apaixonada por ele. Ao mostrar as feridas nos glúteos para a amiga (que fica ao mesmo tempo assustada e enciumada), devido à sessão de chicotadas que deixam marcas fortes, inclusive na coxas e na panturrilha, ela diz que gosta de tudo que o J faz.
O filme chega a um estágio em que o sujeito larga a vida profissional para ficar com a garota, vivendo apenas de sexo e porrada, procurando gravetos no chão como se fossem viciados em crack, enquanto pedem dinheiro emprestado para conseguirem lugar para morar e se alimentar.
MENTIRAS também não trata de culpar um ou outro pelo comportamento ou de apresentar aquilo como um traço horrível. Isso vai de acordo com a visão do espectador. O que podemos ver é também uma relação de afeto forte que se cria entre o casal de amantes. As últimas cenas, por exemplo, são de cortar o coração.
O interessante é que este foi o primeiro filme sul-coreano que eu vi. Mal sabia eu que poucos anos depois as produções do país virariam febre, a ponto de ter um filme ganhando melhor estatueta em festa do Oscar. Também não sabia o quanto os sul-coreanos são bons em lidar com o sexo. Anos depois eu assistiria o excelente e altamente excitante A CRIADA, de Chan-wook Park, e conheceria o maravilhoso Hong Sang-soo, que também usaria do sexo em seus primeiros trabalhos. Foi muito bom poder rever MENTIRAS e ver que continua cheio de força e uma capacidade enorme de excitar, por mais que também possa trazer sentimentos de angústia ou outro tipo de desconforto.
+ TRÊS FILMES
O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA (Dernier Amour)
Acho até fácil se apaixonar pela Stacy Martin. Comprei as cenas dela tentando se fazer de difícil para o Casanova, criando uma carga de tensão sexual muito interessante, a ponto de um beijo já ser uma conquista e tanto. Isso, levando em consideração que o personagem masculino já havia visto a moça prestando serviços sexuais por dinheiro. Pena que o filme a certa altura perde um bocado do rumo, embora possamos dizer que isso talvez simbolize um pouco o sentimento do protagonista. De todo modo, dos filmes de Benoît Jacquot, ainda fico com ADEUS, MINHA RAINHA (2012) e com 3 CORAÇÕES (2014). Ano: 2019.
O CONTO (The Tale)
Falta pouco para ser um grande filme. A história em si é impressionante e chocante, além de também ser bem inventiva no modo como ela é descortinada, até sabermos detalhes sobre o abuso sexual sofrido pela própria diretora em sua infância. O interessante do filme é como ele coloca a questão de maneira bem complexa. A garotinha que faz a Dern novinha é ótima. Direção: Jennifer Fox. Ano: 2018.
DESOBEDIÊNCIA (Disobedience)
Gostei demais dessa experiência de Sebastián Lelio no cinema de língua inglesa. Ainda mais com a força das duas Rachels: Weisz e McAdams. Muito fodas essas meninas. Faltou algo na parte do rabino. Eu não senti a dor dele. E talvez isso seja uma falha, não sei.. Mas me envolvi muito com o romance proibido das duas mulheres. E que linda que é a cena de sexo, hein. As cenas litúrgicas (dá pra chamar assim?) também são belas. Ano: 2017.
quarta-feira, fevereiro 19, 2020
O GRITO (The Grudge)
Ao final de cada ano, vemos interessantes listas de melhores filmes de terror. Não é nenhuma surpresa perceber que a maior parte dos títulos presentes nessas listas se encontra inédita nos cinemas brasileiros, ou foi lançado de maneira discreta ou quase invisível em algum serviço de streaming. Enquanto isso, o número de filmes do gênero de baixa qualidade que chegam aos cinemas tem aumentado bastante.
Só neste ano tivemos AMEAÇA PROFUNDA (que é meio sci-fi e meio filme de ação também), A POSSESSÃO DE MARY, OS ÓRFÃOS e, nesta semana, O GRITO (2020), de Nicolas Pesce. Todos esses são filmes recebidos sem entusiasmo pela crítica e pelo público. Não comento coisas mais alternativas como O FAROL e ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA, pois são filmes que são mais da linha arthouse, exibidos em festivais internacionais e selecionados por distribuidoras independentes que costumam fazer uma curadoria de suas aquisições.
Por que não existem distribuidoras independentes que se preocupam com a qualidade das obras a serem exibidas e ganham um bom nome, em vez de trazerem apenas tranqueiras? Tudo bem que para quem é fã de horror, as tranqueiras também são bem-vindas, mas não precisam exagerar. No caso de O GRITO, temos pelo menos dois motivos para sua chegada: primeiro, a boa popularidade da franquia na primeira metade dos anos 2000; e segundo, o fato de ser distribuído por uma major. O nome de Nicolas Pesce também poderia ser uma boa desculpa, já que seus filmes anteriores, OS OLHOS DA MINHA MÃE (2016) e PIERCING (2018), tiveram algum sucesso entre os fãs do gênero. Não deixa de causar uma curiosidade sua primeira incursão em uma produção de orçamento maior.
O GRITO não é uma refilmagem da produção americana de 2004 estrelada por Sarah Michelle Gellar, mas apresenta uma história diferente, ambientada no mesmo universo e naqueles anos de 2004-2006. É ao mesmo tempo uma sequência e um reboot. É um filme que tem os seus acertos, como a não vulgarização dos sustos, a preferência por uma atmosfera de angústia e desconforto na condução da trama, e uma interessante teia de linhas temporais. Além da linha principal, com a presença de Andrea Riseborough como uma detetive de polícia viúva que se interessa pelo caso e pela casa amaldiçoada, há duas outras linhas temporais: uma em 2004 e outra em 2006.
Outro ponto positivo do filme está na presença de duas atrizes que funcionam muito bem para o gênero horror: Jacki Weaver, que esteve presente em BIRDBOX, de Susanne Bier, e em A FACE DO MAL, de Mac Carter; Lin Shaye, rosto conhecido de quem viu a franquia SOBRENATURAL. Ambas têm um rosto muito expressivo para filmes de casa assombrada.
O mal estar que o novo O GRITO cria é de duas naturezas, sendo que uma delas é louvável, já que o mal gerado pela maldição que parece não ter fim depois que atormenta suas vítimas é um tanto perturbador mesmo. Nisso, o diretor tem os seus méritos. O outro mal estar se mostra presente no andamento tedioso da trama, que, com tantos personagens, alguns até bem interessantes, com o do corretor vivido por John Cho, não consegue fazer o espectador se encantar ou se importar com o filme. Uma pena. Mesmo assim, não é um filme que mereça o desprezo, não.
+ TRÊS FILMES
ELI
Um dos méritos deste filme é seguir por um caminho que a gente jamais imaginaria que fosse seguir. Ao mesmo tempo, parece tudo muito forçado. Uma pena, já que o começo do filme é bem instigante e o foco no drama do garoto que tem fortes problemas alérgicos às voltas com uma casa/hospital estranho é bem interessante. O diretor é o mesmo do subestimado A ENTIDADE 2, um desses filmes que eu lembro de ter adorado ver na época, mas que ninguém nunca deu bola. Direção: Ciarán Foy. Ano: 2018.
ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA (Répertoire des Villes Disparues)
Eis um filme que custou muito a me ganhar. Em certo momento, lembra um pouco LES REVENANTS, a série francesa. Mas o tom aqui é mais de mistério e terror, ainda que o medo esteja mais presente nos personagens e suas reações do que na atmosfera pretendida. Certamente, há metáforas que não percebi, mas, é o que sempre digo: filme de gênero, por mais arthouse que seja, precisa conquistar o espectador primeiro na forma e na narrativa, para depois ganhar no que ele apresenta abaixo da superfície. Na trama, uma cidade tem sua rotina mudada depois de um acidente (?) de carro que ocasionou a morte de um jovem de 21 anos. Direção: Denis Côté. Ano: 2019.
SEM SEU SANGUE
Vejo como um dos principais acertos do filme, por mais que eu não tenha embarcado na viagem, é o fato de ele ir se transformando aos poucos. Ou pelo menos não entrega sua proposta na primeira metade. Há desde o início uma relação forte com o mar, coisa que se potencializará em sua conclusão, mas a princípio o que vemos é uma história de amor que se transforma em uma história de luto, que depois se transforma em algo totalmente inesperado. Nem sempre vejo como acertadas as escolhas e, como filme com simbolismos, até pode ser bastante rico, mas parece faltar mais força na construção da atmosfera. Ainda assim, é um filme que merece ser visto quando entrar em cartaz. Direção: Alice Furtado. Ano: 2019.
Só neste ano tivemos AMEAÇA PROFUNDA (que é meio sci-fi e meio filme de ação também), A POSSESSÃO DE MARY, OS ÓRFÃOS e, nesta semana, O GRITO (2020), de Nicolas Pesce. Todos esses são filmes recebidos sem entusiasmo pela crítica e pelo público. Não comento coisas mais alternativas como O FAROL e ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA, pois são filmes que são mais da linha arthouse, exibidos em festivais internacionais e selecionados por distribuidoras independentes que costumam fazer uma curadoria de suas aquisições.
Por que não existem distribuidoras independentes que se preocupam com a qualidade das obras a serem exibidas e ganham um bom nome, em vez de trazerem apenas tranqueiras? Tudo bem que para quem é fã de horror, as tranqueiras também são bem-vindas, mas não precisam exagerar. No caso de O GRITO, temos pelo menos dois motivos para sua chegada: primeiro, a boa popularidade da franquia na primeira metade dos anos 2000; e segundo, o fato de ser distribuído por uma major. O nome de Nicolas Pesce também poderia ser uma boa desculpa, já que seus filmes anteriores, OS OLHOS DA MINHA MÃE (2016) e PIERCING (2018), tiveram algum sucesso entre os fãs do gênero. Não deixa de causar uma curiosidade sua primeira incursão em uma produção de orçamento maior.
O GRITO não é uma refilmagem da produção americana de 2004 estrelada por Sarah Michelle Gellar, mas apresenta uma história diferente, ambientada no mesmo universo e naqueles anos de 2004-2006. É ao mesmo tempo uma sequência e um reboot. É um filme que tem os seus acertos, como a não vulgarização dos sustos, a preferência por uma atmosfera de angústia e desconforto na condução da trama, e uma interessante teia de linhas temporais. Além da linha principal, com a presença de Andrea Riseborough como uma detetive de polícia viúva que se interessa pelo caso e pela casa amaldiçoada, há duas outras linhas temporais: uma em 2004 e outra em 2006.
Outro ponto positivo do filme está na presença de duas atrizes que funcionam muito bem para o gênero horror: Jacki Weaver, que esteve presente em BIRDBOX, de Susanne Bier, e em A FACE DO MAL, de Mac Carter; Lin Shaye, rosto conhecido de quem viu a franquia SOBRENATURAL. Ambas têm um rosto muito expressivo para filmes de casa assombrada.
O mal estar que o novo O GRITO cria é de duas naturezas, sendo que uma delas é louvável, já que o mal gerado pela maldição que parece não ter fim depois que atormenta suas vítimas é um tanto perturbador mesmo. Nisso, o diretor tem os seus méritos. O outro mal estar se mostra presente no andamento tedioso da trama, que, com tantos personagens, alguns até bem interessantes, com o do corretor vivido por John Cho, não consegue fazer o espectador se encantar ou se importar com o filme. Uma pena. Mesmo assim, não é um filme que mereça o desprezo, não.
+ TRÊS FILMES
ELI
Um dos méritos deste filme é seguir por um caminho que a gente jamais imaginaria que fosse seguir. Ao mesmo tempo, parece tudo muito forçado. Uma pena, já que o começo do filme é bem instigante e o foco no drama do garoto que tem fortes problemas alérgicos às voltas com uma casa/hospital estranho é bem interessante. O diretor é o mesmo do subestimado A ENTIDADE 2, um desses filmes que eu lembro de ter adorado ver na época, mas que ninguém nunca deu bola. Direção: Ciarán Foy. Ano: 2018.
ANTOLOGIA DA CIDADE FANTASMA (Répertoire des Villes Disparues)
Eis um filme que custou muito a me ganhar. Em certo momento, lembra um pouco LES REVENANTS, a série francesa. Mas o tom aqui é mais de mistério e terror, ainda que o medo esteja mais presente nos personagens e suas reações do que na atmosfera pretendida. Certamente, há metáforas que não percebi, mas, é o que sempre digo: filme de gênero, por mais arthouse que seja, precisa conquistar o espectador primeiro na forma e na narrativa, para depois ganhar no que ele apresenta abaixo da superfície. Na trama, uma cidade tem sua rotina mudada depois de um acidente (?) de carro que ocasionou a morte de um jovem de 21 anos. Direção: Denis Côté. Ano: 2019.
SEM SEU SANGUE
Vejo como um dos principais acertos do filme, por mais que eu não tenha embarcado na viagem, é o fato de ele ir se transformando aos poucos. Ou pelo menos não entrega sua proposta na primeira metade. Há desde o início uma relação forte com o mar, coisa que se potencializará em sua conclusão, mas a princípio o que vemos é uma história de amor que se transforma em uma história de luto, que depois se transforma em algo totalmente inesperado. Nem sempre vejo como acertadas as escolhas e, como filme com simbolismos, até pode ser bastante rico, mas parece faltar mais força na construção da atmosfera. Ainda assim, é um filme que merece ser visto quando entrar em cartaz. Direção: Alice Furtado. Ano: 2019.
sexta-feira, fevereiro 14, 2020
AVES DE RAPINA - ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA (Birds of Prey - And the Fantabulous Emancipation of One Harley Quinn)
A DC/Warner parece não ter se incomodado muito com as críticas negativas de ESQUADRÃO SUICIDA (2016), quase uma unanimidade entre os piores filmes do universo de super-heróis já feitos ultimamente. Como a presença de Margot Robbie no papel de Arlequina foi um dos poucos - se não o único – acertos do filme, o estúdio resolveu investir em um novo filme que trouxesse a personagem, que no anterior aparece como a namorada do Coringa, aqui mais tratado como Mr. C (ou Mr. J, no original).
Já na época do ESQUADRÃO SUICIDA, muito foi falado sobre a questão do relacionamento abusivo e tóxico dos dois, e AVES DE RAPINA – ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA (2020) começa justamente com a separação dos dois, o sofrimento de Arlequina e sua posterior volta por cima, com um misto de bom humor e violência. Aliás, é curioso como as cenas de violência parecem uma fusão da violência cartunesca dos antigos desenhos da Warner, como Pernalonga, e a violência dos próprios filmes de gângster do estúdio.
Ou seja, o que temos aqui é uma versão atualizada e hipercolorida desses filmes que fizeram a fama do estúdio. As cenas de Arlequina quebrando as pernas de seus inimigos - são duas que se destacam - são até bastante gráficas, embora não vejamos sangue. Ainda assim, há uma leveza na personagem, apesar de isso ser um tanto contraditório com parte de seus atos, como entrar com uma arma caracterizada ao seu estilo. Como as cenas de ação são apenas o.k., não trazendo nada de mais, o que acaba se destacando é a força do carisma de Margot, mesmo com uma personagem com diálogos fracos.
AVES DE RAPINA, aliás, começa até interessante, com uma narração que lembra um pouco os primeiros filmes de Quentin Tarantino, com idas e vindas no tempo, a partir do ponto de vista de Arlequina. Como ela é a personagem principal, as demais personagens femininas que se juntam para um bem comum no último ato do filme, acabam tendo bem menos força. A personagem de Mary Elizabeth Winstead, por exemplo, é uma pena que seja tão fraca. Outra personagem muito querida nos quadrinhos é a detetive de polícia Renee Montoya, vivida no filme por Rosie Perez, mas que também, infelizmente, não é nada carismática na versão para cinema. E aí temos a Canário Negro (Jurnee Smollet-Bell), que faz o papel da motorista do gângster vivido por Ewan McGregor (um desperdício para uma personagem tão icônica).
Por falar em McGregor, é impressionante como seu personagem é irritante. Até dá para relevar, levando em consideração o tom debochado do filme, mas esse deboche é tanto que passa aquela impressão de desprezo do estúdio pela própria produção, uma das menos hypadas dos filmes de super-heróis recentes. Será que isso já aponta para uma diminuição na popularidade dessas produções? É possível. Tudo chega ao fim.
+ TRÊS FILMES
A GRANDE MENTIRA (The Good Liar)
Só em ter dois grandes atores como Helen Mirren e Ian McKellen, já passando da casa dos 70, em papel ótimo e muitas vezes físico, este filme já merece a atenção. Além de tudo, ainda é um belo thriller sobre um golpe perpetrado pelo personagem de McKellen, embora seja algo além de apenas isso. Acho que o filme perde um pouco o ritmo no momento do flashback, mas não poderia também ter deixado de lado. Acho que o problema é que os jovens atores não tinham o mesmo carisma dos veteranos. Talvez tenha sido isso. No mais, a produção também é muito bem cuidada. Direção: Bill Condon. Ano: 2019.
AMEAÇA PROFUNDA (Underwater)
Primeira produção de 2020 a chegar em nossos cinemas, o grande chamariz do filme é sem dúvida a presença de Kristen Stewart. Queria mesmo era vê-la em SEBERG, mas nem sei se este estreará nos cinemas. Aqui temos uma obra que parece um ALIEN debaixo d'água. Até mesmo a heroína com roupas de baixo, a exemplo de Ripley, nós temos. Mas o mais importante, que é a questão do envolvimento com o suspense, o mistério e as cenas de ação, tudo isso vai se perdendo ao longo da narrativa. Até começa bem e interessante, mas aos poucos o diretor vai perdendo a mão, mostrando que ele não tem nada de novo para apresentar. Uma pena. Direção: William Eubank.
EXTERMINADOR DO FUTURO - DESTINO SOMBRIO (Terminator – Dark Fate)
Vale mais pelas cenas de ação, pela novidade de trazer duas novas personagens femininas, por ser um filme protagonizado por mulheres e em que as mulheres são as donas da situação e por ter um Arnoldão ainda sabendo lidar com o humor. Melhores cenas: primeira perseguição na rodovia; embate 3 contra 1; a cena de ação dentro do avião (essa, na verdade, eu nem sei se é mesmo boa, mas vale pela coragem). Gostei da Mackenzie Davis. Ela é a loirinha de San Junipero, talvez o melhor episódio de BLACK MIRROR. No mais, na torcida para que não façam mais filmes de TERMINATOR. Já chega, né? Direção: Tim Miller. Ano: 2019.
Já na época do ESQUADRÃO SUICIDA, muito foi falado sobre a questão do relacionamento abusivo e tóxico dos dois, e AVES DE RAPINA – ARLEQUINA E SUA EMANCIPAÇÃO FANTABULOSA (2020) começa justamente com a separação dos dois, o sofrimento de Arlequina e sua posterior volta por cima, com um misto de bom humor e violência. Aliás, é curioso como as cenas de violência parecem uma fusão da violência cartunesca dos antigos desenhos da Warner, como Pernalonga, e a violência dos próprios filmes de gângster do estúdio.
Ou seja, o que temos aqui é uma versão atualizada e hipercolorida desses filmes que fizeram a fama do estúdio. As cenas de Arlequina quebrando as pernas de seus inimigos - são duas que se destacam - são até bastante gráficas, embora não vejamos sangue. Ainda assim, há uma leveza na personagem, apesar de isso ser um tanto contraditório com parte de seus atos, como entrar com uma arma caracterizada ao seu estilo. Como as cenas de ação são apenas o.k., não trazendo nada de mais, o que acaba se destacando é a força do carisma de Margot, mesmo com uma personagem com diálogos fracos.
AVES DE RAPINA, aliás, começa até interessante, com uma narração que lembra um pouco os primeiros filmes de Quentin Tarantino, com idas e vindas no tempo, a partir do ponto de vista de Arlequina. Como ela é a personagem principal, as demais personagens femininas que se juntam para um bem comum no último ato do filme, acabam tendo bem menos força. A personagem de Mary Elizabeth Winstead, por exemplo, é uma pena que seja tão fraca. Outra personagem muito querida nos quadrinhos é a detetive de polícia Renee Montoya, vivida no filme por Rosie Perez, mas que também, infelizmente, não é nada carismática na versão para cinema. E aí temos a Canário Negro (Jurnee Smollet-Bell), que faz o papel da motorista do gângster vivido por Ewan McGregor (um desperdício para uma personagem tão icônica).
Por falar em McGregor, é impressionante como seu personagem é irritante. Até dá para relevar, levando em consideração o tom debochado do filme, mas esse deboche é tanto que passa aquela impressão de desprezo do estúdio pela própria produção, uma das menos hypadas dos filmes de super-heróis recentes. Será que isso já aponta para uma diminuição na popularidade dessas produções? É possível. Tudo chega ao fim.
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A GRANDE MENTIRA (The Good Liar)
Só em ter dois grandes atores como Helen Mirren e Ian McKellen, já passando da casa dos 70, em papel ótimo e muitas vezes físico, este filme já merece a atenção. Além de tudo, ainda é um belo thriller sobre um golpe perpetrado pelo personagem de McKellen, embora seja algo além de apenas isso. Acho que o filme perde um pouco o ritmo no momento do flashback, mas não poderia também ter deixado de lado. Acho que o problema é que os jovens atores não tinham o mesmo carisma dos veteranos. Talvez tenha sido isso. No mais, a produção também é muito bem cuidada. Direção: Bill Condon. Ano: 2019.
AMEAÇA PROFUNDA (Underwater)
Primeira produção de 2020 a chegar em nossos cinemas, o grande chamariz do filme é sem dúvida a presença de Kristen Stewart. Queria mesmo era vê-la em SEBERG, mas nem sei se este estreará nos cinemas. Aqui temos uma obra que parece um ALIEN debaixo d'água. Até mesmo a heroína com roupas de baixo, a exemplo de Ripley, nós temos. Mas o mais importante, que é a questão do envolvimento com o suspense, o mistério e as cenas de ação, tudo isso vai se perdendo ao longo da narrativa. Até começa bem e interessante, mas aos poucos o diretor vai perdendo a mão, mostrando que ele não tem nada de novo para apresentar. Uma pena. Direção: William Eubank.
EXTERMINADOR DO FUTURO - DESTINO SOMBRIO (Terminator – Dark Fate)
Vale mais pelas cenas de ação, pela novidade de trazer duas novas personagens femininas, por ser um filme protagonizado por mulheres e em que as mulheres são as donas da situação e por ter um Arnoldão ainda sabendo lidar com o humor. Melhores cenas: primeira perseguição na rodovia; embate 3 contra 1; a cena de ação dentro do avião (essa, na verdade, eu nem sei se é mesmo boa, mas vale pela coragem). Gostei da Mackenzie Davis. Ela é a loirinha de San Junipero, talvez o melhor episódio de BLACK MIRROR. No mais, na torcida para que não façam mais filmes de TERMINATOR. Já chega, né? Direção: Tim Miller. Ano: 2019.
segunda-feira, fevereiro 10, 2020
OSCAR 2020
Foi sem dúvida uma das premiações mais importantes do Oscar em muito tempo. Não era exatamente uma novidade a presença de um candidato estrangeiro na lista dos melhores do ano. Já havia acontecido antes com A VIDA É BELA, de Roberto Benigni, AMOR, de Michael Haneke, e O TIGRE E O DRAGÃO, de Ang Lee, que não conseguiram o prêmio principal. Por isso foi uma surpresa e tanto ver o então favorito 1917, de Sam Mendes, sendo batido por PARASITA, o celebrado filme de Bong Joon Ho, que já havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes e estava presente na maioria das listas de críticos de melhores do ano.
De fato, não parecia ter muito sentido premiar 1917. Por quê? Apenas pela proeza técnica? Algo que nem é nem uma novidade? Hitchcock já fizera essa experiência lá em 1948 com FESTIM DIABÓLICO, Aleksandr Sokurov fez isso em 2002 com ARCA RUSSA, e mais recentemente tivemos o filme norueguês UTOYA - 22 DE JULHO, de Erik Poppe.
Como o Oscar costuma seguir uma espécie de narrativa, não havia um motivo atual para que um filme que tivesse tão pouco a oferecer, como 1917, dentro da atual situação política mundial, ser o título laureado nos Estados Unidos (na Inglaterra, com o Bafta, até fez algum sentido). Houve, inclusive, uma matéria da Variety que falava justamente isso: o porquê de 1917 ser o último filme que deveria ganhar o Oscar. Ou seja, todos os demais candidatos pareciam mais relevantes, inclusive a premiação de cineastas consagrados como Martin Scorsese e Quentin Tarantino, que entregaram obras lindas.
A cerimônia de ontem corria um pouco tediosa, sem nenhuma surpresa - os quatro prêmios para os atores e atrizes eram certos e foram confirmados - e aos poucos fomos vendo que era verdade que O IRLANDÊS sairia dali sendo o único dos nove indicados a melhor filme sem nenhuma estatueta. Assim, a grandeza de Scorsese ao menos seria reconhecida pela homenagem que Bong Joon Ho faria ao receber o prêmio principal no final da festa, quando todos pareciam impressionados com o feito da produção sul-coreana.
Quanto à cerimônia, as apresentações musicais das canções indicadas foram um tanto monótonas. Se bem que o show de Janelle Monáe abrindo com "Won't you be my neighbor?", de UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA, e depois fazendo referências a outros filmes, como NÓS, MIDSOMMAR e CORINGA, foi de dar gosto. No mais, foi no mínimo estranha a apresentação fora de roteiro de Eminem. Fiquei sem entender o motivo e, ao que parece, foi uma espécie de dívida da Academia, ou do própria artista, sendo paga. Mas ficou feio, principalmente porque o clipe musical com algumas canções marcantes exibido antes foi bem ruim.
Ajudou a tirar o gosto ruim a apresentação linda de Billie Eilish na seção In Memoriam, cantando "Yesterday", dos Beatles. A escolha da jovem cantora foi um acerto dos organizadores e ela conseguiu imprimir um tom de melancolia adequado àquele momento, de despedida respeitosa a artistas como Terry Jones, Agnès Varda, Danny Aiello, Stanley Doney, Anna Karina, Bibi Andersson, Doris Day, Rutger Hauer, Peter Fonda, Kirk Douglas, e tantos outros que se foram neste último ano.
Quanto aos discursos, o mais poderoso foi o de Joaquin Phoenix, cheio de amor e de gratidão para com aqueles que lhe deram segundas chances quando ele parecia não merecer. Algo que vai contra à atual cultura do cancelamento.
Para nós, brasileiros, a presença de DEMOCRACIA EM VERTIGEM entre os indicados a melhor documentário foi um presente, por mais que torcer por ele fosse um sonho e mais uma vontade de aumentar ainda mais a visibilidade do filme. De todo modo, a Netflix já fez um belo trabalho, tornando-o popular e disponível em várias partes do mundo, em muitos e muitos lares. Venceu o documentário produzido pelo casal Obama, INDÚSTRIA AMERICANA, que também tem sua relevância política.
A pergunta que fica no ar ao final da premiação e passado toda a surpresa é: a premiação de PARASITA representa uma abertura da Academia para o cinema internacional? O Oscar se tornará mais aberto e menos uma premiação quase exclusiva do cinema americano? Será o início de uma nova era para a academia? Ou haverá um recuo protecionista? É esperar para ver.
Os Premiados
Melhor Filme – PARASITA
Direção – Bong Joon Ho (PARASITA)
Ator – Joaquin Phoenix (CORINGA)
Atriz – Renée Zellweger (JUDY - MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS)
Ator Coadjuvante – Brad Pitt (ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD)
Atriz Coadjuvante –Laura Dern (HISTÓRIA DE UM CASAMENTO)
Roteiro Original – PARASITA
Roteiro Adaptado – JOJO RABBIT
Fotografia – 1917
Montagem – FORD VS. FERRARI
Trilha Sonora Original – CORINGA
Canção Original - "(I'm Gonna) Love Me Again", de ROCKETMAN
Mixagem de Som – 1917
Edição de Som – FORD VS. FERRARI
Efeitos Visuais – 1917
Design de produção – ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD
Figurino – ADORÁVEIS MULHERES
Maquiagem e cabelos – O ESCÂNDALO
Filme Estrangeiro – PARASITA (Coreia do Sul)
Longa de Animação – TOY STORY 4
Curta de Animação – HAIR LOVE
Curta-metragem – THE NEIGHBOR'S WINDOW
Documentário – INDÚSTRIA AMERICANA
Curta Documentário – LEARNING TO SKATEBOARD IN A WARZONE (IF YOU'RE A GIRL)
De fato, não parecia ter muito sentido premiar 1917. Por quê? Apenas pela proeza técnica? Algo que nem é nem uma novidade? Hitchcock já fizera essa experiência lá em 1948 com FESTIM DIABÓLICO, Aleksandr Sokurov fez isso em 2002 com ARCA RUSSA, e mais recentemente tivemos o filme norueguês UTOYA - 22 DE JULHO, de Erik Poppe.
Como o Oscar costuma seguir uma espécie de narrativa, não havia um motivo atual para que um filme que tivesse tão pouco a oferecer, como 1917, dentro da atual situação política mundial, ser o título laureado nos Estados Unidos (na Inglaterra, com o Bafta, até fez algum sentido). Houve, inclusive, uma matéria da Variety que falava justamente isso: o porquê de 1917 ser o último filme que deveria ganhar o Oscar. Ou seja, todos os demais candidatos pareciam mais relevantes, inclusive a premiação de cineastas consagrados como Martin Scorsese e Quentin Tarantino, que entregaram obras lindas.
A cerimônia de ontem corria um pouco tediosa, sem nenhuma surpresa - os quatro prêmios para os atores e atrizes eram certos e foram confirmados - e aos poucos fomos vendo que era verdade que O IRLANDÊS sairia dali sendo o único dos nove indicados a melhor filme sem nenhuma estatueta. Assim, a grandeza de Scorsese ao menos seria reconhecida pela homenagem que Bong Joon Ho faria ao receber o prêmio principal no final da festa, quando todos pareciam impressionados com o feito da produção sul-coreana.
Quanto à cerimônia, as apresentações musicais das canções indicadas foram um tanto monótonas. Se bem que o show de Janelle Monáe abrindo com "Won't you be my neighbor?", de UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA, e depois fazendo referências a outros filmes, como NÓS, MIDSOMMAR e CORINGA, foi de dar gosto. No mais, foi no mínimo estranha a apresentação fora de roteiro de Eminem. Fiquei sem entender o motivo e, ao que parece, foi uma espécie de dívida da Academia, ou do própria artista, sendo paga. Mas ficou feio, principalmente porque o clipe musical com algumas canções marcantes exibido antes foi bem ruim.
Ajudou a tirar o gosto ruim a apresentação linda de Billie Eilish na seção In Memoriam, cantando "Yesterday", dos Beatles. A escolha da jovem cantora foi um acerto dos organizadores e ela conseguiu imprimir um tom de melancolia adequado àquele momento, de despedida respeitosa a artistas como Terry Jones, Agnès Varda, Danny Aiello, Stanley Doney, Anna Karina, Bibi Andersson, Doris Day, Rutger Hauer, Peter Fonda, Kirk Douglas, e tantos outros que se foram neste último ano.
Quanto aos discursos, o mais poderoso foi o de Joaquin Phoenix, cheio de amor e de gratidão para com aqueles que lhe deram segundas chances quando ele parecia não merecer. Algo que vai contra à atual cultura do cancelamento.
Para nós, brasileiros, a presença de DEMOCRACIA EM VERTIGEM entre os indicados a melhor documentário foi um presente, por mais que torcer por ele fosse um sonho e mais uma vontade de aumentar ainda mais a visibilidade do filme. De todo modo, a Netflix já fez um belo trabalho, tornando-o popular e disponível em várias partes do mundo, em muitos e muitos lares. Venceu o documentário produzido pelo casal Obama, INDÚSTRIA AMERICANA, que também tem sua relevância política.
A pergunta que fica no ar ao final da premiação e passado toda a surpresa é: a premiação de PARASITA representa uma abertura da Academia para o cinema internacional? O Oscar se tornará mais aberto e menos uma premiação quase exclusiva do cinema americano? Será o início de uma nova era para a academia? Ou haverá um recuo protecionista? É esperar para ver.
Os Premiados
Melhor Filme – PARASITA
Direção – Bong Joon Ho (PARASITA)
Ator – Joaquin Phoenix (CORINGA)
Atriz – Renée Zellweger (JUDY - MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS)
Ator Coadjuvante – Brad Pitt (ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD)
Atriz Coadjuvante –Laura Dern (HISTÓRIA DE UM CASAMENTO)
Roteiro Original – PARASITA
Roteiro Adaptado – JOJO RABBIT
Fotografia – 1917
Montagem – FORD VS. FERRARI
Trilha Sonora Original – CORINGA
Canção Original - "(I'm Gonna) Love Me Again", de ROCKETMAN
Mixagem de Som – 1917
Edição de Som – FORD VS. FERRARI
Efeitos Visuais – 1917
Design de produção – ERA UMA VEZ EM... HOLLYWOOD
Figurino – ADORÁVEIS MULHERES
Maquiagem e cabelos – O ESCÂNDALO
Filme Estrangeiro – PARASITA (Coreia do Sul)
Longa de Animação – TOY STORY 4
Curta de Animação – HAIR LOVE
Curta-metragem – THE NEIGHBOR'S WINDOW
Documentário – INDÚSTRIA AMERICANA
Curta Documentário – LEARNING TO SKATEBOARD IN A WARZONE (IF YOU'RE A GIRL)
sábado, fevereiro 08, 2020
SYNONYMES
Um dos filmes mais marcantes do ano passado e o grande vencedor do Festival de Berlim, SYNONYMES (2019), de Nadav Lapid, é uma dessas obras que provocam reações distintas na audiência, muitas vezes reações de dúvida sobre o que acabaram de ver, ou sobre o quanto gostaram ou não gostaram do filme. Trata-se do terceiro longa-metragem de Lapid, que se inspirou em sua própria experiência de israelense morando em Paris, para construir uma história sobre negação da pátria para reconstrução da própria identidade, ou de uma nova identidade.
Já chama a atenção o modo como começa SYNONYMES, ao apresentar o protagonista, o jovem Yoav (o estreante Tom Mercier), nu em um grande apartamento, e tendo suas roupas roubadas. É como se Yoav tivesse sido jogado em uma pátria totalmente estranha de para-quedas, e sem roupas. Ele corre nu pelo prédio, com frio, desesperado, tentando se aquecer depois na banheira, e quase morrendo de frio. Um detalhe: essa cena foi a primeira gravada por Tom Mercier, e deixou Lapid e sua equipe impressionados com a performance do ator.
Para Lapid, seu cinema e sua crítica à Israel vão além de questões relacionados ao exército israelense e ao tratamento dado aos palestinos. Em entrevista à revista Cinema Scope, ele diz declarar guerra à própria essência da alma israelense. Daí ele trazer um personagem que quer esquecer todo o seu passado, mas também apresenta um outro judeu que vive em Paris e que provoca passageiros no metrô cantando o hino de Israel, acreditando que todos os europeus são antissemitas.
Um dado curioso e que aproxima o filme e Israel do Brasil e do nosso atual momento político: Israel atualmente conta com uma ministra da cultura extremamente repressiva e de extrema direita, que naturalmente não apoiou o filme e que ficou sem entender se se tratava ou não de uma peça anti-israelense. Por outro lado, quando foi noticiado que o filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, todos os jornais do país pararam sua programação e noticiaram o fato, o que muito alegrou Lapid.
SYNONYMES tem uma estrutura que muito lembra uma sucessão de grandes cenas sem uma coesão muito visível, quase como se fosse uma excelente coleção de esquetes. Nesse sentido, é como se fosse possível você selecionar de maneira aleatória uma ou outra cena de modo a apreciá-la separadamente. Algumas são muito empolgantes, como a cena da danceteria, tocando "Pump up the jam", do Technotronic. Ver esta cena no cinema, com o som no talo, é uma experiência singular. Além do mais, é uma cena muito divertida. Ao contrário de outras tantas, que adentram de maneira intensa a mente confusa de Yoav, mesmo sem uso de voice-over ou nada do tipo, o que só aumenta nossa admiração com o trabalho essencialmente de cinema do cineasta.
Sua tentativa do personagem de se livrar do passado é inútil, já que várias memórias costumam assombrá-lo. Mesmo quando ele tenta falar apenas em francês, há quem queira que ele diga algo em hebraico (vide a cena do "bico"). A propósito, a cena de Yoav declamando a letra da Marselhesa é outro momento de intensidade, de destaque dessa dicotomia agressividade/sensibilidade do protagonista. Assim, por mais que ele tente se tornar menos israelense, mais ele percebe que é israelense. E aí chegamos àquela cena final fantástica, da porta. Que bom que o Festival de Berlim resolveu premiar este filme para chamar a atenção do mundo para o trabalho de seu diretor.
+ TRÊS FILMES
ATLANTIQUE
Aproveitei a oportunidade de ver no cinema um filme que muitos já viram na Netflix. É um belo filme, embora, dentre os premiados vistos até o momento da safra Cannes-2019 foi o que menos me impactou. O que mais eu gostei foi do visual, que equilibra tanto o aspecto fantástico do filme quanto seu realismo social. A fotografia é de Claire Mathon, a mesma do maravilhoso RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS. A textura que essa diretora de fotografia dá às suas obras é impressionante. Aqui quase sentimos o sal do mar, lugar tão presente e tão importante para a trama. Como história de amor talvez não seja tão bom, mas como filme fantástico é interessante e bonito. Mas, assim como vários filmes de 2019, é também um retrato da divisão de classes no mundo. O Senegal tem um abismo social gigante, pelo que podemos ver pelo filme. Direção: Mati Diop. Ano: 2019.
E ENTÃO NÓS DANÇAMOS (And Then We Danced)
Um filme envolvente e que trata com carinho das angústias de seu protagonista, um rapaz que faz parte de uma importante escola de balé e que se apaixona por um colega recém-chegado. Isso numa Geórgia ainda muito preconceituosa e antiquada. O que me faltou foi uma maior identificação com o personagem e também um maior interesse/conhecimento em dança, para saber valorizar as coreografias. Também achei que o filme perde um pouco o foco, ou parece não encontrar o que deseja. Mas talvez isso seja coerente com o estado um tanto perdido do protagonista. Direção: Levan Akin. Ano: 2019.
A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS (Ahlat Ağacı)
É sempre bom ir preparado para um filme do Nuri Bilge Ceylan. Em WINTER SLEEP (2014) já se falava bastante. Neste aqui o diretor também não economiza nos diálogos. Em alguns momentos até parece excessivo, mas isso depende muito do grau de interesse no assunto. Há profundidade neles. A minha cena preferida é a do encontro do protagonista com uma garota da juventude, a cena da árvore, com o vento e tal. Aquilo é lindo demais. Uma das melhores cenas do ano. O registro das estações do ano através das imagens também é lindo. Há uma delicadeza comovente no modo como se dá o relacionamento do rapaz com seu pai e com sua mãe. O que incomoda é que o filme se arrisca em trazer um protagonista tão cheio de erros e um tanto arrogante e nada simpático. Ano: 2018.
Já chama a atenção o modo como começa SYNONYMES, ao apresentar o protagonista, o jovem Yoav (o estreante Tom Mercier), nu em um grande apartamento, e tendo suas roupas roubadas. É como se Yoav tivesse sido jogado em uma pátria totalmente estranha de para-quedas, e sem roupas. Ele corre nu pelo prédio, com frio, desesperado, tentando se aquecer depois na banheira, e quase morrendo de frio. Um detalhe: essa cena foi a primeira gravada por Tom Mercier, e deixou Lapid e sua equipe impressionados com a performance do ator.
Para Lapid, seu cinema e sua crítica à Israel vão além de questões relacionados ao exército israelense e ao tratamento dado aos palestinos. Em entrevista à revista Cinema Scope, ele diz declarar guerra à própria essência da alma israelense. Daí ele trazer um personagem que quer esquecer todo o seu passado, mas também apresenta um outro judeu que vive em Paris e que provoca passageiros no metrô cantando o hino de Israel, acreditando que todos os europeus são antissemitas.
Um dado curioso e que aproxima o filme e Israel do Brasil e do nosso atual momento político: Israel atualmente conta com uma ministra da cultura extremamente repressiva e de extrema direita, que naturalmente não apoiou o filme e que ficou sem entender se se tratava ou não de uma peça anti-israelense. Por outro lado, quando foi noticiado que o filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim, todos os jornais do país pararam sua programação e noticiaram o fato, o que muito alegrou Lapid.
SYNONYMES tem uma estrutura que muito lembra uma sucessão de grandes cenas sem uma coesão muito visível, quase como se fosse uma excelente coleção de esquetes. Nesse sentido, é como se fosse possível você selecionar de maneira aleatória uma ou outra cena de modo a apreciá-la separadamente. Algumas são muito empolgantes, como a cena da danceteria, tocando "Pump up the jam", do Technotronic. Ver esta cena no cinema, com o som no talo, é uma experiência singular. Além do mais, é uma cena muito divertida. Ao contrário de outras tantas, que adentram de maneira intensa a mente confusa de Yoav, mesmo sem uso de voice-over ou nada do tipo, o que só aumenta nossa admiração com o trabalho essencialmente de cinema do cineasta.
Sua tentativa do personagem de se livrar do passado é inútil, já que várias memórias costumam assombrá-lo. Mesmo quando ele tenta falar apenas em francês, há quem queira que ele diga algo em hebraico (vide a cena do "bico"). A propósito, a cena de Yoav declamando a letra da Marselhesa é outro momento de intensidade, de destaque dessa dicotomia agressividade/sensibilidade do protagonista. Assim, por mais que ele tente se tornar menos israelense, mais ele percebe que é israelense. E aí chegamos àquela cena final fantástica, da porta. Que bom que o Festival de Berlim resolveu premiar este filme para chamar a atenção do mundo para o trabalho de seu diretor.
+ TRÊS FILMES
ATLANTIQUE
Aproveitei a oportunidade de ver no cinema um filme que muitos já viram na Netflix. É um belo filme, embora, dentre os premiados vistos até o momento da safra Cannes-2019 foi o que menos me impactou. O que mais eu gostei foi do visual, que equilibra tanto o aspecto fantástico do filme quanto seu realismo social. A fotografia é de Claire Mathon, a mesma do maravilhoso RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS. A textura que essa diretora de fotografia dá às suas obras é impressionante. Aqui quase sentimos o sal do mar, lugar tão presente e tão importante para a trama. Como história de amor talvez não seja tão bom, mas como filme fantástico é interessante e bonito. Mas, assim como vários filmes de 2019, é também um retrato da divisão de classes no mundo. O Senegal tem um abismo social gigante, pelo que podemos ver pelo filme. Direção: Mati Diop. Ano: 2019.
E ENTÃO NÓS DANÇAMOS (And Then We Danced)
Um filme envolvente e que trata com carinho das angústias de seu protagonista, um rapaz que faz parte de uma importante escola de balé e que se apaixona por um colega recém-chegado. Isso numa Geórgia ainda muito preconceituosa e antiquada. O que me faltou foi uma maior identificação com o personagem e também um maior interesse/conhecimento em dança, para saber valorizar as coreografias. Também achei que o filme perde um pouco o foco, ou parece não encontrar o que deseja. Mas talvez isso seja coerente com o estado um tanto perdido do protagonista. Direção: Levan Akin. Ano: 2019.
A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS (Ahlat Ağacı)
É sempre bom ir preparado para um filme do Nuri Bilge Ceylan. Em WINTER SLEEP (2014) já se falava bastante. Neste aqui o diretor também não economiza nos diálogos. Em alguns momentos até parece excessivo, mas isso depende muito do grau de interesse no assunto. Há profundidade neles. A minha cena preferida é a do encontro do protagonista com uma garota da juventude, a cena da árvore, com o vento e tal. Aquilo é lindo demais. Uma das melhores cenas do ano. O registro das estações do ano através das imagens também é lindo. Há uma delicadeza comovente no modo como se dá o relacionamento do rapaz com seu pai e com sua mãe. O que incomoda é que o filme se arrisca em trazer um protagonista tão cheio de erros e um tanto arrogante e nada simpático. Ano: 2018.
quarta-feira, fevereiro 05, 2020
UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA (A Beautiful Day in the Neighborhood)
Há dias em que estamos particularmente mais sensíveis. E há filmes que, por uma razão ou outra, têm o poder de encontrar essa brecha mais frágil e nos levar por caminhos emocionais que jamais imaginávamos ir. Foi o caso, para mim, de UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA (2019), filme que tem como destaque Fred Rogers, lendário apresentador de um programa infantil americano que já foi objeto de estudo do ótimo documentário WON'T YOU BE MY NEIGHBOR?, de Morgan Neville, e que neste filme é interpretado por Tom Hanks, especialista em tipos humanos mais próximos da bondade e da honestidade. Não há nenhum problema nisso, nessa escolha, e a interpretação de Hanks não é o que podemos chamar de uma imitação de Rogers. Mas a voz suave está lá. Tão suave e tão acolhedora que fala fundo a quem se permitir.
Embora o filme tenha me ganhado desde o começo com a proposta de emular o programa de Mr. Rogers, com a apresentação do próprio em tela quadrada, com um visual VHS e com cenários antiquados (usados desde o fim dos anos 1960 até o início do novo milênio) e pequenas miniaturas em forma de brinquedos de casas, prédios, carros e ruas; e a história do personagem principal, o jornalista Lloyd Vogel (Mathew Rhys), seja interessante e tocante, foi um momento, em particular, que me fez chorar quase convulsivamente. (Quem ainda não viu o filme, eu acho que deveria parar de ler por aqui, e só depois voltar.)
Trata-se do momento em que Mr. Rogers e Lloyd estão em um café. O jornalista já havia tirado sua carapaça mais cínica em relação a Mr. Rogers e já se considerava, diante de seu entrevistado, um ser pertencente ao grupo das "broken people", depois do que acabara de acontecer com seu pai e do longo período de mágoa. Mr. Rogers pede para que ele faça um pequeno exercício: dedique um minuto de silêncio para pensar em todas as pessoas que o amaram, que foram responsáveis por moldar seu caráter e sua personalidade.
Como que por um passe de mágica, todos no café também ficam calados e reflexivos. As lágrimas vêm. E aquele exercício pedido por Mr. Rogers é também um exercício que pode ser feito pelo espectador. E que eu fiz. Eu, que também tive meus problemas com meu pai. Pensei em minha família - minha mãe, minhas irmãs, em especial - e pensei também no meu grande amigo que estava ali do meu lado, vendo o filme. Não se tratava, portanto, de apenas se solidarizar com o personagem, mas de se fundir a ele, de certa forma. E é como se tudo o mais se tornasse pequeno, como se o amor recebido e o amor dado fossem o que há de mais importante em nossas vidas e um imenso sentimento de gratidão, de compreensão da vida e de amor nos abraçasse.
Claro que para chegar neste momento intenso, que acontece após uma hora de filme, é preciso acompanhar a trajetória de vida do personagem e também um pouco de seu encontro com esse homem tão especial, que é vegetariano, que faz orações diárias para pessoas com quem se importa, e que pede a pessoas que estão "mais próximas de Deus" que orem por ele. Isso, aliás, pode ser visto em uma determinada cena do filme, mas também podemos ler no artigo publicado na Esquire pelo jornalista.
UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA pode ser visto como uma obra sobre perdão - curiosamente o filme anterior da cineasta se chama PODERIA ME PERDOAR? (2018), que ainda não vi -, mas pode ser mais do que isso, pode até mesmo ser uma obra que resgata a nossa esperança na humanidade, resgata a nossa fé em coisas que são possíveis de se fazer sem que machuquemos o outro ou a nós mesmos. A cena final que mostra Mr. Rogers ao piano demonstra o quanto ele se esforça para fazer isso, o quanto é também um ser imperfeito e necessitado de uma força imensa que ele parece possuir naturalmente.
Claro que tudo isso pode ser deixado de lado, pensar que o filme é uma bobagem sentimental, uma sucessão de clichês batidos de melodramas, ver tudo de maneira mais crítica, no sentido ruim da palavra. Também sabemos que há um limite para o que aceitamos ou não dentro de um filme que se utiliza de recursos emocionais mais intensos, e isso varia de pessoa para pessoa. Felizmente o filme também traz algo de estranheza, de algo quase surreal (para uma obra que se propõe ser uma versão de fatos) - o que dizer da cena do metrô? - e isso pode ser um elemento atraente para muitos.
O papel de Mr. Rogers (e deste filme que procura se moldar aos seus ensinamentos, à sua sabedoria e até ao seu estilo à moda antiga) é nos tirar da carapaça dura de autoproteção que nos torna mais cínicos e distantes de quem fomos um dia na infância, como se estivéssemos em um consultório de psicanálise e precisássemos lidar com nosso lado mais fragilizado para nos tornarmos mais fortes.
+ TRÊS FILMES
JUDY - MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS (Judy)
Uma obra um tanto acadêmica, meio quadrada, mas vale demais, tanto para embarcar um pouco nos sentimentos de Judy Garland naquele momento decadente de sua carreira, quanto pela performance de Renée Zellweger, especialmente quando está no palco. Marcada pela maldade humana desde a infância para se tornar uma estrela de Hollywood, Judy Garland cresceu viciada em drogas para inibir o apetite (e tirar o sono) e álcool. Muito bonita a cena final. E muito bela a atriz que faz a assistente de Judy em Londres (Jessie Buckley). Direção: Rupert Goold. Ano: 2019.
O ESCÂNDALO (Bombshell)
Interessante ver o passado recente dos Estados Unidos e nesse clima de fim dos silenciamentos das mulheres que foram abusadas. Como vivemos algo muito parecido com o que aconteceu com a eleição de Trump, há coisas que são assustadoramente parecidas, como os fanáticos de direita gritando o nome de seu candidato e agindo de maneira violenta, até a questão dos grupos separados, o fato de ter uma emissora essencialmente republicana como a Fox News, que queimava o filme de suas repórteres com tendências democratas (ótimo o exemplo da personagem de Kate McKinnon). A ascensão na importância da personagem de Margot Robbie é bem evidente e rendeu pelo menos uma cena emocionante. Já Charlize Theron representa o lado mais brutal do trio. O uso de próteses às vezes parece estranho, especialmente nas mulheres. Já no John Lithgow ficou perfeito. Ajudou a construir uma espécie de monstro por fora também. Jabba the Hut, como bem diz ele. Aguardando agora o filme sobre os escândalos de Harvey Weinstein. Será que alguém já está fazendo? Direção: Jay Roach. Ano: 2019.
DOIS PAPAS (The Two Popes)
O filme só perde a força quando conta eventos do passado do Papa Francisco, através de flashbacks. No mais, chega a ser hipnotizante acompanhar as conversas entre Francisco e Bento XVI, principalmente quando o argentino vai visitá-lo pela primeira vez. Anthony Hopkins e Jonathan Pryce estão assustadoramente parecidos com os retratados. E é sempre bom poder acompanhar os bastidores de algo que parece tão cheio distante de nossas realidades. Talvez seja o melhor trabalho de Fernando Meirelles, depois de CIDADE DE DEUS (2002). Ano: 2019.
Embora o filme tenha me ganhado desde o começo com a proposta de emular o programa de Mr. Rogers, com a apresentação do próprio em tela quadrada, com um visual VHS e com cenários antiquados (usados desde o fim dos anos 1960 até o início do novo milênio) e pequenas miniaturas em forma de brinquedos de casas, prédios, carros e ruas; e a história do personagem principal, o jornalista Lloyd Vogel (Mathew Rhys), seja interessante e tocante, foi um momento, em particular, que me fez chorar quase convulsivamente. (Quem ainda não viu o filme, eu acho que deveria parar de ler por aqui, e só depois voltar.)
Trata-se do momento em que Mr. Rogers e Lloyd estão em um café. O jornalista já havia tirado sua carapaça mais cínica em relação a Mr. Rogers e já se considerava, diante de seu entrevistado, um ser pertencente ao grupo das "broken people", depois do que acabara de acontecer com seu pai e do longo período de mágoa. Mr. Rogers pede para que ele faça um pequeno exercício: dedique um minuto de silêncio para pensar em todas as pessoas que o amaram, que foram responsáveis por moldar seu caráter e sua personalidade.
Como que por um passe de mágica, todos no café também ficam calados e reflexivos. As lágrimas vêm. E aquele exercício pedido por Mr. Rogers é também um exercício que pode ser feito pelo espectador. E que eu fiz. Eu, que também tive meus problemas com meu pai. Pensei em minha família - minha mãe, minhas irmãs, em especial - e pensei também no meu grande amigo que estava ali do meu lado, vendo o filme. Não se tratava, portanto, de apenas se solidarizar com o personagem, mas de se fundir a ele, de certa forma. E é como se tudo o mais se tornasse pequeno, como se o amor recebido e o amor dado fossem o que há de mais importante em nossas vidas e um imenso sentimento de gratidão, de compreensão da vida e de amor nos abraçasse.
Claro que para chegar neste momento intenso, que acontece após uma hora de filme, é preciso acompanhar a trajetória de vida do personagem e também um pouco de seu encontro com esse homem tão especial, que é vegetariano, que faz orações diárias para pessoas com quem se importa, e que pede a pessoas que estão "mais próximas de Deus" que orem por ele. Isso, aliás, pode ser visto em uma determinada cena do filme, mas também podemos ler no artigo publicado na Esquire pelo jornalista.
UM LINDO DIA NA VIZINHANÇA pode ser visto como uma obra sobre perdão - curiosamente o filme anterior da cineasta se chama PODERIA ME PERDOAR? (2018), que ainda não vi -, mas pode ser mais do que isso, pode até mesmo ser uma obra que resgata a nossa esperança na humanidade, resgata a nossa fé em coisas que são possíveis de se fazer sem que machuquemos o outro ou a nós mesmos. A cena final que mostra Mr. Rogers ao piano demonstra o quanto ele se esforça para fazer isso, o quanto é também um ser imperfeito e necessitado de uma força imensa que ele parece possuir naturalmente.
Claro que tudo isso pode ser deixado de lado, pensar que o filme é uma bobagem sentimental, uma sucessão de clichês batidos de melodramas, ver tudo de maneira mais crítica, no sentido ruim da palavra. Também sabemos que há um limite para o que aceitamos ou não dentro de um filme que se utiliza de recursos emocionais mais intensos, e isso varia de pessoa para pessoa. Felizmente o filme também traz algo de estranheza, de algo quase surreal (para uma obra que se propõe ser uma versão de fatos) - o que dizer da cena do metrô? - e isso pode ser um elemento atraente para muitos.
O papel de Mr. Rogers (e deste filme que procura se moldar aos seus ensinamentos, à sua sabedoria e até ao seu estilo à moda antiga) é nos tirar da carapaça dura de autoproteção que nos torna mais cínicos e distantes de quem fomos um dia na infância, como se estivéssemos em um consultório de psicanálise e precisássemos lidar com nosso lado mais fragilizado para nos tornarmos mais fortes.
+ TRÊS FILMES
JUDY - MUITO ALÉM DO ARCO-ÍRIS (Judy)
Uma obra um tanto acadêmica, meio quadrada, mas vale demais, tanto para embarcar um pouco nos sentimentos de Judy Garland naquele momento decadente de sua carreira, quanto pela performance de Renée Zellweger, especialmente quando está no palco. Marcada pela maldade humana desde a infância para se tornar uma estrela de Hollywood, Judy Garland cresceu viciada em drogas para inibir o apetite (e tirar o sono) e álcool. Muito bonita a cena final. E muito bela a atriz que faz a assistente de Judy em Londres (Jessie Buckley). Direção: Rupert Goold. Ano: 2019.
O ESCÂNDALO (Bombshell)
Interessante ver o passado recente dos Estados Unidos e nesse clima de fim dos silenciamentos das mulheres que foram abusadas. Como vivemos algo muito parecido com o que aconteceu com a eleição de Trump, há coisas que são assustadoramente parecidas, como os fanáticos de direita gritando o nome de seu candidato e agindo de maneira violenta, até a questão dos grupos separados, o fato de ter uma emissora essencialmente republicana como a Fox News, que queimava o filme de suas repórteres com tendências democratas (ótimo o exemplo da personagem de Kate McKinnon). A ascensão na importância da personagem de Margot Robbie é bem evidente e rendeu pelo menos uma cena emocionante. Já Charlize Theron representa o lado mais brutal do trio. O uso de próteses às vezes parece estranho, especialmente nas mulheres. Já no John Lithgow ficou perfeito. Ajudou a construir uma espécie de monstro por fora também. Jabba the Hut, como bem diz ele. Aguardando agora o filme sobre os escândalos de Harvey Weinstein. Será que alguém já está fazendo? Direção: Jay Roach. Ano: 2019.
DOIS PAPAS (The Two Popes)
O filme só perde a força quando conta eventos do passado do Papa Francisco, através de flashbacks. No mais, chega a ser hipnotizante acompanhar as conversas entre Francisco e Bento XVI, principalmente quando o argentino vai visitá-lo pela primeira vez. Anthony Hopkins e Jonathan Pryce estão assustadoramente parecidos com os retratados. E é sempre bom poder acompanhar os bastidores de algo que parece tão cheio distante de nossas realidades. Talvez seja o melhor trabalho de Fernando Meirelles, depois de CIDADE DE DEUS (2002). Ano: 2019.
domingo, fevereiro 02, 2020
MARISA MONTE NO I'MUSIC - FORTALEZA, 31 DE JANEIRO DE 2020
Marisa Monte é provavelmente a cantora brasileira que mais pessoas consegue reunir sempre que faz um show. Mais até do que grandes estrelas, como Maria Bethânia e Gal Costa. Ela consegue ser ao mesmo tempo muito popular, graças ao flerte com canções mais pop e também com algumas de dor de cotovelo, e uma sofisticação tanto nos arranjos, quanto nas escolhas de canções e parceiros nas composições. Foi assim desde o seu segundo disco de estúdio, Mais (1991).
Mesmo estando distante dos shows, por não me sentir mais à vontade em multidões, estava especialmente interessado em ir a este, dada a minha admiração por Marisa. Por isso quis me unir à minha amiga Natércia para vermos o espetáculo. Juntou-se à gente os meus amigos Júnior e Ane, que se demonstraram interessados em ir também. Uma turma que me fez bem o suficiente para eu me sentir à vontade.
Os artistas deste primeiro dia do festival confirmados eram Giulia Be (jovem artista iniciante de aparentemente um único hit), Silva e terminando com Marisa. Giulia Be tenta animar o público, mas talvez tenha agradado mais ao pessoal que estava mais próximo do palco. As pessoas, que estavam ali pela Marisa e provavelmente também pelo Silva, não se animaram tanto com as poucas canções da bela jovem. Ela se esforçou para grudar em nossos ouvidos o sucesso "Menina solta". De todo modo, vai que ela nos surpreende um dia e lança um baita álbum.
Falando em surpresa, que belo show o Silva fez, hein. Eu comecei a dançar com o único objetivo de disfarçar as minhas dores nas costas (não posso ficar de pé e parado durante muito tempo, sem ter uma dor na lombar). Então, dançar, me mexer, se fez necessário para diminuir ou anular as dores. E deu certo. E comecei a dançar com gosto mesmo quando Silva começou cantar canções de Caetano Veloso ("Me larga", "A luz de Tieta", "Meia lua inteira"), Gilberto Gil ("Toda menina bahiana") e Paralamas do Sucesso ("Uma brasileira"), entre outras.
Por mais que ele seja um grande artista e eu desconheça a obra dele, me ficou a impressão que essa nova geração (ele incluso) nunca alcançará a excelência de caras como Caetano e Gil, realmente gigantes, e a quem ele deve o crédito de ter conseguido incendiar a plateia quando cantou essas canções. A semelhança da voz de Silva com a de Caetano os aproxima. Achei estranho, porém, ele não ter cantado nada da Marisa Monte, já que fez um disco inteiramente dedicado a ela (Silva Canta Marisa Monte, 2016).
E eis que ela entra, infelizmente com o som um pouco baixo (coisa que não aconteceu no show do Silva) e com os telões ao lado pifados (logo no show dela!). É sempre assim: segunda vez que vejo um show dela e uma dificuldade de me aproximar, uma multidão imensa impedindo uma melhor visibilidade. E agora essa chateação de gente filmando o tempo todo com seus celulares atrapalhando a visão. É muito irritante. Se ao menos fosse só para tirar suas fotos. Mas não: filmam, postam em seus stories, filmam de novo e de novo. Um horror. Ao menos no cinema a gente pode reclamar disso.
Marisa Monte começa com "Maria de verdade", faixa que eu nem gosto muito, mas que foi marcante por abrir o histórico álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão (1994). Em seguida, parte para algo mais novo milênio, com "Infinito particular", "Vilarejo" e "Ilusão". Nessa época, eu havia parado de acompanhar ativamente o trabalho de Marisa, de comprar seus álbuns, não sei bem o motivo. Talvez tenha sido erro da minha parte.
Volta para os anos 90 para começar uma dupla de canções de dor de cotovelo, "Dança da solidão" e "Depois", para depois cantar a que talvez seja a minha favorita dela, "Beija eu", de seu segundo disco. Acho uma canção com uma simplicidade e uma delicadeza tão únicas. E tem aquela guitarra do Arto Lindsay, genial.
Anima o público com a popular "Velha infância", primeira dos Tribalistas que ela canta, depois voltar no passado com "Diariamente", que rendeu aplausos efusivos ao final. Aliás, por ser uma canção mais para ouvir do que para cantar, foi o único momento em que as vozes do público se calaram para apreciar a voz única e maravilhosa de Marisa Monte, que tem a generosidade de elogiar a voz do coro e de querer que as pessoas cantem junto. Ao contrário de certos artistas, que mudam a canção só para não deixar as pessoas cantarem junto (alô, Roberto Carlos!).
As próximas faixas, "Preciso me encontrar" (linda!) e "A sua" antecipam aquela que me deixaria arrepiado, "Ainda bem", dessas faixas do novo milênio que ganharam muitos corações. E é uma canção sobre um momento de alegria intensa, embora deixe um tanto triste aqueles que ainda não encontraram sua cara-metade. Ela continua com "Baião do mundo", "Segue o seco" (foi mundo bom ouvir novamente essa canção tão marcante), "Eu sei (na mira)" e "Carnavália".
Quando estava reclamando que ela não tinha cantado nada do Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000), disco que representa a fase mais feliz de minha vida, ela entra com a deliciosa "Não vá embora", para encerrar o show com "Passa em casa".
Como ela estava com o pé torcido (quase não veio, mas teve que ficar o tempo todo ali no banquinho por causa disso), ela brincou que o bis seria sem fazer o charminho de sair e voltar. Cantou uma versão mais curta de "Amor, I love you". Manda chamar novamente o Waldonys para cantar de novo "Velha infância" (por que não foi outra?) e fechar com mais uma dos Tribalistas, "Já sei namorar". Essa grande quantidade de faixas dos Tribalistas no show se justifica talvez pela turnê recente de reencontro dela com o Carlinhos Brown e o Arnaldo Antunes.
As pessoas não param de pedir mais, porém a banda já vai embora. Como consolo, Marisa começa a cantar à capela "Bem que se quis", e vai embora, deixando o público cantando sozinho essa que foi seu primeiro hit. Faltou muita coisa boa, mas não se pode ter tudo. Belo show de uma grande e querida artista. Não é todo dia que ganhamos um presente desses, não.
Mesmo estando distante dos shows, por não me sentir mais à vontade em multidões, estava especialmente interessado em ir a este, dada a minha admiração por Marisa. Por isso quis me unir à minha amiga Natércia para vermos o espetáculo. Juntou-se à gente os meus amigos Júnior e Ane, que se demonstraram interessados em ir também. Uma turma que me fez bem o suficiente para eu me sentir à vontade.
Os artistas deste primeiro dia do festival confirmados eram Giulia Be (jovem artista iniciante de aparentemente um único hit), Silva e terminando com Marisa. Giulia Be tenta animar o público, mas talvez tenha agradado mais ao pessoal que estava mais próximo do palco. As pessoas, que estavam ali pela Marisa e provavelmente também pelo Silva, não se animaram tanto com as poucas canções da bela jovem. Ela se esforçou para grudar em nossos ouvidos o sucesso "Menina solta". De todo modo, vai que ela nos surpreende um dia e lança um baita álbum.
Falando em surpresa, que belo show o Silva fez, hein. Eu comecei a dançar com o único objetivo de disfarçar as minhas dores nas costas (não posso ficar de pé e parado durante muito tempo, sem ter uma dor na lombar). Então, dançar, me mexer, se fez necessário para diminuir ou anular as dores. E deu certo. E comecei a dançar com gosto mesmo quando Silva começou cantar canções de Caetano Veloso ("Me larga", "A luz de Tieta", "Meia lua inteira"), Gilberto Gil ("Toda menina bahiana") e Paralamas do Sucesso ("Uma brasileira"), entre outras.
Por mais que ele seja um grande artista e eu desconheça a obra dele, me ficou a impressão que essa nova geração (ele incluso) nunca alcançará a excelência de caras como Caetano e Gil, realmente gigantes, e a quem ele deve o crédito de ter conseguido incendiar a plateia quando cantou essas canções. A semelhança da voz de Silva com a de Caetano os aproxima. Achei estranho, porém, ele não ter cantado nada da Marisa Monte, já que fez um disco inteiramente dedicado a ela (Silva Canta Marisa Monte, 2016).
E eis que ela entra, infelizmente com o som um pouco baixo (coisa que não aconteceu no show do Silva) e com os telões ao lado pifados (logo no show dela!). É sempre assim: segunda vez que vejo um show dela e uma dificuldade de me aproximar, uma multidão imensa impedindo uma melhor visibilidade. E agora essa chateação de gente filmando o tempo todo com seus celulares atrapalhando a visão. É muito irritante. Se ao menos fosse só para tirar suas fotos. Mas não: filmam, postam em seus stories, filmam de novo e de novo. Um horror. Ao menos no cinema a gente pode reclamar disso.
Marisa Monte começa com "Maria de verdade", faixa que eu nem gosto muito, mas que foi marcante por abrir o histórico álbum Verde, Anil, Amarelo, Cor de Rosa e Carvão (1994). Em seguida, parte para algo mais novo milênio, com "Infinito particular", "Vilarejo" e "Ilusão". Nessa época, eu havia parado de acompanhar ativamente o trabalho de Marisa, de comprar seus álbuns, não sei bem o motivo. Talvez tenha sido erro da minha parte.
Volta para os anos 90 para começar uma dupla de canções de dor de cotovelo, "Dança da solidão" e "Depois", para depois cantar a que talvez seja a minha favorita dela, "Beija eu", de seu segundo disco. Acho uma canção com uma simplicidade e uma delicadeza tão únicas. E tem aquela guitarra do Arto Lindsay, genial.
Anima o público com a popular "Velha infância", primeira dos Tribalistas que ela canta, depois voltar no passado com "Diariamente", que rendeu aplausos efusivos ao final. Aliás, por ser uma canção mais para ouvir do que para cantar, foi o único momento em que as vozes do público se calaram para apreciar a voz única e maravilhosa de Marisa Monte, que tem a generosidade de elogiar a voz do coro e de querer que as pessoas cantem junto. Ao contrário de certos artistas, que mudam a canção só para não deixar as pessoas cantarem junto (alô, Roberto Carlos!).
As próximas faixas, "Preciso me encontrar" (linda!) e "A sua" antecipam aquela que me deixaria arrepiado, "Ainda bem", dessas faixas do novo milênio que ganharam muitos corações. E é uma canção sobre um momento de alegria intensa, embora deixe um tanto triste aqueles que ainda não encontraram sua cara-metade. Ela continua com "Baião do mundo", "Segue o seco" (foi mundo bom ouvir novamente essa canção tão marcante), "Eu sei (na mira)" e "Carnavália".
Quando estava reclamando que ela não tinha cantado nada do Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000), disco que representa a fase mais feliz de minha vida, ela entra com a deliciosa "Não vá embora", para encerrar o show com "Passa em casa".
Como ela estava com o pé torcido (quase não veio, mas teve que ficar o tempo todo ali no banquinho por causa disso), ela brincou que o bis seria sem fazer o charminho de sair e voltar. Cantou uma versão mais curta de "Amor, I love you". Manda chamar novamente o Waldonys para cantar de novo "Velha infância" (por que não foi outra?) e fechar com mais uma dos Tribalistas, "Já sei namorar". Essa grande quantidade de faixas dos Tribalistas no show se justifica talvez pela turnê recente de reencontro dela com o Carlinhos Brown e o Arnaldo Antunes.
As pessoas não param de pedir mais, porém a banda já vai embora. Como consolo, Marisa começa a cantar à capela "Bem que se quis", e vai embora, deixando o público cantando sozinho essa que foi seu primeiro hit. Faltou muita coisa boa, mas não se pode ter tudo. Belo show de uma grande e querida artista. Não é todo dia que ganhamos um presente desses, não.